Metade das crianças do mundo sofre violência sexual física ou psicológica - TVI

Metade das crianças do mundo sofre violência sexual física ou psicológica

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  • 18 jun 2020, 14:11
Criança (Reuters)

Relatório conjunto de várias agências das Nações Unidas diz ainda que a culpa é dos países que não as protegem

Metade das crianças do mundo sofre todos os anos violência física, sexual ou psicológica, segundo um relatório conjunto de várias agências das Nações Unidas, que afirmam que a culpa é dos países que não as protegem.

No relatório global sobre prevenção da violência contra crianças, esta quinta-feira divulgado em Genebra, analisam-se dados de 155 países e conclui-se que embora 88% deles tenham leis para proteger as crianças, em mais de metade (53%), estão praticamente só no papel, faltando dinheiro ou estruturas para as fazer aplicar.

Nos números compilados no relatório, estima-se ainda que 40.150 crianças (entre os zero e os 17 anos) são assassinadas anualmente em todo mundo, a maioria rapazes (28.160), com maior taxa de homicídios de crianças por 100.000 habitantes - 5,8 para ambos os sexos -, bem acima da média mundial, que é de 1,7 por 100.000 habitantes.

“Nunca há desculpa para exercer violência sobre crianças”, afirmou o diretor geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Ghebreyesus, apelando a todos os países para “protegerem a saúde e o bem-estar das crianças” na apresentação do relatório, feito em conjunto com a Unicef e a Unesco.

No relatório, reconhece-se que o número de crianças sujeitas a violência no ano passado é incerto mas “a melhor estimativa é mil milhões de crianças entre os 2 e os 17 anos”, ou seja, metade das crianças do mundo.

Quase três quartos das crianças entre os 2 e os 4 anos (300 milhões) são regularmente sujeitas a castigos físicos ou violência psicológica às mãos dos seus pais ou cuidadores e um quarto das crianças com menos de 5 anos vive com uma mãe sujeita a violência doméstica.

No que toca à violência sexual, estima-se que em todo o mundo, 120 milhões de meninas e raparigas com menos de 20 anos já sofreram um qualquer contacto sexual forçado.

Na escola, um terço dos alunos entre os 11 e os 15 anos afirma ter sofrido uma forma de ‘bullying’.

Quanto às consequências a longo prazo, as agências da ONU afirmam que os abusos sexuais, físicos ou psicológicos aumentam 30 vezes a probabilidade de se cometer suicídio em adulto e sete vezes a probabilidade de se estar numa relação íntima com violência, quer como vítima quer como agressor.

Os abusos físicos ou sexuais sofridos na infância fazem aumentar em 14 vezes a probabilidade de os homens serem agressores sexuais e 16 vezes a probabilidade de as mulheres sofrerem esse tipo de abusos.

No relatório, estima-se ainda que as consequências para a vida da violência sofrida durante a infância tenham um custo económico anual de 228 mil milhões de dólares, só nos Estados Unidos.

As agências da ONU olharam para mais de 300 estudos publicados entre 2000 e 2017 e concluíram que os abusos sexuais têm uma prevalência média de 14% entre meninas europeias e 20% entre meninas norte-americanas.

Quanto aos meninos, 06% dos europeus e 14% dos norte-americanos sofreram abusos sexuais.

A prevalência de violência física é maior no continente africano, afetando 60% dos rapazes e 51% das raparigas.

Quanto à violência psicológica, afeta 28% das meninas e 14% dos meninos no continente americano, 13% das meninas e 06% dos meninos na Europa.

Embora 80% dos países analisados tenha planos e políticas nacionais para prevenir a violência sobre crianças, só um quinto tem financiamento para as aplicar ou metas tangíveis: “a falta de fundos e de capacidade profissional são provavelmente os fatores que contribuem para a aplicação lenta” desses programas, consideram as agências da ONU.

Entre 32 e 37% dos países concedem às crianças vítimas de violência acesso a serviços de apoio, e embora haja dados sobre violência infantil, só em 21% é que esses dados estão na base de metas nacionais a atingir sobre o assunto.

Na sua análise a Portugal, o relatório indica que há sete setores do governo com responsabilidade na questão da violência infantil.

As agências recomendam aos governos que exista “uma agência com recursos adequados e um mandato explícito para coordenar a ação multissetorial para acabar com a violência sobre crianças”.

Recomendam ainda que as crianças tenham “proteção legal universal” na legislação de cada país, notando que embora haja leis dirigidas a fatores de risco como o acesso a armas de fogo e abuso de álcool, costuma faltar-lhes “qualidade e aplicação adequada”.

“É necessária uma ação global para garantir que todos os países têm acesso ao apoio financeiro e técnico de que precisam. A monitorização e avaliação são cruciais para determinar até que ponto os esforços de prevenção chegam a quem deles precisa”, recomenda-se no documento.

Pandemia criou "pior situação possível" para violência familiar

A pandemia de covid-19 provocou a “pior situação imaginável para a violência familiar”, afirmam as Nações Unidas, que notam sinais contraditórios quanto à violência sobre crianças, mas duvidam que tenha diminuído durante o confinamento.

“Considera-se improvável que os números reais de abuso infantil tenham diminuído, uma vez que investigação existente mostra que o fenómeno aumenta durante emergências de saúde pública”, refere-se no relatório global sobre prevenção da violência sobre crianças, da responsabilidade de várias agências da ONU, incluindo a Organização Mundial de Saúde, a Unicef e a Unesco.

Baseando-se no que os meios de comunicação mundiais foram relatando, há sinais contraditórios: pelo menos na China, França, Índia e África do Sul, o confinamento devido à covid-19 “coincidiu com aumentos substanciais” nas chamadas para as linhas de apoio dedicadas à violência infantil.

Contudo, em países como as Filipinas e os Estados Unidos da América, houve “descidas no número de casos de abuso infantil comunicados aos serviços de proteção”, o que os peritos atribuem à falta de contacto das crianças com professores, assistentes sociais, enfermeiras ou médicos, os profissionais que em circunstâncias normais reconheceriam e denunciariam situações suspeitas.

Além disso, aumentaram os perigos a que as crianças estão sujeitas ‘online’, incluindo “exploração sexual e ‘ciberassédio’ que resulta do aumento do uso da Internet por crianças”.

“Com adultos e crianças postos de quarentena durante semanas para prevenir a expansão da covid-19 – e em alguns casos com as próprias pessoas que as magoam – é possivelmente a pior situação imaginável para a violência familiar”, assinalam.

Estima-se que a pandemia tenha sujeitado ao confinamento 1,5 mil milhões de crianças, sujeitas a níveis aumentados de ‘stress’ e ansiedade, tal como os pais, que ficaram sem muitos dos recursos em que se podiam apoiar para ajudar a cuidar dos filhos, como amigos, família alargada ou profissionais.

Na altura da conclusão do relatório, em maio, as agências afirmavam que era “demasiado cedo para saber como o fim do confinamento e a reabertura das sociedades pode ter impacto na violência interpessoal”, apontando que “a devastação económica pode levar anos a ser ultrapassada”:

O regresso ao trabalho e a reabertura de escolas pode aliviar a carga de ‘stress’ sobre os pais, cuidadores e crianças e “assim reduzir o risco de as crianças sofrerem ou testemunharem violência doméstica”.

“Contudo, o desemprego e a insegurança financeira das famílias pode continuar e o acesso à proteção social pode, em muitos contextos, diminuir, significando que, embora os números da violência infantil possam descer, deverão permanecer a um nível superior ao que se verificava antes da covid-19”, refere-se no relatório.

As agências salientam que é preciso apostar em investigação rigorosa sobre como a violência sobre crianças evoluiu nos últimos meses, “uma face escondida” da covid-19 cuja prevenção deverá ser “uma prioridade à medida que o mundo avança para uma realidade pós-pandemia.

“Durante a pandemia e durante o encerramento das escolas, vimos um aumento na violência e no ódio manifestado ‘online’, incluindo o ‘bullying’. Agora, à medida que as escolas reabrem, as crianças expressam medo de voltar”, afirmou a diretora geral da Unesco, Audrey Azoulay.

“É nossa responsabilidade coletiva garantir que as escolas são ambientes seguros para todas as crianças. Precisamos de pensar e agir coletivamente para acabar com a violência nas escolas e na sociedade em geral”, defendeu.

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