Enfermeiros: PGR diz que paralisação é ilegal por não corresponder ao pré-aviso - TVI

Enfermeiros: PGR diz que paralisação é ilegal por não corresponder ao pré-aviso

  • CE
  • 19 fev 2019, 09:04
Concentração de vários enfermeiros junto aos centros hospitalares onde vai decorrer a paralisação

Procuradoria-Geral da República considerou a greve dos enfermeiros ilegal por não corresponder ao pré-aviso e porque o fundo usado para compensar a perda de salário não foi constituído nem gerido pelos sindicatos que decretaram a paralisação

A Procuradoria-Geral da República considerou a greve dos enfermeiros ilegal por não corresponder ao pré-aviso e porque o fundo usado para compensar a perda de salário não foi constituído nem gerido pelos sindicatos que decretaram a paralisação.

Segundo o parecer complementar do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) publicado em Diário da República, que se refere à greve aos blocos operatórios decretada em novembro e dezembro, os enfermeiros, apesar de terem paralisado de forma intercalada, devem perder o salário referente a todo o período da greve.

Não deve ser admitida a desproporção entre os prejuízos causados à entidade patronal e as perdas salariais sofridas pelos trabalhadores em greve, pelo que os descontos salariais devem ter em conta não só o período efetivo em que cada trabalhador se encontrou na situação de aderente à greve, mas também os restantes períodos que, em resultado daquela ação concertada, os serviços estiveram paralisados”, refere documento.

Quanto ao financiamento colaborativo (crowdfunding) usado pelos enfermeiros, o parecer considera que "não é admissível que os trabalhadores aderentes a uma greve vejam compensados os salários que perderam como resultado dessa adesão através da utilização de um fundo de greve que não seja constituído, nem gerido pelos sindicatos que decretaram a greve".

No parecer complementar pedido pelo Ministério da Saúde, o Conselho Consultivo da PGR diz que a modalidade que a greve assumiu “não constava do aviso prévio emitido pelos sindicatos que a decretaram”, pelo que, “pela surpresa que constituiu a forma como ocorreu, face ao conteúdo do aviso prévio, foi ilícita”.

A greve anunciada no aviso prévio tinha uma configuração clássica, na qual os trabalhadores aderentes, simultaneamente, se abstêm de trabalhar, de forma contínua, durante todo o período em que a greve decorre, nada nele indiciando que a greve viesse a incidir nos serviços prestados nos blocos operatórios e que os enfermeiros faltassem alternadamente, de forma organizada, de modo a impedir a constituição das equipas que realizam as cirurgias”, refere a PGR.

Nos avisos prévios de greve emitidos pela ASPE [Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros] e o SINDEPOR [Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal] “apenas é mencionado que a greve decretada por estas estruturas sindicais teria início às 08:00 do dia 22 de novembro e termo às 24:00 do dia 31 de dezembro de 2018, abrangendo todos os turnos que comportam as 24 horas dos dias compreendidos naquele período de forma ininterrupta, sob a forma de paralisação total do trabalho”, acrescenta.

Para o Conselho Consultivo da PGR, a greve anunciada não teve qualquer correspondência “com a modalidade da greve executada (greve parcial setorial e rotativa), pelo que constituiu uma ‘greve surpresa’, não pela sua ocorrência, mas pelo modo como ela se desenrolou”.

Já sobre o uso da figura do financiamento colaborativo, a PGR diz que constitui “uma ingerência inadmissível na atividade de gestão da greve, que incumbe exclusivamente às associações sindicais que a decretaram”.

Sobre esta matéria, diz ainda que esta violação da lei “pode determinar a ilicitude da greve realizada com utilização daqueles fundos, caso se demonstre que essa utilização foi um elemento determinante dos termos em que a greve se desenrolou”.

Estamos perante um processo de obtenção de financiamento, que comporta riscos de instrumentalização das organizações sindicais e dos trabalhadores em greve”, diz ainda a PGR sobre a constituição de um fundo de greve através de uma operação de ‘crowdfunding’.

A PGR recorda que as estruturas representativas dos trabalhadores são, segundo o código do trabalho, independentes do Estado, de partidos políticos, de instituições religiosas ou associações de outra natureza, e que estão proibidos “qualquer ingerência destes na sua organização e gestão, bem como o seu recíproco financiamento”.

A constituição de fundos de greve, dado estarmos perante uma atividade financeira, é um ato sindical abrangido por esta proibição”, refere o parecer da PGR, acrescentando: “A ilicitude desses donativos poderá estender-se à greve por eles subsidiada, caso se demonstre que estes, pela sua dimensão ou outras circunstâncias, foram determinantes dos termos em que a greve se desenrolou”.

Neste parecer complementar, a PGR esclarece igualmente que o Conselho Consultivo, em sede relativa à emissão de “parecer restrito a matéria de legalidade” à solicitação do Governo, “carece de legitimidade para o desenvolvimento de qualquer investigação autónoma e julgamento sobre a ‘matéria de facto’” e que, por isso, assume como pressupostos os dados que lhe foram fornecidos pelo Ministério da Saúde.

Sobre as consequências de uma greve ilícita, o parecer indica que as ausências dos trabalhadores devem ser consideradas faltas injustificadas.

Além de corresponder a uma perda de remuneração, as faltas injustificadas determinam a “qualificação da ausência como infração disciplinar, com a inerente possibilidade de aplicação de uma sanção”.

Contudo, o desconhecimento pelo trabalhador do caráter ilícito da greve a que aderiu pode ser considerado para descontar à aplicação de uma pena disciplinar.

O parecer recorda que, além da responsabilidade disciplinar, a adesão a uma greve ilegítima pode também fazer incorrer o trabalhador em responsabilidade civil extracontratual.

Esta responsabilidade civil pode também abranger os sindicatos que decretaram e geriram essa greve ilícita.

Garcia Pereira: parecer da PGR é “mera opinião jurídica”

O advogado Garcia Pereira, que representa um dos sindicatos que convocaram a greve dos enfermeiros, esclareceu, esta terça-feira, que o parecer da Procuradoria-geral da República (PGR) respeita apenas à greve anterior e que se trata de uma “mera opinião jurídica”.

O parecer é relativo à greve que já decorreu entre 22 de novembro e 31 de dezembro e o despacho do primeiro-ministro que o homologa tem o seu âmbito, quer do ponto de vista de facto quer do ponto de vista temporal, limitado a essa greve”, afirmou Garcia Pereira, em declarações à agência Lusa.

O parecer do conselho consultivo da PGR, hoje publicado em Diário da República, considera ilícita a greve dos enfermeiros por não corresponder ao pré-aviso e porque o fundo usado para compensar a perda de salário não foi constituído nem gerido pelos sindicatos que decretaram a paralisação.

Para o advogado, que representa o Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), o parecer da PGR é “uma mera opinião jurídica” formada com base nos elementos e nos pressupostos que lhe foram fornecidos por uma das partes do conflito, o Governo, e sem contraditório. 

Quanto à doutrina exposta no parecer, o mais bondoso que se poder dizer é que a mesma confunde manifestamente o financiamento dos sindicatos com o financiamento ou a ajuda solidária a cidadãos, designadamente em trabalhadores em luta relativamente aos quais não existe nenhuma espécie desses condicionamentos legais”, vincou.

 

Em segundo lugar, que ainda é mais espantoso, o parecer adota uma posição completamente indigna de um Estado de Direito”, que é o de afirmar, como “o Governo insinuou, mas não demonstrou e não corresponde à verdade”, que podem “existir donativos que integrem práticas ilícitas, como o branqueamento de capitais e a concorrência desleal - só faltou aqui o terrorismo - e então a greve é ilícita”, sublinhou.

Para Garcia Pereira, “é absolutamente inacreditável que um grupo de juristas” do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República “se atreva a dizer uma coisa destas”.

Isto é absolutamente inaceitável num Estado de Direito Democrático e se esta doutrina fosse aplicada nos tribunais criminais, 90% do país estava preso e, portanto, o Governo pensa ter aqui descoberto, digamos, a pólvora sem fumo para intimidar os enfermeiros, mas fê-lo de uma forma completamente ilegal”, frisou.

No seu entender, o parecer “não tem ponta por onde se lhe pegue do ponto de vista da argumentação jurídica e muito menos quando é assente em meras suspeições”, que “os dados que se vão conhecendo desmentem por completo”.

Portanto, “esta teoria de que pode eventualmente ter acontecido e então é ilícito, é uma verdadeira anedota da argumentação e totalmente ilegítima”.

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, afirma que vê com estranheza que “haja uma greve com serviços mínimos decretados pelo tribunal arbitral e que vem a ser considerada ilícita”.

Há muito ruído à volta do protesto dos enfermeiros e uma coisa sabemos, e é o mais importante, é que o que os enfermeiros pedem é legítimo”, declarou Ana Rita Cavaco.

Lembra ainda que seria importante divulgar o resultado da investigação ao fundo que recolheu donativos para ajudar os grevistas.

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