Pelo menos 39 vítimas de incêndios enquanto se aqueciam do frio - TVI

Pelo menos 39 vítimas de incêndios enquanto se aqueciam do frio

Dados apurados pelo INEM e pela Associação de Bombeiros Profissionais são um convite à reflexão sobre os cuidados a ter na utilização de equipamentos de aquecimento. É importante que saiba quais são os riscos, para que os possa evitar e, assim, poupar a sua saúde e até salvar a sua vida

Nos dias mais frios do ano, a preocupação com o aquecimento da casa adensa e Portugal registou em 2017 pelo menos 39 vítimas de incêndios urbanos relacionados com a utilização de equipamentos de aquecimento. Em concreto: quatro mortos, 11 feridos graves e 24 ligeiros, de acordo com os dados que o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) conseguiu apurar e disponibilizou à TVI24.  

Numa visão mais detalhada dos números obtidos a partir dos registos das emergências comunicadas ao INEM, e em que o operador especificou a causa, das 39 vítimas, 21 diziam respeito a incêndios com lareiras, 15 com salamandras e três com aquecedores.

Já a Associação Nacional de Bombeiros Profissionais (ANBP) conseguiu até ao momento apurar que houve pelo menos 10 mortos em acidentes com lareiras o ano passado. “O maior número de vítimas é seguramente no norte do país e muitas são idosos”, refere à TVI24 uma fonte da ANBP.

Fonte: INEM/Vítimas de incêndios urbanos relacionados com a utilização de equipamentos de aquecimento (em que o operador identificou a causa)

Informação da ocorrência Nº de ocorrências Feridos Leves Feridos Graves Mortos Total
Incêndio no aquecedor 3 2 1   3
Incêndio na lareira 21 10 7 4 21
Incêndio na salamandra 15 12 3   15
Total 39 24 11 4 39

O Instituto Nacional de Estatística (INE) não tem informação disponível para 2017, mas dispõe de números provisórios relativos aos anos anteriores. Os dados compilados pelo INE apontam para 154 mortos em 15 anos em incêndios em edifícios e com aquecedores, radiadores e tubagem de aquecimento em casas de habitação e outros locais como escolas, instituições da administração pública, áreas industriais, de comércio, de serviços e espaços para a prática de atletismo e outros desportos. São dados facultados à TVI24, que apontam para uma média de 10 mortos por ano entre 2002 e 2016.

Fonte: INE/Óbitos por incêndios e com aquecedores, radiadores e tubagem de aquecimento (Dados provisórios)

 

Exposição a fogo controlado

em edifício ou outro tipo de construção

Contacto com aquecedores,

radiadores e tubagem

2002 12 0
2003 20 1
2004 20 0
2005 9 0
2006 2 0
2007 7 0
2008 8 0
2009 7 0
2010 7 0
2011 7 0
2012 5 0
2013 8 0
2014 15 0
2015 13 1
2016 12 0
Total 152 2

O INE também tem registo de nove mortos em 2016 por intoxicação acidental devido a exposição a gases e vapores por efeito tóxico de monóxido de carbono.

Atenção ao “assassino” silencioso

Além do risco de incêndio, um outro apresentado por lareiras e outros equipamentos de aquecimento tem a ver com a inalação de monóxido de carbono. É um problema grave e não deve ser ignorado, já que se trata de um “assassino” silencioso e invisível.

O monóxido de carbono é um gás muito tóxico, mas invisível, sem cheiro, sem paladar e sem cor, que é gerado quando os combustíveis fósseis (como gasolina, madeira, carvão, gás propano, óleo e metano) não ardem completamente. O monóxido de carbono mistura-se facilmente no ar ambiente de uma habitação, sem que as possíveis vítimas tenham consciência de estar expostas a uma atmosfera suscetível de provocar intoxicações e mesmo a morte.

Lareiras e outros equipamentos utilizados por muitos no dia-a-dia para espantar o frio no inverno, como salamandras, aquecedores, recuperadores de calor ou caldeiras, funcionam com base em combustíveis sólidos (lenhas, carvão), líquidos (petróleo, gasóleo) ou gasosos (gás natural, propano, butano ou GPL), cuja queima pode ser fonte de monóxido de carbono. Tal como as lareiras, estes aparelhos também aumentam os riscos de incêndio, além de outros acidentes domésticos, como queimaduras.

O caso conhecido mais recente é o de Vila Nova da Rainha, em Tondela, em que uma ignição na salamandra instalada no piso superior de uma associação recreativa, onde decorria um torneio de sueca, atingiu o teto do primeiro andar. A propagação das chamas foi muito rápida, gerou muito fumo e uma grande concentração de monóxido de carbono. Resultado: 11 mortos e dezenas de feridos.

De acordo com Fernando Curto, presidente da Associação de Bombeiros Profissionais, um dos motivos da tragédia em Tondela foi precisamente a fuga da salamandra que estava (e não deveria estar) em contacto com o material inflamável de um teto falso.

Causa semelhante terá tido um incêndio provocado pelo respirador do recuperador de calor numa habitação em Avelãs de Cima, no concelho de Anadia. O incidente não provocou vítimas, mas teve “consequências dramáticas”, conforme conta, na primeira pessoa, à TVI24, Fernando Guerreiro, uma das pessoas que sofreu as consequências da destruição que o fogo causou.

“Serviu de lição. Estou muito mais atento e cuidadoso”

Fernando Guerreiro tem 60 anos. Há cerca de um ano, vivia com a mulher, a filha e a sogra de 96 anos, no rés-do-chão de uma casa alugada em Avelãs de Cima, no concelho de Anadia. Houve um incêndio provocado pelo recuperador de calor da casa do vizinho de cima, também alugada.

“Cerca da 01:00 ou 02:00, acordei sobressaltado com o vizinho de cima, em pânico, a bater-me à porta a pedir ajuda, porque tinha o teto a arder”, começa por contar.

As causas do incêndio nunca foram apuradas ao pormenor, mas uma coisa é certa: o fogo estava relacionado com o equipamento de aquecimento da habitação.

Sabe-se que teve origem no recuperador de calor, mais propriamente no tubo de respiração do recuperador, mas não se sabe se foi sobreaquecimento, se o contacto com algum papel ou se o contacto com algum cabo elétrico."

Na sequência do incidente, a família ficou desalojada. “As consequências foram dramáticas. Ninguém se magoou, mas, no combate ao incêndio, a água projetada pelos bombeiros fez desabar os tetos falsos da minha casa por completo. Tivemos de ser realojados numa casa cedida pela junta de freguesia, que era fria e desadequada à minha sogra, que tinha 96 anos", realça.

A família acabou por regressar à casa umas semanas depois e ainda lá vive. A experiência deixou marcas que não se apagam, mas dela também resultou uma maior consciência de que é preciso apostar na segurança e na prevenção.

Além dos prejuízos materiais, para nós, foi a parte psicológica que mais nos afetou. Claro que serviu de lição. Estou muito mais atento e cuidadoso. Mas estas instalações são feitas, na maioria das vezes, por amadores, que não estão na posse de todas as condições de segurança, nem de toda a informação. Trata-se de uma casa com uns 200 anos, com um teto trabalhado e isso desapareceu tudo”, remata.

O perigo dos aparelhos com resistências elétricas ou com botijas

Para Fernando Curto, presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais, a falta de revisão e o conhecimento prévio sobre a instalação e o manuseamento dos equipamentos de aquecimento é o principal motivo de problemas

A maior parte das mortes acontece por inalação de fumos ou por intoxicação por monóxido de carbono. As causas são a falta de oxigénio e o descuido na instalação de equipamentos”, explica o responsável à TVI24.

Uma questão que se impõe é saber quais são os aparelhos que oferecem maior perigo. O presidente da ANBP esclarece que há dois tipos de equipamentos de aquecimento: a óleo (não consomem oxigénio) e com botijas (consomem oxigénio).

“Os mais seguros são os aparelhos a óleo (ou a água quente, como caldeiras no exterior com serpentinas para distribuir o aquecimento pela casa), porque não consomem oxigénio e com termóstato, que quando atingem determinada temperatura, desligam e voltam a ligar algum tempo depois”, esclarece.

Aquecedor a óleo (Foto: Pixabay)

E os que convém nunca instalar?

“Os mais perigosos são aparelhos com resistências elétricas ligados à corrente ou com botijas de gás. Estes dois tipos de aparelhos consomem oxigénio e aumentam o risco de intoxicação por monóxido carbono”, avisa.

 

Aquecedor com botija de gás e aquecedor elétrico (Fotos: Pixabay)

Proteja-se do frio, mas evite os acidentes

O presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais alerta que é preciso ter cuidados especiais para manter a casa aquecida com segurança e aponta dois aspetos essenciais.

Em primeiro lugar, explica Fernando Curto, as salamandras e as lareiras, se forem instaladas por um técnico, não oferecem qualquer perigo: a fuga tem de estar sempre orientada para o exterior, para uma chaminé, que, por sua vez, tem de estar convenientemente protegida/isolada para que não esteja em contacto com matéria combustível, como tetos falsos, por exemplo.

O que acontece muitas vezes no interior do país é que as pessoas adaptam equipamentos de aquecimento à sala, à cozinha, à casa de banho, ao quarto, em habitações em que a instalação não foi preparada de raiz. A instalação de salamandras e lareiras não é feita por técnicos e as pessoas não chamam depois os bombeiros ou os técnicos da proteção civil para garantir que a instalação está conforme.”

O segundo aspeto a ter em conta é que os espaços devem estar sempre ventilados: abrir, de vez em quando, uma porta ou uma janela para que haja ventilação. Os equipamentos consomem oxigénio e, sem se aperceberem, as pessoas correm o risco de morrer intoxicadas pelo monóxido de carbono, que penetra no organismo através da respiração e entra com facilidade nos pulmões e no sangue.

A intoxicação aguda provoca vertigens, fraqueza muscular, distúrbios visuais, taquicardia, perturbações de comportamento, desmaios e, no limite, o coma e mesmo a morte. Acontece este tipo de intoxicação afetar vários membros da mesma família numa habitação, ou mesmo todo um grupo de pessoas presentes na mesma sala de reunião ou de festas, pois as vítimas não chegam a aperceber-se do risco em que incorrem”, alerta Fernando Curto.

Cuidados a ter em associações e clubes recreativos

No caso concreto dos locais onde as pessoas se reúnem, o presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais sublinha à TVI24 que é fundamental haver saídas de emergência e também portas de abrir para a rua (em vez de “para dentro”, como aconteceu na Associação Recreativa de Vila Nova da Rainha).

Se o espaço tiver mais do que um piso, as escadas têm de ser normalizadas conforme o espaço e têm de estar na direção das portas da rua e de emergência.

“Às vezes, as construções são antigas e a fiscalização não acontece, também porque as pessoas não a pedem”, critica Fernando Curto.

O presidente da ANBP faz uma sugestão para aumentar a cultura de segurança: “A Proteção Civil Municipal e os bombeiros deveriam exercer um papel pedagógico junto das populações: difundir as normas de segurança, ou com ações diretas junto das pessoas, como por exemplo reunir a população numa igreja, numa associação, etc. para falar do assunto, ou então com folhetos.”

Saber proceder em caso de incêndio

O presidente da ANBP deixa uma recomendação muito clara: sair imediatamente da habitação, rente ao chão, sem se preocupar em desligar aparelhos, nem com o que está a arder.

A primeira coisa a fazer é sair para a rua. O segundo passo é chamar os bombeiros”.

Fernando Curto recomenda que, além do 112, é importante ter sempre à mão o número de telefone dos bombeiros do município e deixa um outro aviso muito importante: nunca abrir as janelas.

A renovação rápida do oxigénio faz com que o incêndio se propague mais rapidamente, alimenta a combustão. Seria o mesmo que soprar numa lareira”, conclui.

A Direcção-Geral da Saúde (DGS) também recomenda cuidados com os equipamentos de aquecimento dentro das habitações para evitar acidentes. Para mais esclarecimentos, pode consultar aqui as recomendações.

Além do aquecimento, mantenha a casa bem isolada

O isolamento da habitação é extremamente importante para a conseguir manter quente durante o inverno. Muitos portugueses esquecem-se que para aquecer a casa é primeiro preciso isolar as paredes. Sem isso não há milagres. Não adianta investir em aquecer a casa se o calor foge logo para a rua.

António Moret Rodrigues e Maria da Glória Gomes, professores do Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos, do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, explicam à TVI24 que os proprietários das frações poderão sempre, a nível individual, proceder à melhoria das condições de conforto da sua habitação, mesmo quando o edifício em que habitam não cumpre os melhores requisitos de qualidade térmica.

"Como complemento à utilização de equipamentos de climatização mais eficientes, [os proprietários] poderão investir no reforço do isolamento térmico das partes opacas dos elementos em contacto com o exterior (paredes exteriores, coberturas exteriores, pavimentos exteriores) e também na melhoria do desempenho térmico dos vãos envidraçados”, sugerem.

No que diz respeito ao isolamento das paredes, os especialistas recomendam materiais isolantes que se colocam sobre a parede da casa e que servem de “manta” que aquece e protege a habitação. Uma segunda pele.

Em caso de impossibilidade de atuar pelo exterior (situação corrente dos edifícios multifamiliares), o sistema de isolamento deverá ser aplicado pelo interior, com sacrifício de alguma área útil (utilizando placas de gesso cartonado com material isolante, por exemplo)”.

Se tiver possibilidades financeiras, de momento, não hesite em mudar as suas janelas e caixilharias. Além disso, todas as casas deveriam ter vidros duplos com uma caixa-de-ar com um mínimo de 16 mm de espessura.

As caixilharias existentes poderão ser substituídas por outras de melhor qualidade (a nível de isolamento térmico e de estanquidade ao ar), com o cuidado de manter o padrão original (para não alterar a arquitetura do edifício), e incorporar sistemas de envidraçados com caixa-de-ar (no caso geral, vidros duplos) de forma a oferecerem uma maior resistência à passagem do calor”, referem António Moret Rodrigues e Maria da Glória Gomes.

 

Outro aspeto importante é vedar os espaços que deixam o ar frio entrar. O exemplo mais comum é o vão sob as portas, mas também pode descobrir que algumas janelas deixam entrar uma corrente. O que gasta para aquecer a casa acaba por fugir pelas frinchas das portas e das janelas. Com pouco dinheiro consegue calafetar todas as aberturas e, assim, impedir que o calor saia.

Também as entradas de ar exterior indesejadas ou infiltrações (não confundir com a ventilação prevista necessária à manutenção da qualidade do ar interior) devem ser eliminadas através da calafetação das frinchas (portas) e das juntas mal vedadas (caixilharias de janelas) ”, sublinham os especialistas.

Pensar no isolamento térmico aquando da construção

É logo no projeto da sua habitação que deve preocupar-se com o isolamento térmico, de modo a garantir o conforto e o consequente bem-estar. 

Em Portugal, uma grande parte da construção é ainda deficiente em termos de isolamento térmico, o que faz com que uma porção significativa da energia gasta nas casas com a climatização dos espaços se perca.

O primeiro instrumento legal que impôs requisitos de qualidade térmica aos edifícios data do início dos anos 90 (Decreto-Lei n.º 40/90, de 6 de Fevereiro). Isto significa que todos os edifícios construídos até essa data não tinham obrigação legal de incorporarem isolamento térmico na sua envolvente, bem como outras medidas visando a satisfação das exigências de conforto térmico com economia de energia.

Existe assim uma grande porção do parque edificado que se encontra desatualizado, do ponto de vista regulamentar, com consequências negativas ao nível das condições de conforto térmico e das necessidades de energia para alcançar as condições de conforto mínimas convencionadas”, referem António Moret Rodrigues e Maria da Glória Gomes.

Ainda assim, sublinham os professores do Departamento de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico, “como resultado das sucessivas revisões regulamentares [a última das quais em 2015, com a Portaria n.º 379-A/2015], tem-se assistido a um progressivo aumento das espessuras de isolamento térmico na envolvente dos edifícios, atingindo hoje valores que há alguns anos atrás dificilmente seriam previsíveis”.

Isolamento térmico: poliuretano rígido

Sobre o tipo de matéria-prima a ter em conta aquando da construção ou obras de renovação, os especialistas sublinham que “para que um material possa ser considerado de isolamento térmico deve apresentar uma condutibilidade térmica muito baixa. Como ordem de grandeza, um material de isolamento térmico corrente chega a ter uma condutibilidade térmica 60 vezes menor que a do betão”.

Se, por exemplo, está a pensar construir uma moradia e não pretende que, à boa moda da construção portuguesa do século passado, ela seja mais fresca do que devia no inverno, aposte em materiais isolantes. Há vários à escolha e o investimento pode ser grande, mas os resultados compensam.

“Os materiais de isolamento térmico são muito variados – poliestireno expandido, poliestireno extrudido, lã de rocha, lã mineral, poliuretano - e, em muitos casos, não podem ser desligados do sistema ou do contexto em que são aplicados. Um sistema de cobertura invertida (o isolamento térmico fica exposto à água da chuva), por exemplo, exige a utilização de materiais resistentes à água (como o poliestireno extrudido)”, rematam os especialistas.

Isolamento térmico ecológico: lã mineral

 

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