Avião que aterrou de emergência em Beja descolou com comandos invertidos - TVI

Avião que aterrou de emergência em Beja descolou com comandos invertidos

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  • 24 jun 2020, 18:56

Investigação ao avião da Air Astana concluiu que houve falhas e omissões na supervisão da Autoridade Nacional da Aviação Civil

O avião da Air Astana, que em 2018 aterrou de emergência em Beja, descolou da OGMA, com os cabos de comandos dos 'ailerons', direito e esquerdo, invertidos, concluiu a investigação, que detetou falhas e fragilidades na manutenção da empresa.

O Embraer 190-100, com registo de Aruba e operado pela Air Astana descolou às 13:31 de 11 de novembro de 2018 da base militar de Alverca do Ribatejo, depois de realizar trabalhos de manutenção programada nas instalações da OGMA - Indústria Aeronáutica de Portugal, SA, e aterrou de emergência em Beja, pelas 15:28.

O avião, com um piloto, dois copilotos e três técnicos da companhia aérea do Cazaquistão, sobrevoou a região a norte de Lisboa e o Alentejo, numa trajetória irregular e “fora de controlo por alguns instantes, em vários momentos”, antes de ter sido tomada a decisão de aterrar em Beja.

Atendendo “à criticidade da situação, a tripulação solicitou por várias vezes indicação de rumo para amarar o avião no mar”, mas não conseguiu manter os rumos desejados.

Contribuíram para o evento lacunas então existentes do sistema de garantia da qualidade do prestador de serviços de manutenção [OGMA] e falha na implementação de uma supervisão interna e externa eficaz das atividades de manutenção, potenciadas pelo projeto da aeronave e respetivas instruções de manutenção, no que respeita à configuração do sistema de comando dos ‘ailerons’”,frisa o GPIAAF.

Segundo os investigadores, contribuiu também para o acidente o “deficiente funcionamento do sistema de garantia da qualidade” da OGMA e “falha na implementação de uma supervisão eficaz na produção, incluindo, entre outros, os procedimentos de inspeção independente por forma a detetar falhas ou desvios de manutenção”.

A “falta de gestão adequada do risco, a falta de equipas de manutenção devidamente geridas e organizadas por competências e especialidades, com treino e experiência necessários”, e “fragilidades na componente do projeto da aeronave referente à configuração do sistema de comando dos ‘ailerons’, que permitiram a instalação invertida dos cabos”, são outros dos fatores contributivos elencados pela investigação.

Apesar dos técnicos envolvidos diretamente no evento estarem devidamente certificados e autorizados, foram identificadas pela investigação várias lacunas na formação, conhecimentos técnicos e processuais de alguns elementos da equipa, incluindo gestão, planeamento, preparação, distribuição e controlo do trabalho com relação direta no evento de manutenção”, lê-se no relatório, com 159 páginas.

Falhas na supervisão da ANAC

A investigação ao avião da Air Astana concluiu terem havido falhas e omissões na supervisão da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) à Indústria Aeronáutica de Portugal, S. A. (OGMA), mas o regulador refuta as acusações e diz que tem cumprido a missão de fiscalizar.

O relatório final do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) ao Embraer 190-100, que descolou da OGMA com os cabos de comandos dos 'ailerons' invertidos, e ao qual a agência Lusa teve hoje acesso, revela que, à data do acidente [novembro de 2018], existiam falhas e fragilidades nos processos de manutenção executada pela empresa, sublinhando o GPIAAF que é “obrigação” da ANAC supervisionar regularmente a OGMA.

Este organismo público considerou “não ser eficaz” a emissão de recomendações de segurança ao supervisor “sobre as questões de segurança operacional identificadas na investigação, relacionadas com o processo de supervisão desta autoridade”, sugerida pela EASA [regulador europeu da aviação civil], uma vez que, segundo o GPIAAF, “é uma obrigação própria da ANAC a monitorização/supervisão dos processos relacionados com as lacunas identificadas no relatório, relativas ao prestador de serviços de manutenção [OGMA]”.

Contudo, perante as evidências e conclusões patentes neste relatório, a Autoridade [ANAC], no exercício das suas competências e responsabilidades, necessariamente que deverá dedicar uma especial atenção à monitorização e supervisão da organização de manutenção OGMA, S.A., nomeadamente e entre outros aspetos, quanto ao seu Sistema de Garantia da Qualidade interno e gestão do risco sobre as atividades de manutenção de aeronaves, cujas lacunas foram identificadas na investigação”, defendem os investigadores.

A “supervisão deficiente” da OGMA “pelas autoridades de supervisão [ANAC], nomeadamente nos procedimentos internos de supervisão de manutenção e comunicação de ocorrências”, é elencado como sendo um dos fatores “contributivos” para que a aeronave, após descolar de Alverca do Ribatejo, sobrevoasse a região a norte de Lisboa e o Alentejo, numa trajetória irregular e “fora de controlo por alguns instantes, em vários momentos”, antes de aterrar de emergência em Beja, em 11 de novembro de 2018.

O GPIAAF pede “especial atenção” à ANAC na monitorização do sistema de qualidade da OGMA, na realização de inspeções independentes e no seguimento das tarefas executadas pelos técnicos de manutenção, por forma a avaliar a execução da tarefa de acordo com os manuais do fabricante e o correto preenchimento das cartas de trabalho.

Avaliação de competências dos técnicos que executam a manutenção e o pessoal de suporte e de certificação; verificação do conhecimento dos técnicos relativo aos procedimentos internos da organização; procedimento e eficácia do sistema de reporte de ocorrências; processo de supervisão e gestão do pessoal da manutenção; reavaliação das competências do pessoal de gestão e nomeado; controlo da gestão da mudança (nomeadamente rotatividade do pessoal técnico e de gestão); controlo de equipas de manutenção externas à AMO [OGMA]”, são outros aspetos e áreas a que a ANAC deve “dedicar uma especial atenção”, no entender da investigação.

Na parte dos comentários ao relatório, a ANAC respondeu que o “ciclo de supervisão à OGMA, S.A, quer em 2018 quer em 2019, em muito excedeu as exigências constantes” do regulamento europeu, concluindo que “cumpriu com a missão” de regular e fiscalizar o setor da aviação civil e supervisionar e regulamentar as atividades desenvolvidas neste setor.

A ANAC diz que em 2018, ano do acidente, “realizou três ações de supervisão à OGMA, S.A. incluindo uma auditoria não anunciada” logo após o acidente, nas quais “foram levantadas 22 não-conformidades”.

Tendo como base o histórico e o risco operacional resultantes do desempenho da OGMA, S.A. em 2018, a ANAC reforçou a sua atividade de supervisão, tendo em 2019 realizado quatro auditorias parcelares e uma não anunciada […], durante as quais foram suscitadas 29 não-conformidades [...]”, lê-se na resposta do supervisor.

A ANAC afirma que “quaisquer eventuais deficiências verificadas durante as tarefas de manutenção na aeronave acidentada não podem ser imputadas à ANAC, mas sim à autoridade de registo da mesma”, neste caso Aruba, país de registo da aeronave e não europeu.

No seu relatório, o GPIAAF também refere que “a Autoridade de Aruba (DCA), dentro das suas responsabilidades e respetivo referencial de certificação, deverá supervisionar o prestador de serviços sobre as lacunas identificadas nesse domínio”.

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