Morreu Saramago: «A história acabou, não haverá nada mais que contar» - TVI

Morreu Saramago: «A história acabou, não haverá nada mais que contar»

Partiu o homem, ficou o escritor. Na Azinhaga, terra-Natal de José, perante alguma indiferença dos locais, sentia-se a emoção da despedida. A pequena localidade do Ribatejo nunca mais será a mesma

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«A história acabou, não haverá nada mais que contar». A frase de José Saramago termina a sua derradeira obra, «Caim». Tal como noutros momentos da sua vida, o escritor teve sempre frases de despedida e esta terá sido apenas mais uma. Na Azinhaga do Ribatejo, terra onde nasceu em 1922, sentia-se esta sexta-feira o silêncio da morte e o respeito pelo seu filho mais ilustre.

Bandeiras a meia haste, flores colocadas no livro aberto da estátua de bronze que surge sentada num dos bancos do Largo da Praça, por baixo de um plátano e ao som das andorinhas que por ali passam. Pedro Barroso, amigo e cantor, musicava um dos raros poemas do escritor mundialmente conhecido pela sua prosa.

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Perante alguma indiferença de quem observava o momento mágico do outro lado da praça, numa qualquer esplanada entre cervejas e recordações da lavoura, Barroso cantava e emocionava-se, recuando trinta anos no tempo, quando Saramago «ainda não era o Saramago». VEJA AQUI O VÍDEO

«Ao princípio é nada. Um sopro apenas,

um arrepio de escamas, um perpassar de sombra

como de nuvem marinha que se esgarça

nos radiais tentáculos da medusa»


A primeira estrofe de «Afrodite» tem como inspiração a obra de Saramago e foi musicada por Pedro Barroso em 1978, no LP «Água mole em Pedra Dura». Tantos anos depois, surgiu o momento de homenagear o amigo, no Largo principal da sua terra, no dia da sua morte, mesmo ao lado do pólo da Fundação José Saramago, uma casa-museu que se tornará cada vez mais relevante.

Perante a estátua de bronze, «gigantesca» como apelidou o próprio escritor há dois anos, quando foi até à Azinhaga inaugurá-la, vão surgindo memórias e relatos. Para além do presidente da Junta de Freguesia, Victor Guia, também a amiga de infância Otelinda Nunes partilhava a dor da partida.

«Não estava à espera. Ainda hoje estive com o número de telefone para lhe ligar mas disse "telefono mais logo" e agora soube desta notícia assim», contou a octogenária à agência Lusa. «Tenho muita pena, era amiga dele e tenho muita pena que isto acontecesse, não esperava por isto agora ainda. Estava à espera que ele fizesse os anos [em Novembro], mas a vida é assim. Quando cá esteve, em Maio, estava muito magrinho, muito débil, foi grande a doença que ele teve», vincou.

À esquina de Saramago com Pilar

Saramago é filho da terra, mas daqui saiu há muito tempo. Por aqui ficou pouco tempo e aqui foi voltando ocasionalmente. Foi recebendo homenagens dispersas. Viu ser-lhe atribuído um nome de rua muito antes de receber o Nobel. Uma rua pequena, com apenas 24 casas pintadas de branco e portas de várias cores. Essa curta artéria da Azinhaga faz agora esquina com uma bem maior: a rua Pilar del Rio, inaugurada recentemente.

O pilar branco, com azulejos brancos pintados com tons de azul, amarelo e verde, pode-se ler: «A Pilar, que ainda não havia nascido e tardou a chegar». Uma citação do livro «As Pequenas Memórias», de Saramago. Foi nesta esquina que o casal se beijou e desejou que muitos outros casais enamorados se beijassem. Esta sexta-feira, no outro lado da rua Pilar del Rio, alguns habitantes locais estavam mais preocupados com o futebol, saboreando a cerveja e olhando para o ecrã gigante.

Por muito que não pareça, até por uma certa indiferença demonstrada por alguns dos que aqui vivem, Azinhaga será sempre a terra-Natal de um escritor imortal. Será visitada por muitos e muitos anos só porque ali nasceu José. Só porque ali existe, um pouco mais à frente uma biblioteca com o seu nome, dedicada aos jovens, que vivem longe de tudo, mas que podem sonhar com o mundo. Pelo menos esse foi o desejo de Saramago.
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