Porto: há quem tenha medo de viver no Cerco - TVI

Porto: há quem tenha medo de viver no Cerco

  • Portugal Diário
  • Paula Martinho da Agência Lusa
  • 8 mar 2008, 18:10
O Bairro do Cerco é um dos bairros mais degradados do Porto (foto JOAO ABREU MIRANDA / LUSA)

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A exclusão, a desqualificação profissional e a degradação social à custa do fenómeno da droga incluem o «Cerco do Porto» no lote dos bairros problemáticos da cidade do Porto.

Este bairro é com frequência notícia, mas raramente pelas melhores razões.

Está associado ao tráfico e consumo de droga e a outro tipo de crimes que geram sentimentos de medo, até naqueles que ali nasceram.

Maria de Fátima é disso um exemplo. Nasceu aqui e nunca, como agora, sentiu tanto medo, até de falar. Recorda tempos em que passeava pelo bairro à noite sem receio.

Actualmente, com esta «coisa da droga» e apesar de ali ter nascido, já muitas vezes sentiu vontade de "fugir" para um ambiente "mais saudável".

«Tomara eu sair daqui. Desde que aqui meteram gente daquele maldito bairro do 'Tarrafal [S. João de Deus], as coisas pioraram muito», confessou à Lusa.

Ao contrário do que acontece noutros bairros da cidade, o corrupio de compradores de droga não é constante ao longo do dia mas, em coro, os clientes que se concentram junto ao mercado local garantem que «à noite, o filme é outro».

«Mas não pense que são só os ciganos que vendem droga», alerta uma mulher, logo seguida por uma jovem, de 20 e poucos anos, que, de auricular no ouvido, interrompe a conversa telefónica, para chamar a atenção para a «bichinha» que se faz junto a alguns blocos.

Uma outra mulher, que tal como a maioria dos entrevistados recusa identificar-se, acusa os responsáveis autárquicos de terem «escolhido a dedo» as pessoas do bairro de S. João de Deus que foram morar para o «Cerco».

«Ando consumida. A gente nem consegue dormir», lamenta-se. «Há uns dias» esta mulher chamou a atenção de um rapaz que se divertia a destruir as «travessas de madeira» de um edifício.

«À noite veio a família toda para a minha porta ameaçar-me», queixou-se, acrescentando: «Está a ver porque não posso dizer o meu nome?».

Com 62 anos, Fernando, também aponta a chegada dos moradores do «Tarrafal» como «responsáveis» pela degradação do ambiente.

«Isto até era sossegado, passeávamos à noite pelo bairro sem qualquer problema. Agora, quando fica escuro, não me atrevo a sair de casa. Há muitos assaltos», disse.

No interior da sede do FC do Cerco, local de encontro de reformados, desempregados e desocupados, há quem se esforce por chamar a atenção para as «coisas boas» que também existem por ali.

«Isto não é só droga. Também temos artistas», disse um dos frequentadores, referindo-se a um homem de 76 anos que ocupa os dias a construir miniaturas em madeira dos edifícios históricos e outros monumentos do Porto.

No interior de uma habitação exígua, com um quarto onde jaz a mulher, acamada há vários anos, António Fernando «orgulha-se» das suas 152 obras que lhe vão preenchendo os dias e as paredes da casa.

«Uso os caixotes de madeira que vão para o lixo para fazer as minhas miniaturas», disse, apontando para cópias da Ponte da Arrábida, da Antiga Cadeia da Relação e do Palácio da Bolsa, entre muitos outros.

António Fernando já teve as suas obras de arte expostas no auditório da Junta de freguesia, exposição organizada pela Junta de Freguesia em articulação com o projecto «Pular a Cerca», do Programa «Escolhas».

Segundo a coordenadora do «Pular a Cerca», Márcia Andrade, apesar do projecto privilegiar as crianças e jovens, dos seis aos 24 anos, também pretende envolver familiares e outros membros da comunidade.

«São pessoas simples e com espírito de entreajuda», garante a responsável, visivelmente entusiasmada com o resultado das iniciativas já realizadas e outras em curso.

Reconhece que há focos de tráfico de droga, mas, ao contrário dos moradores, considera que o ambiente «até tem melhorado».

O «Pular a Cerca» pretende transmitir à cidade a mensagem de que no bairro do Cerco «também vive gente fantástica».
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