«Honoris Causa» de Adriano Moreira é um «insulto» - TVI

«Honoris Causa» de Adriano Moreira é um «insulto»

Adriano Moreira

Críticas a distinção da Universidade do Mindelo partem de Associação Cabo-Verdiana de Ex-Presos Políticos

A Associação Cabo-Verdiana de Ex-Presos Políticos (ACEP) considerou hoje um «insulto» o doutoramento «Honoris Causa» que a Universidade do Mindelo (UM) outorga sábado a Adriano Moreira, sustentando com o «passado repressivo» do antigo ministro do Ultramar português.

«É um insulto porque foi ministro do Ultramar e foi sob a sua liderança que o campo de concentração do Tarrafal foi reaberto (Junho de 1961). Também foi nesse período em que a PIDE foi trazida para Cabo Verde», disse à Lusa o presidente da ACEP, Pedro Martins, ele próprio preso político de então (1970/74).

Pedro Martins refutou a ideia de que, 37 anos depois, as feridas ainda não tenham sarado, alegando tratar-se de uma «questão de memória e de coerência» para com uma sociedade, a cabo-verdiana, que as tem e que não se despersonalizou.

«O problema é a coerência. [Adriano Moreira] foi um dos chefes máximos do sistema, sobretudo em relação às antigas colónias portuguesas, que levou muita gente para a prisão, para a tortura. Foi sob a sua égide que a PIDE foi aqui instalada. É História e é memória que todos os povos têm direito a preservar», sustentou.

«Estupefacto»

O agora arquitecto, que publicou em 1995 o livro «Testemunhos de um Combatente», disse ter ficado «totalmente estupefacto» com a decisão da Universidade do Mindelo, anunciada a 22 de Novembro último, em que participarão outros ex-combatentes e ex-presos, bem como o primeiro-ministro José Maria Neves.

«Fiquei totalmente estupefacto, porque devemos pensar qual é a mensagem que vamos passar à juventude cabo-verdiana e também aos outros povos que lutaram pela independência em África e tiveram de sacrificar-se. O direito de memória de um povo é sagrado e deve ser respeitado», defendeu.

«Pessoalmente, nada tenho contra ele. Mas quando uma autoridade responsável por tantas atrocidades, parece-me incongruente e contra tudo aquilo que lutamos para por fim ao regime colonial fascista», acrescentou, insistindo na ideia de insulto.

«É um insulto à atitude dos povos que lutaram pela independência. Como vamos homenagear alguém que foi chefe e responsável por uma máquina que tanto mal fez contra os nacionalistas cabo-verdianos, contra o sentimento de independência também de Angola, Guiné e Moçambique", sustentou Pedro Martins.

O arquitecto defendeu ainda que foi sob as ordens de Adriano Moreira que «muitos professores e alunos» foram presos e postos em campos de concentração «sem julgamento e sem dia para sair em liberdade».

O reitor da UM já desvalorizou a polémica, alegando que não vai comentar as palavras de Pedro Martins, reiterando a distinção a Adriano Moreira «pelo mérito ao cume do prestígio científico, em diversos países, sobretudo nos de língua portuguesa».

Adriano Moreira, retirado das lides políticas desde 1995, nasceu em 1922 em Portugal, é jurista e professor universitário e foi figura destacada do Estado Novo no âmbito da política colonial. Foi ministro do Ultramar, fundou e dirigiu institutos de estudos africanos e presidiu à Sociedade de Geografia de Lisboa, entre outros cargos.

Depois do 25 de Abril de 1974, tornou-se uma das personalidades de referência do Centro Democrático Social e escreveu várias obras, entre as quais «O Novíssimo Príncipe», «Comunidades dos Países de Língua Portuguesa» e «Saneamento Nacional».
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