Uma testemunha da aterragem de emergência de uma aeronave na praia de São João, na Costa de Caparica, em Almada, que resultou na morte de um homem de 56 anos e de uma menina de oito, na quarta-feira, conta que olhou para o céu e viu um avião ligeiro a voar baixo. A trajetória não era a mais correta, já que estava muito perto do areal. Poucos segundos depois, a mulher percebeu que algo de muito errado estava acontecer.
[A aeronave] veio mesmo junto à areia, mas nem vinha a balançar, vinha direita. Entretanto comecei a vê-la baixar cada vez mais, a baixar cada vez mais. As pessoas tudo a gritar, tudo a fugir uns para cada lado e, de repente, vi a avioneta a bater no senhor. Deu-me a sensação que foi com as rodas, não consegui perceber muito bem, mas deu-me a sensação que foi com as rodas. E foi quando, em seguida, vi bater na menina com a asa. Foi quando a asa da avioneta partiu", afirmou à TVI.
Sobre os contornos do acidente, uma outra mulher, que também se encontrava no areal, disse à TVI que lhe pareceu que o avião não aproveitou a dimensão do espaço que tinha para aterrar.
Eu estava a vigiar o meu filho Tomás e o António, amigo dele, porque estavam na água. A avioneta tinha a asa partida e o que é que aconteceu? Ele tinha tido espaço, um grande espaço dentro do areal para ter evitado isso.”
Tomás, o filho, descreve o momento dramático da aterragem de emergência:
“Vi o avião a abanar no ar com as rodas já preparadas para aterrar e só vejo um adulto a tentar fugir, só que levou com a roda da frente, não sei se foi na cara, tal como a criança que passou estava a tentar fugir”.
Na praia de São João, poucos dos muitos que lá estavam se aperceberam da chegada da aeronave. O alerta foi dado pelas 16:50 para a torre do aeródromo de Tires. “Mayday” (emergência), declarou o instrutor, anunciando “falha do motor” e que iria “aterrar na praia”. As testemunhas referem que o aparelho surgiu baixo e silencioso, o que indicia um motor parado.
Não se ouvia barulho de motor, nem de hélice. Em princípio, a asa só parte mesmo quando já cai e não houve possibilidade ou tentativa nenhuma de amarar”, refere à TVI uma mulher.
As testemunhas garantem que os dois tripulantes saíram pelo próprio pé sem qualquer ferimento.
“Meteu-se muita gente de volta da avioneta. Abriram a porta, meteram o piloto com as pernas para fora. O senhor estava em choque: tremia muito, não falava”, conta a mulher referida no início deste texto.
A mesma testemunha conta que os meios de socorro chegaram rapidamente ao local.
A nível de Polícia Marítima, a nível de nadadores-salvadores vieram logo, nem cinco minutos [demoraram], se calhar. A nível de bombeiros, foi tudo tão rápido e o pânico foi tanto… deu-me a ideia que demoraram à volta de 10 minutos”.
Uma outra testemunha, a mãe do Tomás, realça que a “Autoridade Nacional Marítima seguiu de imediato com a criança [a menina de oito anos colhida mortalmente pela aeronave] para ver se conseguiam salvá-la. De imediato levaram a criança, tentaram reanimá-la, mas já não conseguiram”.
A praia estava cheíssima. A Autoridade Nacional Marítima não deixou filmar, trabalhou com excelência, isolou logo o espaço, pediu às pessoas que se desviassem”, acrescenta.
Os dois tripulantes do Cessna 152, que aterraram de emergência na praia cheia de banhistas e, com isso, provocaram a morte de duas pessoas, vão esta quinta-feira ser ouvidos no tribunal de Almada como arguidos. Instrutor e instruendo, que realizavam um voo de treino, arriscam responder por homicídio por negligência.
Os contornos do acidente estão a ser investigados, mas muitos fatores podem justificar a decisão tomada pelo piloto da aeronave. A altitude a que seguia e o conhecimento da técnica de amaragem são dois deles, assim como a idade e a experiência do piloto, explicou na quarta-feirra o ex-diretor do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA) Álvaro Neves.
A Procuradoria-Geral da República já confirmou a instauração de um inquérito para apurar as circunstâncias do acidente e vai decorrer, em simultâneo o processo de averiguação técnica, levado a cabo pelo Gabinete de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos.