O cancro de Conceição não era palpável, mas estava lá - TVI

O cancro de Conceição não era palpável, mas estava lá

Conceição Ribeiro

Conceição Ribeiro já venceu dois cancros de mama. Pelo meio, foi mãe e amamentou a filha. Perdeu ambas as mamas, o cabelo caiu e voltou a nascer sem a mesma força, perdeu grande parte da mobilidade num dos braços. Os últimos 14 anos têm sido de luta, mas sempre com um sorriso no rosto. O exemplo de Conceição é paradigmático: a deteção precoce foi fundamental e o autoexame não foi suficiente

Quem ouve a voz doce de Conceição a falar do cancro que lhe entrou pela vida adentro aos 24 anos, quem vê o seu sorriso tímido mas constante, não imagina a luta que esta mulher tem travado e a força com que a tem enfrentado. Já ultrapassou dois cancros, perdeu ambas as mamas, resistiu a quimioterapias, radioterapias, tratamentos hormonais, perdeu o cabelo que «nasceu, mas nunca mais foi o mesmo», ficou com a mobilidade reduzida num dos braços, mas não perdeu o sorriso.

 

«Estou viva para criar a minha filha e vê-la crescer!», atira, com um divertido sotaque que lhe denuncia as origens alentejanas.

 

O exemplo de Conceição é paradigmático e a prova de que o autoexame da mama não é suficiente para detetar o cancro. No regresso da doença, foi fulcral o rastreio periódico. Por isso, os oncologistas já não recomendam o autoexame da mama como forma de detetar o cancro, mas sublinham a importância de consultar periodicamente o médico.

 

Mas, neste dia da prevenção do cancro da mama,  comecemos pelo princípio da história de Conceição: há 14 anos, poucos meses depois desta jornalista de profissão ter feito uma reportagem sobre cancro na mama, onde viu uma «imagem impressionante» de uma mulher mastectomizada, detetou um caroço na mama esquerda. Não perdeu tempo: consultou um ginecologista e fez «todos os exames». «Foi na altura em que caiu a ponte Hintze Ribeiro. Lembro-me que estava na sala de espera para fazer a mamografia e ver aquelas imagens na televisão e pensar: “não há-de ser pior que aquilo”», conta ao tvi24.pt.

 

Ainda não tinha feito 25 anos. «Naquela altura, uma pessoa tão nova com cancro de mama não era comum. Agora, na Maternidade Alfredo da Costa, onde sou seguida, vejo muitas miúdas novas», lamenta.

 

Bisturi como «presente de aniversário»

 

Não disse nada ao namorado, nem à família. Estava sozinha quando recebeu o diagnóstico: «Era cancro, mas acho que não tinha bem a consciência do que isso significava. Mas comecei a ver as caras dos médicos, uma pior que a outra, e percebi que era grave».

 

No espaço de menos de um mês, estava a ser operada. «Foi uma espécie de presente de aniversário. Os médicos ainda me deixaram ir a casa festejar, mas fui operada nos dias seguintes aos meus anos», lembra.

 

Seguiu-se quimioterapia, radioterapia, cinco anos de terapia hormonal e um início de reconstrução mamária. «Cerca de um ano depois de ter terminado este período, engravidei. Foi muito importante, porque eu tinha muito medo de ficar infértil com os tratamentos e eu queria muito ser mãe. Era muito importante, um desejo muito forte», relata.

 

«Sabia que podia ter ficado infértil, mas nunca quis sofrer por antecipação. Talvez o meu desejo tão forte de ser mãe me fizesse encarar isso de uma maneira mais esperançosa», acrescenta.

 

Um milagre chamado Margarida

 

E nasceu Margarida, que a mãe fez questão de amamentar, mesmo só com uma mama. Margarida bebeu leite materno até aos 11 meses. Durante «alguns meses» em exclusividade e livre demanda. «Até o meu marido me dizia: “mas porquê? Porque estás para aí a sofrer dessa maneira?”. Mas era algo que sempre tinha idealizado e aquilo ligou-me tanto a ela», recorda, carregada de orgulho.

 

Conceição teve, na altura, apoio psicológico. A esta distância, percebe que os próprios médicos não sabiam lidar com um cancro de mama «numa mulher tão nova». «Eu estava no auge da minha sexualidade, da minha autoestima e isto, visto agora à distância, percebo que não foi muito trabalhado do ponto de vista psicoterapêutico», diz.

 

O regresso da luta

 

Há dois anos, o cancro voltou a entrar-lhe pela porta da frente, sem pedir licença e sem se anunciar. Num exame de rotina, que passou a fazer religiosamente com a frequência que os médicos recomendaram, uma ecografia detetou um nódulo na mama que conservava e que tinha amamentado a sua Margarida. «Não era papável, mas fiz todos os exames, incluindo uma biópsia, e lá estava ele. Desta vez, foi bem mais complicado de encarar: tinha a Margarida. A gente pensa sempre que pode não os ver crescer. Mas eu sabia que tinha sido detetado precocemente e que isso faz toda a diferença», relembra.

 

O exemplo de Conceição Ribeiro vai de encontro às recomendações do oncologista Vítor Veloso, da Liga Portuguesa Contra o Cancro. O especialista lembra que é fundamental a deteção precoce: «Em 95% dos casos, estes cancros detetados atempadamente são curados após tratamentos».

 

As recomendações europeias apontam para um rastreio com mamografia para todas as mulheres a partir dos 45 anos e até aos 69 anos, mas Vítor Veloso faz questão de alargar a faixa etária: «A idade é um fator de risco do cancro e, atualmente, a esperança de vida de uma mulher está muito alargada. Diria que é importante que as mulheres entre os 40 e os 75 anos façam uma mamografia de dois em dois anos».

 

Autoexame «não é suficiente»

 

O especialista reforça que o autoexame da mama já não é recomendado por não ser suficiente. «Os cancros numa fase inicial não são palpáveis. A mulher não consegue fazer uma palpação eficaz. Todas as mulheres devem ser rastreadas através de exames médicos periodicamente. Todas as mulheres, a partir dos 25 ou 30 anos, se não houver antecedentes familiares de cancro da mama na família, devem consultar o seu médico de família ou ginecologista pelo menos uma vez por ano», sublinha.

 

A confiança nos profissionais de saúde é fundamental. Conceição não tem dúvidas que isso contribuiu para a ajudar no combate. «Agora, estou neste período dos cinco anos, que eles dão para te considerar livre do “bicho”. Estou a viver estes cinco anos, como vivi há 14 anos: por etapas. Estou à espera de fazer a reconstrução mamária. Mesmo que não fique perfeita, isso é importante do ponto de vista emocional», admite.

 

Ainda assim, a jornalista garante que, mais do que «a falta das mamas», o que a afeta mesmo é o linfedema, que faz o seu braço inchar e perder a mobilidade. «Este braço, neste momento, mexe mais comigo do que ter tido cancro. Não é por uma questão estética. É por uma questão funcional! Limita-me muito a vida. Por isso também estou à espera para ser operada e tentar minimizar esta questão», revela.

 

Conceição concentra-se agora em si e na filha, a quem nunca mentiu sobre a doença: «adequo as respostas à idade dela. Ela tinha quatro anos, quando a mãe voltou a ficar doente». Até porque Margarida vai tornar-se numa mulher, uma mulher que precisa estar atenta. A experiência faz Conceição aconselhar as mulheres a «ouvir» o próprio corpo. «Ele dá-nos sinais!».

 

«O cancro da mama não pode ser encarado como algo fatal. Tem cura em cada vez mais casos. Podemos viver muitos anos! Não tenhamos medo de o enfrentar!», aconselha.

 

«Não é fácil todos os dias, mas eu sou Carneiro e teimosa. Sou otimista por natureza», remata.

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