"Se tiver uma paragem cardíaca num centro comercial, a probabilidade de sobreviver é mínima” - TVI

"Se tiver uma paragem cardíaca num centro comercial, a probabilidade de sobreviver é mínima”

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  • 22 set 2017, 09:34
Saúde

Perto de meio milhão de portugueses sofre de insuficiência cardíaca. Sociedade Portuguesa de Cardiologia lança alerta para perigos e assume que a insuficiência cardíaca como a pandemia do século XXI

Perto de meio milhão de portugueses sofre de insuficiência cardíaca, um problema que deve passar a ser uma prioridade nacional, defende a Sociedade Portuguesa de Cardiologia que alerta ainda para os perigos da falta de reanimação em lugares públicos. 

João Morais, cardiologista e presidente da Sociedade, considera que é necessário “mudar o paradigma” na área da cardiologia e tornar a insuficiência cardíaca uma prioridade, tal como se fez há cerca de duas décadas para o enfarte do miocárdio, com resultados positivos ao nível da redução da mortalidade.

Quando hoje analisamos as doenças cardiovasculares é claro que temos um percurso de sucesso nos últimos dez anos. Muito provavelmente isso deve-se ao sucesso que Portugal teve no enfarte do miocárdio. Foi uma grande prioridade da cardiologia portuguesa nos últimos 20 anos. Estamos na altura de mudar o paradigma”, afirmou o especialista em entrevista à agência Lusa.

Para ter novos ganhos em relação à mortalidade por doenças cardiovasculares é preciso, segundo João Morais, criar novos objetivos e uma nova prioridade, centrando os esforços na insuficiência cardíaca.

É um seríssimo problema do mundo inteiro”, refere o presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, que assume a insuficiência cardíaca como a pandemia do século XXI.

A importância do diagnóstico

A Sociedade de Cardiologia defende que se deve começar pelo diagnóstico dos doentes, já que haverá várias centenas de pessoas que sofrem da doença mas não têm um diagnóstico. E sem diagnóstico não há tratamento.

O despiste inicial é relativamente simples, feito através de uma análise de sangue específica, mas que não é comparticipada pelo Serviço Nacional de Saúde.

Os doentes não têm capacidade económica”, lembra João Morais, defendendo a comparticipação estatal dessa análise, tal como hoje ocorre para o colesterol ou a glicémia.

Para o presidente da Sociedade de Cardiologia, a comparticipação da análise poderia modificar a identificação dos doentes, “mudando o panorama no acesso ao diagnóstico”.

Depois do despiste inicial com a análise de biomarcadores específicos, haverá um percurso de estudo a fazer com o doente, mas o fundamental é obter-se o primeiro diagnóstico.

O grande objetivo é que todos os doentes em Portugal com insuficiência cardíaca tenham um acesso fácil ao diagnóstico e depois possa ser encaminhados”, resumiu o cardiologista à Lusa.

Mesmo para os doentes que têm já o diagnóstico de insuficiência cardíaca, João Morais diz que falta no país uma organização montada para os tratar: “Há doentes perdidos na medicina geral e familiar, por outras especialidades ou em consultórios privados”.

No fundo, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia diz que é necessário fazer para a insuficiência cardíaca o que se fez com o enfarte do miocárdio e com a diabetes, reconhecendo-os como problemas centrais, apurando o diagnóstico e criando mecanismos de seguimento e acompanhamento dos doentes.

Elevada taxa de mortalidade

João Morais lembra que a insuficiência cardíaca é muito debilitante e que apresenta uma taxa de mortalidade superior à de cancros como o da mama, do cólon ou da próstata.

A taxa bruta de mortalidade em Portugal é superior à da diabetes, doença pulmonar obstrutiva crónica e asma”, refere ainda a Sociedade de Cardiologia.

Um em cada 25 doentes não sobrevive ao primeiro internamento com diagnóstico principal de insuficiência cardíaca e cerca de 30% dos doentes com esta patologia não sobrevivem cinco anos após o diagnóstico.

A taxa de internamento hospitalar é também elevada, sendo a segunda maior fonte de produção hospitalar. Mas cada internamento significa, segundo os peritos, um agravamento adicional da doença, daí que seja também colocado o objetivo de diminuir o número de internamentos do doente com insuficiência cardíaca.

A Sociedade Portuguesa de Cardiologia quer ainda que os cidadãos aprendam a reconhecer os sintomas da doença, sendo que entre os mais comuns estão a falta de ar extrema, edema nos membros inferiores e fadiga acentuada.

Em Portugal não há dados concretos sobre o número de insuficientes cardíacos. O último estudo foi realizado há cerca de 15 anos e apontava para uma prevalência de 4%, estimando cerca de 400 mil doentes.

Mas João Morais diz que atualmente serão bastante mais, pelo menos meio milhão de doentes, até porque muitos dos que foram sendo salvos de um enfarte do miocárdio acabam por vir a desenvolver insuficiência cardíaca.

Falta acesso à reanimação em locais públicos

Portugal está longe dos mínimos no acesso à reanimação cardíaca em locais públicos, considera a Sociedade de Cardiologia, que defende um verdadeiro programa nacional de acesso à desfibrilhação.

Se tiver uma paragem cardíaca num estádio de futebol ou num grande centro ou zona comercial, a probabilidade que tenho de sobreviver é mínima”, afirma o presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, João Morais, em entrevista à agência Lusa.

A prevenção da morte súbita precoce deve, no entender do especialista, ser encarada como uma prioridade, até porque a comunidade médica tem hoje forma de identificar os doentes em risco e de intervir.

Para João Morais, um dos “grandes problemas” em Portugal é o “acesso à resposta à paragem cardíaca na rua”.

No acesso à ressuscitação em locais públicos, estamos muito longe de poder atingir sequer os mínimos”, comenta o cardiologista, que ressalva contudo o trabalho importante do INEM nesta matéria.

Mesmo reconhecendo que há já locais com desfibrilhadores automáticos externos (aparelho usado na paragem cardiorrespiratória), João Morais entende que não basta distribuir desfibrilhadores.

A introdução de um desfibrilhador, explicou, pressupõe formação de pessoas e atualização de conhecimentos a cada dois, três anos ou cinco anos, no máximo. 

Deve ser enquadrado em algo organizacional. Não basta ter um desfibrilhador pendurar numa parede de um centro comercial, esse aparelho tem de ter à volta dele várias componentes que têm a ver com a organização”, defendeu.

João Morais afirma que o INEM tem feito formação em suporte básico de vida e desfibrilhação automática e certificação de locais públicos, mas que Portugal “está longe de uma cobertura minimamente eficaz”, nem mesmo nas grandes cidades.

Há locais em que as coisas estão razoavelmente montadas, mas está muito longe de ser um verdadeiro programa nacional de resposta à paragem cardíaca”, argumenta.

Quanto à formação nas escolas, João Morais considera que as crianças e jovens são um ótimo veículo ideal para transmissão de ensinamentos em suporte básico de vida. Em alguns países nórdicos, como a Noruega, o treino e ensino começou nas crianças e foram elas que veicularam depois os conhecimentos aos pais e familiares.

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