Covid-19: 11 conselhos para enfrentar o novo confinamento - TVI

Covid-19: 11 conselhos para enfrentar o novo confinamento

  • Henrique Magalhães Claudino
  • 21 jan 2021, 16:50
Regresso ao confinamento em Portugal

Do exercício físico, à “fuga da obesidade de informação”, a TVI conversou com especialistas sobre as melhores maneiras de manter a higiene mental durante estes tempos difíceis

Com os números da pandemia a atingirem proporções cada vez mais dramáticas - Portugal bateu esta quinta-feira novamente o número de óbitos decorrentes da doença covid-19 - o dever de recolhimento obrigatório torna-se imperioso.

No entanto, o confinamento impõe uma mudança drástica na realidade de muitos de nós que, de um momento para o outro, tivemos de reaprender a ter métodos de trabalho em casa, lidando com as diferentes variáveis que implicam uma estada prolongada com o mesmo círculo de pessoas.

Como lidar com o confinamento pode ser um gerador de ansiedade e de medo, a TVI24 falou com especialistas na área da psicologia e psiquiatria, interrogando-os sobre as melhores dicas e conselhos para ultrapassar esta altura tão trágica no nosso país.

Do exercício físico, à “fuga da obesidade de informação”, estas são as 11 dicas para enfrentar o confinamento.

 

  1. Gerir expectativas

Vítor Cotovio, Diretor Clínico do Hospital Psiquiátrico Casa de Saúde do Telhal, destaca que a população está a enfrentar - agora, mais do que nunca - fadiga pandémica, “um certo esgotamento relativo à expectativa que a pessoa vai tendo de que as coisas vão resolver e isso não se confirmar”.

Para enfrentar este cansaço acumulado de oito estados de emergência, Cotovio diz que é preciso refletir sobre o índice de insatisfação, uma espécie de equação matemática que diz que o valor é igual à expectativa menos a realidade - ou a realidade melhora, ou as expectativas baixam.

Se as pessoas entraram neste novo confinamento com outra expectativa, vão ter obviamente mais dificuldade em lidar com as restrições”, diz Cotovio, sublinhando que é importante não entrar no ciclo vicioso da crítica à ciência, “muitas vezes uma boa comunicação é saber quando estar calado”.

Esta gestão de expectativas implica ainda a assunção de que “não somos super-heróis”, mas que também não somos formigas incapazes de alterar comportamentos. O importante, diz o psiquiatra, é focarmo-nos naquilo que somos capazes de controlar.

 

  1. Recuperar a segurança nos decisores políticos

Jorge Gravanita, presidente da Sociedade Portuguesa de Psicólogos Clínicos, descreve a situação pandémica como um “trauma em câmara lenta”.

Este novo confinamento, diz, “tem consequências na forma como as pessoas se sentem. Tal como um terramoto provoca consequências nas estruturas físicas, também a pandemia abala as nossas estruturas psíquicas”.

Por isso, sublinha Gravanita, é fundamental “transmitir um sistema de segurança”. Reitera também que o erro a montante neste momento é não estarmos a ter um acompanhamento ao nível do conhecimento da mente e de tudo o que já foi desenvolvido e estudado ao longo dos tempos.

Este conhecimento não está a ser passado aos decisores políticos, eles próprios estão um pouco abandonados às estatísticas”, diz.

O especialista reforça que a estatística é uma coisa que já aconteceu. Na sua ótica, é algo que nós podemos contabilizar a posteriori, “mas temos de manejar a situação agora com todos os recursos e conhecimento possível para que haja um sentimento de segurança na relação entre a população e os responsáveis”.

Esse sentimento de confiança que existiu no último confinamento foi agora abalado, as pessoas estão a fazer o que podem e precisam de sentir que a comunidade está a fazer a sua parte na gestão desta crise”. Por isso, exemplifica: “Quando apanhamos um comboio não pensamos que vai haver um acidente. A segurança entre passageiro e maquinista tem de voltar ao espectro político”.

 

  1. Ver os valores da pandemia como rostos, e não como números

Vítor Cotovio explica que não vale a pena estar sistematicamente “só a atirar os números às pessoas”, defendendo que os “números têm de ter rosto, senão são só coisas frias”.

O ser humano é o único ser que precisa de narrativas para dar sentido à sua vida”, senão, explica Cotovio, parece que as infeções e as mortes só acontecem aos outros.

Neste sentido, o psiquiatra fala num país que funciona a duas velocidades: por um lado, vemos as imagens dramáticas de filas de ambulâncias à espera para entrar nas Unidades de Cuidados Intensivos, por outro, observamos a relativização da pandemia nas ruas por pessoas que tentam a todo o custo forçar-se nas excepções para circularem na via pública.

O especialista dá um exemplo: “Soube que uma pessoa que sigo foi infetada porque o diretor geral da empresa fazia reuniões sem máscara, estamos a esse nível, quer dizer”.

Nessa linha de pensamento, Vítor Cotovio sentencia que não devemos apelar ao dramatismo, mas a um medo lúcido.

 

  1. Não ficar paralisado com medo

 

Os dois especialistas concordam que a população está a viver numa bolha de angústia pandémica e que isso pode ter consequências patológicas, como ataques de pânico ou situações de stress pós-traumático.

Assim, tal como na sequência de uma catástrofe, aumenta o medo e a ansiedade na sociedade. Essa mistura pode ser paralisante.

Mas nós queremos que ela seja calibrada, sem ser irrealista e ter a percepção da realidade dos factos, reconhecer a realidade como ameaçadora, mas saber que o ser-humano sempre venceu estes desafios”, afirma Vítor Cotovio.

Para isso, é necessário conseguirmos reconhecer que há variáveis no nosso dia-a-dia que não controlamos, mas também ter a humildade para acionar aquelas que controlamos.

 

Temos que controlar o que nas nossas mãos está para controlar. Somos pessoas com responsabilidade e temos de acionar essa responsabilidade na relação com os outros”, diz Cotovio.

 

  1. Não desregular os ritmos

 

No acompanhamento de casos clínicos desde março, Vítor Cotovio observou que as pessoas que conseguiram encontrar mais mecanismos de equilíbrio mental foram aquela que não desregularam os ritmos.

Não abandalharam as refeições, conseguiram criar horários sistemáticos para dormir, levantar, cozinhar e fazer exercício”, explica.

O especialista reforça a importância de manter a autodisciplina com a relação do dia-a-dia, tentando distinguir o teletrabalho e não estar empregado 24 sob 24 horas. Porque, descreve, “há pessoas que ficaram inundadas em casa”.

Para além do trabalho, é preciso “estabelecer momentos em que se ajuda os filhos na escola e momentos em que há tempo para descomprimir, para ver uma série ou ler aquele livro que queria ler”



 

  1. Fugir à obesidade de informação

 

Outra dica do Diretor Clínico do Hospital Psiquiátrico Casa de Saúde do Telhal: “Não consumir séries de uma empreitada, como se não existissem outras variáveis na vida. Temos de estabelecer um ritmo em que se vê um episódio hoje e amanhã vejo outro”.

Vítor Cotovio reitera também que não devemos estar sistematicamente a ouvir a mesma informação desesperante. “É como se fosse intoxicado pela televisão que está ligada a toda a hora”, repara, sublinhando a necessidade de manter os interesses ditos habituais, como a ida a museus virtuais, ou assistir a um concerto através do ecrã.

E lembra: “Não fazer tudo de pijama”.


 

  1. Treinar e praticar desportos singulares ao ar livre

 

Embora seja um momento catastrófico para muitos de nós, há uma coisa que este novo confinamento traz de novo: o tempo gasto em transportes, torna-se agora tempo livre.

Os especialistas aconselham a que se tire 15 a 30 minutos para mexer um bocadinho.

Temos de nos mexer, temos de criar um espaço para fazer exercícios mais simples, como ginástica, yoga. O desporto impede o desregulamento do quotidiano e ajuda a controlar a sobrecarga de estímulos”, diz Jorge Gravanita

A internet é um bom ponto de partida para quem queira recuperar hábitos mais saudáveis. Numa breve pesquisa no Youtube é possível encontrar os mais variadíssimos treinos adaptados a estes estranhos dias. Do TRX ao Crossfit, há soluções totalmente gratuitas.

Para quem tenha um plano de treinos mais específico, pode sempre consultar a página MuscleWiki, que fornece exercícios para treinar e desenvolver músculos de forma particular.
 

  1. “A angústia partilhada, diluí-se”

 

As tecnologias de informação têm capacidade de nos afastar para outra realidade, às vezes durante momentos mais azedos, como aquela aula secante na universidade. Mas, nestes momentos, somos capazes de nos juntar com as pessoas de quem temos mais saudades.

Por isso, partilhar a refeição ao bom jeito português não tem de deixar de ser tradição. Basta juntar mais uma cadeira e um ecrã à mesa e cumprimentar com um grande sorriso os avós, tios, netos, pais e amigos.

A angústia partilhada, diluí-se. Se eu não posso agora abraçar e não posso agora beijar, devo não perder a minha presença e reforçar a minha presença no outro. Para partilhar, para diluir angústias, para partilhar momentos bons, para ir buscar coisas à nossa memória boas. Para nos lembrarmos de quando ultrapassamos situações de crise”, sublinha o psiquiatra Vítor Cotovio.

É uma boa altura para fazer coisas que não fazíamos.

 

  1. Não fulanizar a culpa

 

O presidente da Sociedade Portuguesa de Psicólogos Clínicos explica que não devemos atribuir as culpas da evolução da pandemia a grupos étnicos, etários, etc. 

Jorge Gravanita diz que é um erro resolver a coisa pela culpa, “porque vai gerar conflitos dentro das casas e na relação entre as pessoas”.

É algo que é, na sua opinião, “muito difícil”, mas é importante transmitirmos uns aos outros que estamos a fazer o nosso melhor para ultrapassar esta situação difícil.

A solução do problema da pandemia não é policial”, argumenta Gravanita.

 

  1. Criatividade, criatividade, criatividade

 

Jorge Gravanita sublinha que a organização é fundamental para enfrentar o novo confinamento e que devemos aproveitar o os condicionamentos para que haja ação nas nossas vidas.

Até porque, argumenta, “só conseguimos mobilizar o indivíduo a respeitar as restrições, se reinventarmos o nosso dia-a-dia, criando novas regras criativamente, sem ser tirânico.

Essas regras podem traduzir-se em aprimorar um gosto que já tenha e partilhá-lo com a família, observar na vizinhança como pode contribuir de forma segura para a comunidade, ou mesmo desenvolver capacidades DIY (Do it yourself, ou faz por ti mesmo, em português), que vão desde aprender a pintar, a recuperar as velhas cadeiras do jardim.

Temos de usar a inteligência humana para facilitarmos a interação nas diferentes dimensões. Há um tempo de paragem que não tem de ser dedicado a procurar respostas imediatas para o futuro”, reflete Jorge Gravanita.


 

  1. Respeitar a intimidade do outro

 

Os dois especialistas concordam que a pandemia suscita o problema da ultrapassagem dos limites do outro, especialmente numa altura em que muitos convivem durante largos espaços de tempo com o seu círculo mais próximo.

É preciso perceber que há um espaço que é de cada um e uma distância adequada de comunicação. Temos de ter a noção de que existem limites.

Tal como o distanciamento físico, devemos também ter a noção de que a sobreposição entre o espaço e o tempo implica um certo respeito com a sensibilidade da intimidade da outra pessoa”, diz Jorge Gravanita, sublinhando que há uma linha frágil nesta interação: “não podemos estar sempre em cima de uma pessoa, tal como não a podemos condenar ao autismo psicológico e social”.

Até no próprio discurso temos de ter cuidado com a intrusividade, sublinha Gravanita. “O outro tem direito também à sua margem”.

Temos de ter muito cuidado com o grau de violência que introduzimos na relação com o outro, e com nós próprios”, remata o especialista.

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