Covid-19: o discurso político corresponde à realidade? Há "infantilização" e "excesso de confiança" - TVI

Covid-19: o discurso político corresponde à realidade? Há "infantilização" e "excesso de confiança"

  • Henrique Magalhães Claudino
  • 24 jun 2020, 23:32
Covid-19: "Qualquer doença ataca mais as populações mais vulneráveis"

Patrícia Pacheco, Gustavo Tato Borges e Ricardo Monteiro debateram as diferenças e incoerências do discurso político em tempos de confinamento e desconfinamento

“Há um discurso e há uma realidade”, foi assim que a Dra. Patrícia Pacheco, diretora do Serviço de Infecciologia do Hospital Fernando Fonseca, caracterizou os tempos de pandemia no país, sublinhando que a “vontade do Governo de passar uma mensagem positiva aos portugueses cai, por vezes, no extremo de desvalorizar um problema que é real e que preocupa muito quem está no terreno”.

No debate desta quarta-feira à noite que também contou com Ricardo Monteiro e o Dr. Gustavo Tato Borges, Patrícia Pacheco sublinhou há alguma “infantilização daquilo que é um português”.

“Se sistematicamente há um discurso de desvalorização, as pessoas vão desvalorizar”, afirma.

Na mesma linha, Ricardo Monteiro afirmou que “na primeira década de março” existiu uma precaução da população que se antecipou ao poder político. “Durante esta fase, todo o discurso político se centrou na mensagem de que a doença é grave e que o vírus está na comunidade. Como somos uma população muito ordeira, seguimos a mensagem dos políticos e conseguimos conter a primeira vaga e achatar a curva”.

“Houve excesso de confiança”, afirma o comentador.

Contudo, depois de passarmos por tudo isto e de vermos os números a descer, “pensámos que o vírus está a morrer, mas isso não acontece. Toda a epidemia começa com o doente zero”. 

Este tipo de pensamento foi conjugado com uma mudança abrupta de discurso. 

“Vimos as figuras políticas a ir à praia, a ir aos concertos a dizer ‘fiquem quatro horas nas bichas para o Algarve’”, afirma o comentador Ricardo Monteiro, salientando que a partir da altura em que existe uma abertura, passa também a aumentar o número de contágios em Lisboa.

 

Sobre Lisboa e Vale do Tejo, Patrícia Pacheco sublinha que os números sempre foram altos, mas nota-se a diferença agora porque as outras regiões registaram uma descida no número de infetados por Covid-19.

A diretora do Serviço de Infecciologia do Hospital Fernando Fonseca alerta para os “hotspots” de contágio, zonas que devido às suas características sócio-económicas estão mais à mercê de um vírus que se propaga com tanta facilidade.

Lisboa a partir da altura em que há abertura aumenta o número de contágios.

“Se eu vier a conduzir no meu carro para chegar ao meu T8 com piscina, é muito difícil que venha a ser contagiada pelo vírus”, afirma a médica, dando o exemplo do número de contágios na freguesia de Santa Clara ( Alta de Lisboa), “uma zona muito desfavorecida”. “Qualquer doença é democrática, mas também ataca mais as pessoas vulneráveis”, afirma.

No debate, Gustavo Tato Borges, vice-presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública referiu que o conhecimento sobre o novo coronavírus ainda é demasiado limitado para se saber se em Lisboa e Vale do Tejo estamos a assistir a uma segunda vaga, ou se a não diminuição do número de contágios significa a continuação de um processo em planalto.

Sobre as mensagens contraditórias que têm vindo a ser passadas pelas figuras políticas, o vice-presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública afirma que devemos ouvir sempre os técnicos, mas lamenta que Graça Freitas muitas vezes carimbe as suas intervenções com discursos políticos.

 

“A Diretora-Geral da Saúde alinha o seu discurso pelo discurso positivo. Lamento que a DGS comunique uma realidade mais positiva do que a realidade demonstra”, afirma Gustavo Tato Borges.

O especialista refere também que a situação em Lisboa e Vale do Tejo não está controlada “no sentido em que o número de novas infeções não está a diminuir. Isto significa que as condições não foram criadas para quebrar as cadeias de contágio”.

No entanto, a mensagem de focos de contágio é contestada pela Dra. Patrícia Pacheco que argumenta que “o vírus está na comunidade. Este discurso de focos não corresponde à realidade”.

Patrícia Pacheco acrescenta ainda que o comunicado de que os hospitais da Área Metropolitana de Lisboa tinham disponíveis 700 camas vagas não se traduziu na realidade.

“Porque é que não comunicaram? Várias vezes tivemos de acionar os serviços sociais e não houve qualquer resposta da AML”, afirma a especialista em infecciologia.

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