Covid-19 obriga a tomada de medidas excecionais do INEM - TVI

Covid-19 obriga a tomada de medidas excecionais do INEM

  • 5 abr 2020, 09:02

Instituto ativou a "Sala de Situação Nacional", num cenário que só encontra paralelo recente com os incêndios de 2017

A evolução da pandemia de Covid-19 em Portugal, com o aumento de doentes graves, obrigou o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) a ativar a “Sala de Situação Nacional”, o que só acontece em momentos excecionais.

A medida foi tomada 10 dias depois do primeiro caso positivo no país (2 de março), numa decisão comparável à ocorrida nos incêndios de 2017, quando morreram mais de 100 pessoas na região Centro.

No final da semana, quando a agência Lusa esteve a assistir ao trabalho nesta sala, situada no edifício-sede do INEM em Lisboa, eram cinco os técnicos de emergência pré-hospitalar que ali estavam, cada um fazendo 12 horas por dia para assegurarem o serviço 24 horas por dia.

Numa sala contígua decorrem briefings, que passaram a ser diários em tempos de pandemia. Os responsáveis do INEM participam nestas reuniões sobre a doença provocada pelo novo coronavírus por videoconferência com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e com altos representantes de todas as forças de segurança.

Desde que foram registados os primeiros casos em Portugal, o INEM começou a fazer transporte especializado dos casos suspeitos de infeção, em função das orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS).

Com o aumento desses casos, no dia 12, às 00:00, a “Sala de Situação Nacional” foi acionada para garantir a centralização e gestão da informação.

Sala de Situação Nacional

Fátima Rato, a responsável pelo departamento de emergência médica do INEM, explicou que a pandemia (que já fez 266 mortes e infetou 10.524 pessoas em Portugal) obrigou a abrir esta sala devido à exigência de um grande número de meios.

Além disso, explicou, desta forma o trabalho específico para Covid-19 não interfere na atividade diária dos centros de orientação dos doentes urgentes do INEM, que tem de continuar a dar resposta às restantes situações do dia a dia.

Com o aumento progressivo do número de casos e até da sua gravidade, e “à medida que a situação foi evoluindo e todo o sistema de saúde se foi adaptando à realidade”, o INEM reforçou o número de ambulâncias disponíveis para o transporte desse tipo de doentes, adiantou Fátima Rato.

A evolução dos casos determinou também que recentemente fizéssemos alguma mudança em termos de capacidade técnica das ambulâncias que são utilizadas. Neste momento, temos as ambulâncias SIV (Suporte Imediato de Vida) que têm já um equipamento adequado a doentes com uma gravidade maior”, afirmou a médica.

Na última semana, houve “um aumento do número de doentes já a necessitar de cuidados em termos de ventilação e essas ambulâncias já têm equipamento se for necessário utilizar para permitir a estabilização desse tipo de doentes”, adiantou.

Os pedidos de transporte de casos suspeitos ou confirmados diminuiu porque muitos desses doentes se dirigem agora às áreas dedicadas à doença que estão na comunidade e é aí o primeiro ponto onde são avaliados.

Os pedidos que temos recebido em termos de transporte vêm sobretudo de unidades de saúde que pretendem transferir doentes mais graves, nomeadamente doentes ventilados para [uma] unidade de saúde mais diferenciada que tenha tecnicamente e do ponto de vista dos recursos, quer humanos quer técnicos, capacidade para o tratamento desses doentes e, portanto, nesta altura são sobretudo o tipo de doentes que temos que transportar”, explicou.

Ouvido pela Lusa, o coordenador da unidade de gestão de crises do INEM, Bruno Borges, disse acreditar que o instituto se tem preparado para lidar com situações excecionais.

Ao longo do tempo (…), o INEM tem-se preparado e os seus profissionais também. Contudo, temos de perceber que os recursos esgotam e nessa medida tem de ser feita uma melhor racionalização e otimização dos recursos disponíveis”, afirmou.

“Temos de entender que a saúde está a funcionar no seu todo, desde as autoridades locais de saúde, a DGS, o INEM, os hospitais, numa lógica de rede. Estou em crer que todos juntos iremos dar a melhor resposta ao cidadão”, considerou Bruno Borges.

Turnos de 12 horas para assegurar o serviço

A área do INEM dedicada à pandemia, centralizada na “Sala de Situação Nacional”, em Lisboa, assegura a transferência de doentes entre hospitais e colheitas para análise ao novo coronavírus.

Os cinco jovens técnicos de emergência pré-hospitalar fazem turnos de 12 horas para assegurar o serviço 24 sobre 24 horas.

A longa jornada de trabalho é passada ao telefone com médicos e no preenchimento de quadros no computador, de fichas em papel e na colocação dos mesmos dados, à mão, com um marcador, num quadro branco como os das salas de aula. Deste modo fica assegurado que a informação não se perde em caso de falha informática.

É para estes técnicos que os médicos ligam, quer estejam nos hospitais, centros de saúde ou lares, em qualquer zona do país. Ligam a pedir ambulâncias para transferir doentes ou a pedir colheitas em doentes suspeitos para detetar se estão infetados com o novo coronavírus.

Até 3 de abril, o INEM realizou 1.810 colheitas e efetuou 895 transportes relacionados com a pandemia de covid-19. Numa manhã, a agência Lusa assistiu a vários pedidos.

Profissionais do INEM preparam-se para recolha de amostras de Covid-19

Um médico pediu 16 colheitas em utentes de uma unidade de cuidados continuados no concelho de Paredes, na Área Metropolitana do Porto.

Cabe a estes operacionais gerir os meios: acionar a viatura, a equipa de enfermeiros e respetivos kits de recolha, neste caso fornecidos pelo Hospital de São João, no Porto, e entrega em laboratório) para que a recolha se concretize. Tudo se resolve ao telefone.

Mais a norte, foi pedida uma colheita a um recluso do estabelecimento prisional de Vila Real. E do Algarve, no sul do país, chegou um pedido para a realização de um teste a um homem de 94 anos que está num lar em São Bartolomeu.

Neste caso, explicaram à Lusa os técnicos, a mesma equipa do Algarve já tinha saído de manhã de Faro para Portimão, onde fez três colheitas, e dali seguiu para São Bartolomeu, concelho de Silves.

O telefone toca sempre ao ouvido do operacional, que usa um auscultador, e só se percebe que há um contacto quando se ouve “sala de situação nacional, bom dia”, tanto para pedidos de colheitas como para os pedidos de transferência de doentes mais graves.

De Odemira, no Alentejo, um médico pede a transferência de um doente de 48 anos, com falta de ar e com febre, da unidade local de saúde para o Hospital de Santiago do Cacém.

Do Porto, o Hospital de São João pede uma transferência para o Hospital de Santo António, na mesma cidade. Trata-se de um doente com a doença covid-19, de 67 anos, que se encontra entubado e ventilado nos cuidados intensivos.

O pedido chegou às 10:50, e tudo terá de estar pronto às 12:00. Sobre as razões do pedido, os técnicos não respondem, apenas dizem que se trata de gerir os cuidados intensivos.

Mas é nestes casos de transferência de doentes graves que do nada alguém soltou: “Calma, respira”.

Para respirar fundo, olhar o céu e a rua os operacionais dispõem nesta sala retangular de uma janela, já que as paredes em redor das três mesas de trabalho estão preenchidas com um ecrã gigante com dados sobre as colheitas feitas pelo INEM e os números do boletim epidemiológico da Direção-Geral da Saúde.

Há também um monitor de computador que ocupa uma parte da parede com o mapa do país e as ambulâncias do instituto e televisões que só dão imagem, estão sem som.

Nem a proteção tira o medo do contágio

Os enfermeiros do INEM dedicados em permanência ao novo coronavírus são chamados a realizar centenas de testes e enfrentam o perigo de contágio munidos de equipamento de proteção individual, mas o medo do contágio permanece.

Quando um médico de qualquer ponto do país liga ao INEM a pedir um teste a um doente com sintomas de ser portador da doença, a “sala de situação nacional” na sede em Lisboa aciona uma ambulância e dois enfermeiros no local mais próximo.

O pedido pode ser feito para um local próximo da sede do INEM, como foi o caso de uma solicitação para o bairro da Quinta do Mocho, no concelho de Loures, que a Lusa acompanhou.

Atribuído o “serviço”, a ambulância sai do INEM com dois enfermeiros e enquanto um conduz, o outro fala ao telefone com o doente e dá indicações para que esteja preparado para fazer o teste.

INEM em ação nas ruas

Trata-se de um homem de 27 anos que está com febre e dores no corpo. O enfermeiro do INEM previne-o para não sair de casa e só abrir a porta quando tocarem.

Chegados ao prédio, escolhem o melhor local para apenas um deles, o enfermeiro que vai entrar na casa, vestir todo o equipamento, de acordo com uma lista que a colega lhe vai indicando.

Desinfeção das mãos, três luvas em cada mão, touca, máscara, óculos, fato por cima do equipamento do INEM, proteção nos pés, é o que manda o protocolo.

O outro elemento da equipa também está protegido, mas menos, porque não estará em contacto com o doente.

Só depois de cumpridos os procedimentos de proteção é que o enfermeiro entra na residência do doente para fazer a colheita da amostra no nariz e na garganta.

A colheita é depois guardada num kit para ser entregue no laboratório.

Esta colheita correu bem, (…) o senhor colaborou na colheita. A única dificuldade sentida foi que efetivamente ele não se expressa muito bem em português, tem algumas dificuldades, de resto correu tudo normalmente”, contou à Lusa o enfermeiro António Santos.

À saída, novo procedimento de segurança para retirada do equipamento e desinfeção das mãos. Tudo é colocado num saco do lixo que é depois selado. O lixo vai para um contentor que está no interior da ambulância.

A operação pode demorar, com transporte, entre uma hora e uma hora e meia. Além destes passos, os enfermeiros têm ainda de preencher um formulário e um questionário.

O enfermeiro não esconde o principal receio: “É ficarmos contaminados, infetados”.

O INEM já tem 15 profissionais infetados com o novo coronavírus, que provoca Covid-19, mas para já a doença ainda não está a ter reflexos no serviço.

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