Maria José Morgado: “Estado falhou no seu dever de detetar, prevenir e combater a corrupção" - TVI

Maria José Morgado: “Estado falhou no seu dever de detetar, prevenir e combater a corrupção"

É o rosto do combate à corrupção em Portugal. Mais de 40 anos ao serviço do Ministério Público e muitos alertas sobre as dificuldades da investigação criminal. O processo Lex que envolve o juiz Rui Rangel e Luís Filipe Vieira é o mais recente capitulo da sua luta. A procuradora Maria José Morgado esteve esta segunda-feira no Jornal das 8 da TVI

Maria José Morgado, procuradora-geral adjunta, foi a entrevistada de Miguel Sousa Tavares desta segunda-feira onde falou sobre a corrupção em Portugal. Considerando que "não há estudos fiáveis" sobre a corrupção, a magistrada afirma que este tipo de crime exige "uma abordagem ponderada, não sensacionalista".

"Eu ando há 20 anos a dizer isto, mas a corrupção, o combate, a prevenção e a detenção da corrupção exige uma abordagem holística e ponderada e não uma abordagem sensacionalista. Se Portugal é um país corrupto ou não? Não tem resposta. Se a corrupção atingiu níveis de risco elevados e atravessou sectores da atividade política, económica, pública, privada, administrativa, judicial, etc.... reconhecidamente agora, ao fim de 20 anos, se reconhece que o Estado falhou no seu dever de detetar, prevenir e combater a corrupção e nós temos de funcionar", afirmou.

Para a procuradora-geral adjunta, em Portugal, "os níveis e os riscos de corrupção são elevados, mas devemos ter a noção que não há nenhum estudo fiável sobre o grau e o nível de penetração de corrupção nas estruturas do Estado".

"A transparência internacional, muito respeitável, mas utiliza critérios que variam de país para país e que não servem para responder a uma questão fundamental: quais são os riscos de corrupção em Portugal, porque é que não há planos de gestão de risco, porque é que se atira tudo para os tribunais, para as polícias, para o Ministério Público (MP), para os juízes, já numa fase muito avançada. Ou seja, continuamos nos cuidados intensivos. Porque é que a prevenção não funciona, porque é que não agimos de forma a prevenir os contextos que criam um plano inclinado que levam à corrupção". 

Maria José Morgado lembrou ainda, no que toca à mediatização dos casos, que "vivemos num país com pouca paciência ao nível da comunicação social para tratar do fenómeno de forma integrada e ponderada, de forma multifacetada, e de forma a percebermos que a corrupção é um fenómeno abrangente".

"A corrupção é como o pó nas nossas casas.Se não limparmos todos os dias, temos sempre pó. O pior que se pode fazer é a abordagem mediático-sensasionalista porque entramos numa bola incandescente", afirmou.

A procuradora-geral adjunta defende ainda que, para o Ministério Público, "o pior que pode acontecer" são os "julgamentos na praça pública", porque "prejudica a produção da prova e prejudica a equidade do julgamento equitativo".

"A última coisa que o Ministério Público quer é este tipo de espetáculo".

No entanto, lembra que o Ministério Público é apenas "o titular da ação penal" dos processos e que "o segredo de justiça não se fecha à chave num cofre".  

Delação premiada

Confessando que escolheu "combater o crime", Maria José Morgado falou ainda das diferenças entre os crimes de sangue e os crimes económicos no que à produção de prova diz respeito.

"No crime económico, não temos a faca com sangue, não temos a pistola fumegante, normalmente não temos confissões, normalmente não temos testemunhas", lembrou.

Por isso, o crime pode ser explicado se "se tiver um conjunto de provas que só explicam um conjunto de acontecimentos por aquela razão, ou seja, pela finalidade de praticar aquele crime, os arguidos estarão em condições de responder com culpa pela prática do crime e, evidentemente, que a condenação é justa. Se houver várias explicações possíveis, evidentemente que ninguém pode ser condenado".

Maria José Morgado disse ainda que é "a favor do bom tratamento para quem contribua para a descoberta da verdade material". Ressalvando que a "delação premiada é um instituto que no nosso sistema não existe", a procuradora-geral adjunta afirmou que é "a favor das sentenças negociadas".

"O que existe [em Portugal] é a dispensa de pena, a suspensão provisória do processo nos casos menos graves, e a acumulação especial da pena em julgamento de acordo com o grau de culpa que vier a ser revelado. Sou a favor das sentenças negociadas, sou a favor da dispensa de pena, ou até mesmo do arquivamento do processo em sede de inquérito se a pessoa prestar informações de boa fé com base em suspeitas razoáveis que venham a produzir prova válida. Ninguém é condenado com uma denúncia anónima. Ninguém é condenado com uma afirmação, tem de haver provas e essas provas têm de ser trazidas por quem conhece por dentro a organização ou a prática dos crimes ou as redes". 

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