O apelo de António Ramalho Eanes, antigo Presidente da República, foi feito numa entrevista à RTP, esta quarta-feira à noite, partindo do princípio que se possa vir a registar em Portugal um cenário onde não existam ventiladores para todos os doentes.
Nós, os velhos, vamos ser os primeiros a dar o exemplo. Não saímos de casa, recorremos sistematicamente aos cuidados que nos são indicados e mais, quando chegarmos ao hospital, se for necessário, oferecemos o nosso ventilador ao homem que tem mulher e filhos".
A mensagem dura, mas reveladora da necessidade de sentido de responsabilidade e de uma forte solidariedade intergeracional durante a crise que o país atravessa, está a ser amplamente partilhada nas redes sociais.
“Nós, os velhos.” pic.twitter.com/9f1IAc3AVN
— Carlos C Carapinha, adorador (@macguffin_69) April 1, 2020
Durante a entrevista, o general de 85 anos lembrou também que aqueles com mais experiência de vida têm a obrigação de passar aos mais novos uma mensagem de esperança.
Nós, e eu falo porque sou um velho, tenho 85 anos... nós, os velhos, devemos pensar que a nossa situação é igual à dos outros. E se alguma coisa há, é a obrigação suplementar de dizer aos outros que isto já aconteceu, que se ultrapassou, que (esta crise) vai ser ultrapassada."
O antecessor de Mário Soares considera que todas as instituições têm estado à altura das suas funções, porém critica o facto de as Forças Armadas terem sido chamadas a intervir tarde, e entende que, caso os hospitais não tivessem sido "a primeira linha de combate", poderiam ter sido salvas mais vidas: "Talvez tivesse sido melhor fazermos isso (decretar o estado de emergência) com mais antecedência. Embora seja muito fácil dizer que era melhor depois de as coisas terem acontecido".
Questionado relativamente à crise económica já dada como certa depois da crise sanitária, o general não descarta a possibilidade de nacionalizações, algo "perfeitamente admissível e natural". No entanto, pediu que que não se cometa o erro da Alemanha no início dos anos 30, onde "uma política de rigor financeiro" levou a "uma situação catastrófica, uma situação social impensável e uma crise política que levou ao Nazismo".
Por fim, o período difícil que todos os portugueses atravessam é, para Eanes, uma oportunidade para que se repense o papel e as funções do Estado.
O Estado não pode ser um Estado mínimo, como se diz. O Estado tem de ser o Estado necessário e um Estado que não olhe apenas para a situação presente, para as eleições e para o resultado, mas olhe para o futuro. E um Estado que procure fazer o que é indispensável para que esse futuro seja viável."
Na entrevista que concedeu a Fátima Campos Ferreira, Ramalho Eanes deixou, ainda, uma reflexão sobre a crise de saúde que está a afetar o mundo: "O homem julgou que era capaz de tudo, que podia dominar tudo. Esta situação pandémica mostra que, afinal, continua a ser o ser frágil, falível, que tem de estar em permanente ligação e comunhão com os outros".