"Vão ter que me pegar ao colo de dentro da minha casa": proprietários do ZMar não aceitam a requisição civil - TVI

"Vão ter que me pegar ao colo de dentro da minha casa": proprietários do ZMar não aceitam a requisição civil

Proprietários de casas no ZMar referem a especificidade deste empreendimento turístico, que "não é um hotel", e recusam-se a deixar as suas casas. Mas Eduardo Cabrita afirma que a situação está prevista na lei

"Estou disponível para colaborar no que for preciso. Mas ocuparem a minha casa com os meus bens pessoais está fora de questão. Vão ter que me pegar ao colo de dentro da minha casa para pôr outra pessoa lá dentro."

Estas são as palavras de um dos proprietários de casas no eco resort ZMar, na Zambujeira do Mar, que foi apanhado de surpresa, na quinta-feira, pelo anúncio da requisição civil do empreendimento pelo Ministério da Administração Interna.

No âmbito das medidas de combate à covid-19 e na sequência da cerca sanitária decretada em duas freguesias de Odemira, o espaço ficará alocado à realização do “confinamento obrigatório e do isolamento profilático por pessoa a quem o mesmo tenha sido determinado”.

O empreendimento turístico é composto por 260 casas, das quais 100 são bungalows que pertencem à empresa detentora do resort, mas outras 160 habitações são de particulares. Estas são na sua maioria utilizadas como moradia de férias mas algumas são primeira habitação.

Apesar disso, o Governo pretende utilizar a totalidade do espaço, o que está a ser mal visto pelos proprietários individuais.

"Eu acho que o senhor ministro [da Administração Interna] não conhece o ZMar nem conhece as pessoas que moram no ZMar", comentou à TVI24 Nuno Silva Vieira, advogado que representa 116 dos 160 proprietários que já anunciaram que não vão acatar a decisão do Governo.

"Nós não estamos perante um hotel ou um parque de campismo. Temos aqui habitações e não é uma requisição ministerial que pode colocar as pessoas fora de casa. Só uma decisão judicial, nos termos do artigo 34 da Constituição da República Portuguesa", explica o advogado, referindo-se ao artigo sobre a inviolabilidade do domicílio.

"Se a resolução ministerial fizesse referência a uma parte só, nós entendíamos. Mas neste momento todo este empreendimento está requisitado. Mas nós não vamos deixar ninguém entrar aqui, porque a Constituição da República Portuguesa permite-me dizer isto: ordem judicial é uma coisa, requisição ministerial é outra", afirma o advogado. "Nenhum dos meus clientes vai sair da sua casa."

 

A tomada de posição é confirmada por outra das proprietárias: "Estamos a preparar as nossas casas para poder abrir ao público em geral, para podermos desfrutar deste espaço fantástico, não faz sentido nenhum, de um momento para o outro, recebermos esta notícia. As casas têm os nossos pertences", diz, fazendo eco da indignação que já tinha sido deixada nas redes sociais por Anna Westerlund, a viúva do ator Pedro Lima, que também tem ali uma casa.

A requisição civil é legal?

Num despacho publicado na quinta-feira à noite em Diário da República e que produziu efeitos imediatos, o Governo decretou “a requisição temporária, por motivos de urgência e de interesse público e nacional, da totalidade dos imóveis e dos direitos a eles inerentes que compõem o empreendimento ‘ZMar Eco Experience’, localizado na freguesia de Longueira-Almograve".

Entretanto, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, confirmou que a requisição civil é para avançar nos termos previstos pela lei da proteção civil. Nos termos do Decreto-Lei n.º 637/74, que regula a requisição civil, este instrumento legal só pode ser desencadeado em casos excecionalmente graves, podendo ter por objeto a "prestação de serviços, individual ou coletiva, a cedência de bens móveis ou semoventes, a utilização temporária de quaisquer bens, os serviços públicos e as empresas públicas de economia mista ou privadas".

Segunda Cabrita, a "mobilização de estruturas" para responder à pandemia é semelhante ao que aconteceria na resposta a um incêndio, um terramoto ou uma inundação.

Cabrita confirmou ainda que, como previsto na lei, os proprietários irão receber a compensação devida pela utilização das habitações:

O Ministério das Finanças assumirá as responsabilidades nos termos dos códigos das expropriações", disse.

 

Trabalhadores em "situação de insalubridade inadmissível"

O Governo decidiu proceder "à requisição de um conjunto de instalações que estão identificadas e permitem proceder imediatamente ao isolamento profilático das pessoas que estão consideradas positivas e das pessoas que estão em risco", revelou o primeiro-ministro António Costa ao anunciar a cerca sanitária em duas freguesias do concelho de Odemira.

Esses locais irão ainda realojar temporariamente algumas pessoas que residem "em situações de insalubridade inadmissível", uma vez que habitam em situações de "hiper-sobrelotação", algo que representa "um risco enorme para a saúde pública", além de ser "uma violação gritante dos direitos humanos".

"Este é um problema de fundo que obviamente tem de ser resolvido e iremos trabalhar com o concelho de Odemira para resolvê-lo", garantiu o primeiro-ministro, lembrando que o "direito à habitação condigna é um dos direitos fundamentais". Independentemente disso, foi necessário tomar decisões de emergência.

Segundo o presidente da câmara, José Alberto Guerreiro, além do ZMar foi ainda decidido, numa reunião que teve lugar esta manhã, que a Pousada da Juventude de Almograve, localizada neste concelho alentejano e que dispõe de 42 camas, vai servir para “o eventual alojamento de infetados” com o novo coronavírus SARS-CoV-2. 

Além da Pousada da Juventude de Almograve, o ministro Eduardo Cabrita referiu ainda que estarão disponíveis os pavilhões da feira agrícola de São Teotónio, a FACECO. E disse que há outros locais públicos que estão à disposição mas que são mais distantes, como por exemplo, o aeroporto de Beja.

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