Mães interrompidas: há quem fique sem os filhos "por ser pobre" - TVI

Mães interrompidas: há quem fique sem os filhos "por ser pobre"

Episódio 3: Em Portugal há quem fique sem os filhos por ter pouco dinheiro. Direitos fundamentais que podem estar a ser postos em causa por entidades que representam o Estado, em nome da defesa e proteção das crianças. Numa altura difícil, Tatiana viu o filho ir para uma instituição e mais tarde ser adotado. Até hoje não entende os motivos

Os dados mais recentes da Segurança Social indicam que 2.396 crianças foram acolhidas, em Portugal, em 2016. Ou seja, pelo menos, seis crianças por dia foram colocadas em instituições.

Por mais instável que tivesse sido a minha vida, o Leo (nome fictício) nunca teve falta de nada. Teve o mais importante, que era amor. Não via a lógica de ter de dar o meu filho para a adoção”

A casa parece cheia, mas para Tatiana terá sempre um espaço vazio. Ficou grávida aos 17 anos e foi mãe aos 18. Leo nasce em dezembro de 2008.

Os reais motivos da retirada das crianças são colocados em causa por quem conhece o sistema, como o advogado Gameiro Fernandes.

Há crianças que são retiradas aos progenitores e as técnicas da segurança social e a CPCJ vêm dizer que não, mas há em Portugal. Eu tenho provas de que existem essas crianças a serem retiradas pelos familiares serem pobres”

Numa fase complicada da vida, separada do companheiro, recorre a uma irmã com quem não tinha boa relação para lhe ficar uns dias com o menino. Bastou um telefonema da tia, uma sinalização para a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Cascais e Tatiana entrou num caminho sem retorno.

Alegaram que não tinha condições, que a minha prioridade não seria o Leo, mas as minhas saídas à noite”

Em janeiro de 2012, Leo vai para a Mimar, uma instituição, em Cascais. Contida nas emoções e já com poucas lágrimas para chorar, há memórias dolorosas que o tempo não apaga.

Quando fui visItá-lo à instituição, a primeira vez, quando eu me vim embora… foi um berreiro autêntico. Partiu-me completamente o coração, porque ele agarrava-se às minhas pernas e dizia para não ir embora. Foi muito doloroso as primeiras visitas”

Mas Leo acabou por se habituar às novas rotinas.

Obviamente, ao fim de cinco seis visitas ele já ficava bem. Dizendo sempre ‘mãe quando vieres traz isto, quando vieres traz isto. E eu ligava-lhe sempre e ele dizia 'mãe quando vieres podes trazer isto, quando vieres podes trazer aquilo podes trazer aquilo'. Ele tinha apenas três anos, mas ele percebia que eu depois iria voltar”

Novamente grávida, Tatiana vai duas vezes por semana ver o filho. Grande parte do caminho é feito a pé por falta de dinheiro.  Tatiana nunca abandonou o filho, nem nunca estiveram em causa suspeitas de maus tratos.

Foi sempre duas vezes por semana, depois passando a ser uma vez por semana, já no final da gravidez. Quando pedi para voltar a ser duas vezes por semana, não foi autorizado dizendo que era uma grande instabilidade para o menor”

A filha de Tatiana nasce em agosto de 2012. Leo ainda conheceu a irmã, mas perderam-se pelo caminho.

Segundo dados do Eurostat, em Portugal, em 2016, uma em cada quatro pessoas vivia em situação de pobreza ou exclusão social. São 2,6 milhões de pessoas, cerca de 25% da população. 

O tribunal de Cascais, onde Tatiana esteve uma única vez, determinou em janeiro de 2013 que o projeto de vida do menor era a adoção. Todas as pessoas próximas da mãe que tentaram ficar com o menor, foram descartadas pelas técnicas e, até, pelo tribunal.

Dizendo que apenas apareceram porque sabiam que ia para adoção”

Isilda Pegado, advogada de carreira e ex-deputada do PSD, conhece bem os meandros da justiça.

Há um sistema que funciona de uma forma errada, de uma forma que não se preocupa em ver a realidade concreta daquela circunstância ou daquele caso”

Logo após nascer, Sofia (nome fictício) também foi sinalizada pela CPCJ de Cascais. O apoio da avó paterna garantiu que ficasse com a mãe. Também tentaram levar Leo para casa, mas sem sorte. Até hoje pergunta e não encontra resposta:

Se eu não tinha condições para ter o Leo, como é que logo de seguida, e ele ainda não tinha sido dado para a adoção, como é que tinha condições para ter uma recém-nascida comigo?”

O acórdão que determina a adoção fala numa “instabilidade emocional, habitacional e profissional”. Mas assume que muitas escolhas se prendem com a idade jovem da mãe e o passado. E o passado de Tatiana é pesado, muito pesado

Na altura, eu não percebi a situação em que estava. A advogada não me foi especificando as coisas e não me foi mostrando muitas soluções, além das que eu própria ia apresentando”

Em adolescente, Tatiana foi também ela sinalizada numa CPCJ depois de ser abusada sexualmente pelo próprio pai. Um facto que acabou usado contra si em tribunal. Enquanto menor não foi protegida e já adulta, o crime que não foi ela que cometeu pesou na balança da justiça.

Uma situação que não é tão invulgar assim, segundo Isilda Pegado.

É possível e tem acontecido de alguma forma frequentemente acontecerem casos de não defesa. Em que as pessoas não se sentem conformadas com as decisões judiciais. Os próprios tribunais ficam reféns daquilo que lhes é apresentado, obviamente pelas CPCJ e pela Segurança Social”

Mas até o acórdão que determina que Leo deve ir para adoção, não esconde os laços afetivos entre Tatiana e o filho. As visitas na instituição eram “positivas” e o menor manifestava-se “feliz e confortado” com a mãe. A própria CPCJ de Cascais reconhece que “a mãe apresenta competências para exercer”. 

Mesmo não tendo condições, ele sempre teve tudo. Nunca faltou comida na mesa, nunca faltou roupa. Ele andou sempre bem vestido”

Tatiana sente-se confusa perante os argumentos. Em nenhum momento se colocaram suspeitas de abandono ou maus tratos, se duvidou que tinha capacidades para ser mãe, ou se colocou em causa a ligação entre os dois. Tatiana recorre, mas não evita a adoção.

Nunca desisti dele, não o abandonei. Corri atrás de todas as hipóteses que tinha mesmo depois de ter sido decretada a adoção. Eu sabia em que escola é que ele andava, através da instituição. Eu ia muitas vezes vê-lo de manhã entrar na escola e sair da escola”

Disseram-lhe que Leo era muito calmo e preso à televisão.

Ele tinha três anos, adorava ver bonecos. Sempre foi assim, desde bebé. Desde que ele nasceu sempre foi um bebé muito calmo. O contrário dos irmãos que são uns pestinhas”

Em 2016, o Tribunal de Cascais deu-lhe a guarda dos dois filhos menores que estavam consigo. Depois da tempestade, encontrou um rumo na vida.

Batalhando muito consegui ter tudo aquilo que, na altura, não consegui sozinha”

Tem casa, carro, emprego certo, um novo companheiro e três filhos. Tem também algum dinheiro, aquilo que antes lhe faltava. Talvez com outro tipo de apoios, o destino do filho mais velho tivesse sido outro.

Tatiana sabe que Leo não vai voltar e deseja que esteja bem com a família que o adotou. Mas tem esperança que um dia o caminho de ambos se volte a cruzar.

Gostava que ele soubesse que eu nunca desisti dele e que ele tem aqui a mãe e os irmãos”

A TVI pediu entrevista à juíza do caso de Tatiana e não obteve resposta. A CPCJ de Cascais também não respondeu.

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