Mães interrompidas: Rosa lutou e conseguiu, para já, reaver o filho - TVI

Mães interrompidas: Rosa lutou e conseguiu, para já, reaver o filho

Episódio 4: Há crianças que ficamnas intituições por uns meses, outras durante anos. Em 2016, 8.175 crianças viviam em lares de acolhimento. Ao todo, 310 espalhados pelo país. Para quem não volta aos braços da família, resta uma vida dentro do sistema ou alguém que os queira adotar. Com um mês e uma semana de vida, Miguel vai direto do hospital para uma casa de acolhimento

Um dos princípios da Lei de Proteção de Crianças e Jovens é que o acolhimento deve ser “temporário”. Todavia, em 2016, das mais de 8.000 mil crianças institucionalizadas, 34% já estavam dentro do sistema há quatro ou mais anos. Das 2.513 que cessaram o acolhimento nesse mesmo ano, 330 estiveram mais de seis anos a viver em instituições.

Dizem-me, a assistente social, poucas horas depois de ter o meu filho, 'olhe acho que não vai conseguir sair do hospital com o seu filho’”

Miguel (nome fictício), filho de Rosa (nome fictício) nasce em julho de 2014 no Hospital São Francisco de Xavier, em Lisboa. Com um mês e uma semana de vida é institucionalizado na Mimar, em Cascais.

Perguntei porquê. Só vim a saber passado um mês. Está acusada de negligência em gestação e atitudes psiquiátricas”, disseram-me. 

Tudo terá começado antes de Miguel nascer, com suspeitas de violência doméstica sobre Rosa. Depois da primeira sinalização na CPCJ de Cascais-Oeiras, o hospital juntou mais uma.

Às 32 semanas de gestação aparecem na minha casa, estava eu em casa com o meu pai, duas senhoras do centro de saúde de Oeiras, que se diziam enfermeiras (…) queremos o seu bem, é só para se afastar do pai do seu filho, ficar aqui com o seu pai, está tudo tranquilo, ninguém lhe vai tirar o bebé”

Rosa acreditou, até porque já não estava com o companheiro aquando da visita. Vivia com os pais.

Estava tranquila, num fundo eu estava tranquila, porque não havia nada para me tirarem. Para me tirarem a criança (…) depois no hospital inventaram as atitudes psiquiátricas”

Rosa recusa autorizar a institucionalização do filho, mas acaba por ficar sem ele. Segue-se o caminho duro da justiça e as marcas deixadas na mãe são um espelho disso mesmo.

Por duas vezes, o Tribunal de Cascais considera que o projeto de vida de Miguel é a adoção. Apesar de ,agora, estar junto à mãe, o futuro ainda é incerto. Após ficar sem o filho Rosa ainda conseguiu visita-lo.

Até aos primeiros oito meses e meio na instituição. Depois, por decisão do tribunal de primeira instância de cascais, foram cortadas as visitas, e o meu filho foi mandado para a adoção. Eu estive oito meses sem ver o meu filho”

Ao contrário de outras mães e pais sem dinheiro, Rosa vivia bem e conseguiu, desde o início, com a ajuda da mãe, uma defensora privada. Gastou perto de 20 mil euros para recuperar o filho.

Conseguiu que o Tribunal da Relação de Lisboa anulasse, por duas vezes, a decisão de Miguel ir para adoção. É com algum orgulho que diz isso:

Foi negligência em gestação que foi retirado no primeiro acórdão da Relação e, depois, no segundo acórdão da Relação, também foi retirado psicótica”

A estabilidade psicológica das mães é muitas vezes colocada em causa pelas técnicas e assistentes sociais. Uma perícia feita a Rosa dois meses após o parto colocou em causa as suas “competências parentais” e considerou que tinha uma “personalidade primitiva e de tipo psicótica” 

Se há instabilidade e mesmo que haja alguma instabilidade, são elas que criam instabilidade na mãe”

Uma ideia partilhada por Sara que trabalhou durante dois anos numa CPCJ do país.

É como naqueles casos em que retiram as crianças às mães e depois fazem avaliações psicológicas e dizem que as mães estão desequilibradas. Pois claro que estão desequilibradas, se me tirassem um filho eu também ficava desequilibrada”

Mas a última perícia feita a Rosa, em 2016, é “bastante diferente”, segundo a Relação.

A observada não apresenta atualmente (…) qualquer sinal ou sintoma da linha psicótica” e “não é possível apontar (…) como incapaz para o exercício das suas funções maternais”

Rosa esconde o rosto para se proteger a si e ao filho e porque sabe que a tormenta ainda não acabou.

E quais os perigos que levam à institucionalização das crianças? Em 72% dos casos, os processos de promoção e proteção são abertos por negligência.

Depois surgem situações de maus tratos psicológicos com 8,5%, os maus tratos físicos com 3,4% e os abusos sexuais nos 2,8%.

No início de 2017, o Tribunal da Relação determina a entrega do filho a Rosa e determinada a aplicação, “em benefício do menor, da medida de apoio junto à mãe, por um ano”.

O tempo que os pais e as mães são afastados dos filhos, serve também, algumas vezes, como argumento em desfavor dos próprios. Isso mesmo explica a advogada Isilda Pegado.

Entretanto passou um ano, passou 16 meses e cada vez há mais afastamento entre a criança e os pais biológicos. Depois é mais fácil chegar ao tribunal e dizer ‘bem ele não vai, falhou a estas visitas e, portanto, há aí uma preversidade do sistema”

Apesar de estarem afastados há cerca de três anos, e mesmo após a ordem de entrega do menor, por um Tribunal Superior, só ao fim de seis meses o menor se juntou à mãe. Revolta, frustração e um grande sentimento de injustiça marcam as palavras de Rosa.

O Tribunal de primeira instância em conjunto com a instituição, demoram seis meses, meio ano para me entregar o meu filho. O Tribunal da Relação ordenou entrega imediata”

A lei visa a defesa e proteção das crianças e não há espaço para os pais se defenderem, explica Gameiro Fernandes:

Em primeiro lugar é a própria lei que está mal. Estas crianças são retiradas aos progenitores. Violam o direito à maternidade e paternidade dos progenitores com uma ordem judicial. Violam esse direito constitucional sem ser obrigatório a constituição de um advogado”

No caso de Rosas também não se verificou abandono ou maus tratos ao filho. Mas independentemente dos motivos que levam as crianças para uma instituição, só na fase de julgamento do pais conseguem defender-se, o que não se justifica para Isilda Pegado.

O contraditório é remetido para a audiência de julgamento, aí todos têm de conhecer todas as peças processuais. Quando se chega a julgamento não é tarde?”

A medida de apoio junto à mãe já terá terminado. O caso de Rosa vai ser reavaliado e ela corre o risco de ficar, de novo, sem o filho.

Uma grande frase que me apoiou bastante e ainda apoia: ‘não ter medo, ter calma e determinação’”

A TVI pediu entrevistas à Procuradora do MP, à juíza do caso de Rosa e à CPCJ de Cascais. Não obteve resposta

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