Pais são super-protetores porque "têm pouco tempo para os filhos" - TVI

Pais são super-protetores porque "têm pouco tempo para os filhos"

  • Sofia Santana
  • 31 jul 2015, 17:26
Regresso às aulas [Foto: Lusa]

Fala-se muitas vezes em crianças cada vez menos autónomas e pais exageradamente protetores. Fomos tentar perceber junto de especialistas as razões que estão na origem desta ideia e até que ponto os pais devem dar espaço às crianças para infringir as regras

"Vivemos numa sociedade de crianças super-protegidas e pais super-protetores." A ideia vai ganhando alguma força no senso comum. Fala-se muitas vezes em crianças cada vez menos autónomas e pais exageradamente cuidadosos, que não dão espaço à criança para esta extrapolar as regras. Será mesmo assim? E, afinal, quando deve haver regras?

Ora, para respondermos à primeira questão, recuperámos os dados recolhidos pelos investigadores da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, que constam num estudo sobre a independência e a mobilidade das crianças em Portugal, divulgado em 2013.

De acordo com as informações recolhidas, apenas 35% das crianças do terceiro ao sexto ano fazem o trajeto entre casa e a escola a pé e mais de metade vai de carro. Com a mesma idade, 86% dos pais iam a pé e apenas 9% de carro.

Os dados colocam Portugal numa posição de baixos níveis de independência e mobilidade das crianças, quando se faz a comparação com outros países. Em 16 países, está na décima posição, sendo que os níveis de independência mais altos se verificam na Finlândia, no Japão e na Noruega. 



As razões invocadas pelos pais para irem levar e buscar os filhos à escola prendem-se essencialmente com a preocupação com o trânsito e em generalizações de acontecimentos que são notícia, como raptos ou o desaparecimento de crianças.


Sónia Morais, mãe de quatro e autora do blog que já deu origem a um livro "Cocó na Fralda", explicou à TVI24 que tenta contrariar a ideia da super-proteção, "se bem que nem sempre consiga".

"O medo dos raptos, o medo da pedofilia, o medo do que possa acontecer-lhes e que seja irreparável tornou-nos pais medrosos, pais assustados, pais super-protectores. Dantes, brincávamos na rua, sem o olhar dos nossos pais, e estimulávamos a imaginação e construíamos relações sociais desde cedo. No meu caso, tento contrariar isto, se bem que nem sempre consiga."


Em declarações à TVI24, a pediatra Susana Soares considera que "de uma forma generalista" pode-se dizer que "temos crianças super-protegidas e pais super-protetores". 

“Crianças super-protegidas, que não tem tempo suficiente para brincar e não têm tempo ou espaço para exprimirem os seus desejos."


Já o pediatra Pedro Freitas acrescenta outra ideia: devido ao facto de terem pouco tempo para estar com os filhos, os pais também acabam por serem mais protetores. "Para não se se sentirem culpados."

"Os pais, pelo facto de as crianças irem para o infantário e porque têm pouco tempo para estar com os filhos, acabam por serem mais super-protetores. Para não se sentirem culpados pelo pouco tempo que têm para dispender com os filhos."



"Medos": os progenitores têm ou não razão?

Sónia Morais fala em pais "medrosos", exemplificando com o medo dos raptos e da pedofilia. O que dizem as estatísticas sobre estes "medos"?

Vejamos, por exemplo, o número de crianças desaparecidas em Portugal. O Instituto de Apoio à Criança (IAC) sinalizou 42 casos no ano passado e no ano anterior 60 situações. A maioria deve-se à fuga do menor ou ao rapto parental. 

Também no ano passado, a maioria das crianças desaparecidas tinha idades entre 14 e 16 anos, seguidos dos 11 e 13 anos. “O que está diretamente ligado ao tipo de desaparecimento, em que predomina a fuga, correspondendo a 58% das situações apresentadas”, esclarece o IAC.

No que toca às causas de morte das crianças em Portugal, as lesões e traumatismos na sequência de acidentes surgem como a principal causa. Acontecem na estrada, sim, mas também em casa, como alertam o INEM e a Associação de Promoção da Segurança Infantil (APSI).
 

Brincar, sim, mas adotar regras, também 

A ideia de que um crescimento saudável só é possível se a criança tiver tempo para brincar é mais ou menos consensual. Mas onde acaba a brincadeira e começam os "nãos"?

Para Sónia Morais, é essencial saber dizer "não", impor regras e limites.

"É essencial dizer não. É das palavras mais importantes no léxico de uma criança e infelizmente muitos pais ainda não o perceberam. Uma criança que não tem regras, nem limites, nem "nãos", vai crescer sem perceber as regras básicas da hierarquia, da vida em sociedade. Conheço pais que têm as teorias mais bizarras sobre a educação dos filhos: "não se contraria", "não se grita", "não se dá palmada"... os seus filhos, geralmente, são insuportáveis. Pequenos ditadores com os quais não gosto de estar. Não estou a dizer que os meus filhos são exemplares perfeitos de simpatia e educação. Têm os seus dias."


Não defende a educação do passado, mas também não se deixa levar pelas teorias mais permissivas.

"Acho que inventamos muito, hoje. Temos toda uma série de livros, de teorias, de pseudo-estudos. É claro que não defendo a educação de antigamente, em que se tirava o cinto e toma lá que é para aprenderes. Mas também jamais me verão defender esta palhaçada do 'deixa-o lá espernear à vontade, coitadinho, é só uma criança'."

 
Para a pediatra Susana Soares, os pais devem, em todas as fases etárias da criança, saber dizer "não" de forma clara. Quando?   "Sempre que a segurança ou o bem estar dos mais novos possam ser postos em causa."
Em declarações à TVI24, a pediatra explicou que os progenitores devem deixar as crianças brincar "à vontade", sendo que é provável que ocorram algumas quedas "importantes para o desenvolvimento da criança". Contudo, é essencial que isto ocorra sob a supervisão dos educadores e com a sua intervenção caso "a brincadeira coloque a criança em risco". 

"Devem deixá-los correr, saltar, escorregar, baloiçar nos parques infantis e no meio de tanta corrida e brincadeira ocorrerão algumas quedas, mas que serão normais e também elas importantes para o normal desenvolvimento da criança. Devem deixá-los brincar à vontade, mas sob a sua supervisão e intervenção caso a brincadeira coloque o seu filho em risco. "

Sobre esta questão, o pediatra Pedro Freitas não tem dúvidas.

 "Os pais não devem ser permissivos ao ponto de não supervisionarem as brincadeiras. Os pais devem ser atentos."

 

 

Quando a ausência de cuidados põe em causa a segurança

Nos últimos 14 anos 109 crianças morreram na sequência de quedas e mais de 60500 ficaram internadas, segundo a APSI. Mais, a maioria ocorreu mesmo em habitações ou estabelecimentos educativos. Por isso, o INEM e a APSI alertam que a vigilância do adulto "apesar de indispensável, falha na prevenção de acidentes" e aconselham a tornar o ambiente doméstico mais seguro.

"A vigilância por parte de um adulto, apesar de indispensável, é a estratégia que mais falha na prevenção de acidentes com crianças. O ideal será preparar o ambiente em casa para o adaptar às características da criança, ao mesmo tempo que se garante maior liberdade de movimentos", esclarecem o INEM e a APSI.


Os especialistas defendem que quanto menor é a vigilância mais acidentes ocorrem. Os perigos podem estar no mar e nas piscinas, mas também escondidos dentro da própria habitação, na cozinha ou nos brinquedos, por exemplo. Nas férias e nos fins de semana, é preciso redobrar os cuidados.

Por isso, há algumas regras básicas que os pais devem ter em conta para prevenir "acidentes evitáveis". Brincar é importante, sim, mas saber orientar para as brincadeiras e intervir sempre que a segurança da criança seja colocada em risco, também.  
 

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