Dispensa da pena no direito premial divide opiniões sobre estratégia contra corrupção - TVI

Dispensa da pena no direito premial divide opiniões sobre estratégia contra corrupção

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  • 24 nov 2020, 15:01
Tribunal

A questão sobre a dispensa da pena ser obrigatória ou apenas facultativa quando o agente de crimes de corrupção colabora de forma relevante com a justiça dominou esta terça-feira um dos debates do Congresso sobre o Combate à Corrupção

O tema da dispensa da pena enquanto instrumento de política criminal no Estado de Direito foi um dos painéis de debate inserido na conferência organizada pelo Ministério da Justiça para análise e discussão dos principais temas suscitados pelos cidadãos e instituições participantes durante a consulta pública da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC) 2020/2024.

Na abordagem desta problemática, Frederico Costa Pinto, professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, alertou para as "ilusões e perigos do direito premial", observando que este tem que estar "sujeito às regras do Estado de Direito", designadamente "legalidade, proporcionalidade, igualdade, legitimação político-criminal, adequação aos fins das penas e autonomia dos tribunais".

Considerando que o tribunal não pode ficar limitado a "carimbar" uma solução desenhada pelo legislador sobre dispensa da pena e advertindo que "não se pode subverter o modelo de justiça a um modelo bilateral (acusação/defesa) que exclua o tribunal", o académico disse preferir como solução, em face da colaboração probatória do agente, não a dispensa da pena, mas a "atenuação obrigatória da pena, com "dispensa de pena facultativa para casos de elevado valor processual e político-criminal de concreta colaboração" do agente infrator.

Opinião mais alargada e a favor da dispensa obrigatória da pena em certas situações foi manifestada pelo procurador-geral-adjunto Euclides Dâmaso, que apelou à urgência da introdução de mecanismos que incrementem que os agentes dos crimes de corrupção venham a "colaborar com a justiça" atempadamente, por forma a "suscitar desavenças entre os comparsas" que praticaram o ato corruptivo.

Crítico da morosidade em introduzir medidas que permitam efetivamente que o combate à corrupção "saia do mesmo lugar", Euclides Dâmaso admitiu a "tempestade perfeita" da corrupção no país, dizendo que há que baixá-la para "níveis decentes".

Para isso - defendeu - há que "robustecer as medidas de direito premial, simplificar a bizantina arquitetura processual" e melhorar os "serviços de inspeção, do Tribunal de Contas e das Finanças", colocando ainda a questão da eventual criação de tribunais especializados para este tipo de criminalidade económico-financeira.

Além da urgência em dotar o Ministério Público e a Justiça de meios financeiros "adequados, ágeis e adequados", Euclides Dâmaso disse ser indispensável que se preveja na lei processual penal a dispensa de pena (obrigatória) para os agentes ativos e passivos da corrupção que denunciem o crime antes do procedimento criminal ou que "auxiliem na obtenção de relevantes provas contra si e demais arguidos", sendo certo que se exige ao colabora "a restituição dos valores" ilicitamente obtidos.

Face à possibilidade levantada por Euclides Dâmaso, Frederico Costa Pinto reiterou que "não deve ser retirada ao tribunal a competência" de atuação na dispensa da pena, porque "não é só a lógica do sistema que fica em causa", pelo que, em última análise, uma dispensa de pena obrigatória "teria de estar muito bem fundamentada".

Assim, contrapôs que acha que a solução mais equilibrada é a hipótese de dispensa de pena facultativa", mas considerando possível uma atenuação obrigatória da pena desde que isso deixe alguma "margem" ao tribunal na sua função jurisdicional.

Euclides Dâmaso replicou com a "enorme relevância da dispensa de pena para que o colaborar da justiça fique seguro quanto ao seu futuro" por colaborar com o Ministério Público, considerando que tal "é um ingrediente de prevenção inestimável" no combate e repressão da corrupção.

A conferência, que se prolonga pela tarde e termina com uma intervenção da ministra da Justiça, conta com a participação, entre outros, de Maria João Antunes, que presidiu ao grupo de trabalho responsável pela elaboração da ENCC.

Após a realização da conferência, indicou o Ministério da Justiça, o Conselho de Ministros "revisitará o texto da ENCC e ponderará os contributos apresentados, definindo os próximos passos ao nível da discussão e implementação institucional da mesma e das eventuais propostas de alteração legislativa".

Advogado Rui Patrício defende acordo sobre pena aplicável

O advogado Rui Patrício considerou esta terça-feira que o acordo sobre a pena aplicável é "uma boa ideia" introduzida pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC), que permite "obviar" algumas objeções quanto à admissibilidade da figura no processo penal.

Rui Patrício, sócio de uma maior das sociedades de advogados e envolvido profissionalmente em alguns dos processos mais mediáticos em Portugal, falava durante uma conferência para análise e discussão dos principais temas suscitados pelos cidadãos e instituições participantes durante a consulta pública da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC) 2020/2024, apresentada pelo Ministério da Justiça.

Segundo Rui Patrício, o acordo sobre a sentença penal é "uma boa ideia" não só por razões de "economia processual", mas, em primeiro lugar, porque "vai transformar em letra de forma aquilo que informalmente já existe" nos processos criminais, de uma forma "mais ou menos explícita".

Outra vantagem do acordo relativo à sentença ou à pena aplicável, apontou, seria a de "dar estabilidade e segurança ao arguido colaborador" com a justiça, dando-lhe, assim, a "garantia que há um efeito na pena" penal a aplicar pelo tribunal.

O advogado desvalorizou o facto de o ENCC não concretizar ao pormenor o formato do acordo sobre a sentença, mas admitiu que haveria necessidade de definir mais tarde questões como se o "juiz controla (ou não) os pressupostos ou os procedimentos que estabelecem tal acordo de colaboração" com o arguido que colabora com a justiça nos processos sobre corrupção.

Essencial, na sua perspetiva, nestes acordos sobre a sentença seria a possibilidade de balizar o "limite mínimo e máximo" da pena a aplicar pelo tribunal.

Rui Patrício ressalvou que nos casos em que o acordo sobre a sentença a negociação fique gorada, os factos entretanto aportados não possam de modo algum a ter "aproveitamento processual" por parte do Ministério Público.

Este painel de debate contou ainda com a intervenção do professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Paulo de Sousa Mendes, que também se mostrou "favorável à solução" avançada pela ENCC, mormente porque "torna a justiça mais célere", mas alertou que o direito premial, onde o instituto em discussão se insere, "não é uma solução milagrosa" no combate ao fenómeno da corrupção.

O académico fez um historial do direito premial, traçando através do direito comparado as diferenças existentes entre países como Estados Unidos, Brasil e Itália.

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