Football Leaks: passwords no Sporting "tinham três carateres e a maioria eram SCP" - TVI

Football Leaks: passwords no Sporting "tinham três carateres e a maioria eram SCP"

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  • 7 out 2020, 14:31

David Luís Torjal adiantou ainda que foi feita a sugestão de aumentar a complexidade para oito carateres, "mas a própria administração do Sporting pediu para retirar porque era demasiado para a cabeça deles"

O administrador do sistema informático do Sporting reconheceu hoje a fragilidade da rede interna do clube lisboeta, alvo do ataque imputado a Rui Pinto, considerando que as ferramentas para responder a esta situação “eram muito básicas”.

Em declarações na 10.ª sessão do julgamento do processo Football Leaks, no Tribunal Central Criminal de Lisboa, David Luís Tojal revelou que, quando entrou para o clube de Alvalade, em 2010, “as credenciais tinham três carateres e a maioria eram SCP”, uma informação que gerou algumas gargalhadas na sala de audiência.

Sugerimos aumentar a complexidade para oito carateres. Isso foi feito, mas a própria administração do Sporting pediu para retirar porque era demasiado para a cabeça deles”, contou a testemunha, acrescentando que passou o nível de complexidade mínimo para seis carateres: “Quando chegava um novo utilizador, tínhamos de criar conta e password, e muitas vezes a password era ‘SCP123’. Pedíamos para alterar, mas muitos não mudavam a password”.

Instado a descrever os contornos do ataque alegadamente realizado pelo criador do Football Leaks, o técnico informático do Sporting disse que só mais tarde é que identificou “atividade muito estranha” a partir de um acesso oriundo da Hungria, já depois de reportar “lentidão” no servidor, a disrupção e um “problema na base de dados dos e-mails” que deixou os utilizadores sem acesso. David Luís Tojal explicou que, então, a prioridade passou por reparar o sistema.

O problema não ficou resolvido internamente, nem com a intervenção de entidades externas, o que só foi possível com recurso a ‘backups’. Esse processo de restabelecimento arrastou-se durante “dias ou semanas”, até ser suspenso com a divulgação no Football Leaks do contrato do treinador Jorge Jesus, no final de setembro, o que levou o departamento informático a tentar perceber a origem da extração do documento.

A partir do ataque deram liberdade e aumentámos a complexidade [de acesso ao sistema]”, assumindo também que mesmo quando o sistema bloqueava, este bloqueio desaparecia ao fim de pouco tempo: “As ferramentas que tínhamos não eram as melhores, eram muito básicas”.

De acordo com a testemunha, que vai continuar a ser ouvida durante a tarde, as contas de elementos da “direção e do departamento jurídico foram as mais afetadas” pelo ataque.

Antes, houve lugar ao final da audição do especialista da Polícia Judiciária Afonso Rodrigues, que revelou que a disrupção do sistema do Sporting “teve 27.678 linhas de ataque” e que era necessário “algum trabalho prévio” do responsável, sublinhando ainda que a equipa informática do clube “não acautelou este tipo de situação”.

A defesa do principal arguido do processo procurou desmontar a ideia de intenção de provocar o ‘crash’ do sistema, face ao facto de Afonso Rodrigues ter afirmado que essa situação teria sido causada por “ferramentas para testar vulnerabilidades” e não especificamente para ‘deitar abaixo’ a rede.

Por outro lado, os advogados de Rui Pinto – que se mostrou particularmente ativo nesta fase, gesticulando por diversas vezes e levantando-se para dar indicações aos seus representantes - levaram a testemunha a admitir não conseguir precisar, com base no ficheiro de ‘logs’ ao sistema do clube do dia 29 de setembro de 2015, que ataque provocou a disrupção.

Não consigo aferir subjetivamente qual era a intenção de quem fez o ataque”, disse Afonso Rodrigues, que disse também ter analisado apenas este dia de registos e que não tinha conhecimento de mais alguém na Judiciária ter analisado ‘logs’ desta natureza.

Rui Pinto, de 31 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.

 

Quebra do sistema informático do Sporting gera confusão

A disrupção causada pelo ataque imputado a Rui Pinto ao sistema do Sporting gerou confusão no julgamento do processo Football Leaks, registando-se aparentes contradições entre a acusação do Ministério Público e a análise do ex-técnico informático ‘leonino’.

Depois de uma manhã onde foi exposta a fragilidade da rede interna do clube de Alvalade ao nível da segurança de entrada nas caixas de correio eletrónico, grande parte da tarde foi dedicada à análise das tentativas de acesso dos utilizadores em diferentes dias entre 20 de julho e 30 de setembro de 2015.

E foi aqui que começaram a sobressair as contradições entre a interpretação do Ministério Público e a leitura que David Luís Tojal ia efetuando do ficheiro de ‘logs’ que compilou após a ocorrência do ataque.

Com efeito, o administrador de sistemas disse na audiência que no dia 04 de agosto de 2015 os acessos às caixas de correio de Rui Caeiro, Carlos Vieira ou Augusto Inácio, entre outros elementos ligados ao Sporting, tinham sido conseguidos, enquanto no documento da acusação as mesmas ocorrências eram identificadas como acesso “falhado”.

A confusão estendeu-se também ao coletivo de juízes, que tentou repetidamente perceber junto da testemunha se era possível identificar quando é que se deu o ‘crash’ do sistema de emails do Sporting.

Paralelamente, questionaram ainda se o critério utilizado para a análise significava, efetivamente, que o sistema tinha deixado de responder ou se os utilizadores conseguiam aceder à caixa de correio, mas sem verificar os emails.

Não há ninguém melhor do que a Microsoft [gestora do servidor] para explicar. Isto são interpretações”, resumiu David Luís Tojal, após várias hesitações na análise dos dados. No entanto, não houve dúvidas anteriormente quanto aos efeitos da situação, com o antigo administrador de sistemas do clube de Alvalade a catalogar como “catastrófico”.

Perante a dificuldade de explicação de alguns registos do ficheiro por parte de David Luís Tojal, o ex-técnico informático ‘leonino’ irá voltar a ser ouvido na próxima sessão do julgamento, agendada para terça-feira.

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