«Não» ao crime de enriquecimento ilícito - TVI

«Não» ao crime de enriquecimento ilícito

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Criação deste crime não se justifica no Direito Penal português, defendem especialistas

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O penalista Costa Andrade e a juíza Fátima Mata-Mouros consideram desnecessária a criação do crime de enriquecimento ilícito, alegando que o Direito Penal já prevê e pune uma série de situações que levam a esse enriquecimento injustificado, escreve a Lusa.

A criação do crime de enriquecimento ilícito integrou inicialmente o pacote legislativo anti-corrupção que o então deputado socialista João Cravinho quis fazer aprovar no Parlamento em 2007, mas, apesar de a ideia ter fracassado por falta de consenso e apoio, a polémica ressurgiu recentemente com o arquivamento do inquérito relativo a autarcas e funcionários da Câmara Municipal de Braga por suspeitas de enriquecimento ilícito.

Desfecho poderia ter sido outro

Segundo noticiou o «Diário de Notícias», uma auditoria interna do Ministério Público (MP) à investigação do caso concluiu que se o crime de enriquecimento ilícito estivesse previsto na lei portuguesa o desfecho poderia ter sido outro que não o arquivamento.

O professor e penalista Costa Andrade não vê qualquer utilidade na criação do crime de enriquecimento ilícito, tendo, em declarações à Agência Lusa, salientado que «o problema da luta contra o crime económico em Portugal, incluindo a corrupção, não é um problema de legislação, mas de aplicação das leis disponíveis».

Para Costa Andrade, a conhecida «impunidade» dos autores de «muitos ilícitos criminais» não é «por falta de lei, mas por falta de aplicação» da legislação existente.

Costa Andrade observou que se há indícios de enriquecimento ilícito de um titular de cargo público ou político é possível tentar apurar que crimes estiveram na base desse enriquecimento, podendo ser corrupção, participação económica em negócio, prevaricação, infidelidade, peculato e até furto.

O que levou ao enriquecimento

Também a juíza desembargadora Fátima Mata-Mouros, que no seu percurso profissional esteve à frente do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), que acolhe os processos de crime económico e financeiro mais grave e complexo, defendeu que as autoridades devem procurar desvendar que ilícito conduziu ao enriquecimento injustificado.

Em declarações à Lusa, a magistrada disse causar-lhe sempre alguma «perplexidade» que se justifique o resultado de uma investigação com «base em crimes que não existem», como é o caso do enriquecimento ilícito.

A par desta situação, observou que «o que se assiste hoje em dia é a uma tendência para criminalizar tudo», sobretudo quando a Administração Pública e a Justiça não dão respostas a muitos dos problemas.

Em sua opinião, com esta tendência de querer criminalizar tudo, o «crime perde dignidade», sendo tanto mais desnecessário porque «a ordem jurídica portuguesa já tutela uma série de crimes» de natureza económico-financeira que, «à primeira vista, cobrem um leque de situações» que até podem explicar as causas do enriquecimento ilícito.

Diferença justifica-se

Ao contrário de outras vozes ligadas à investigação criminal, Fátima Mata-Mouros mostrou-se também contra o fim da distinção entre corrupção para acto lícito e corrupção para acto ilícito, alegando que «são condutas (criminais) tão diferentes que justificam essa diferença».

No âmbito da investigação e do combate à corrupção em Portugal, Fátima Mata-Mouros defendeu uma maior transparência dos rendimentos e das ligações dos titulares de cargos públicos e políticos e apontou como meta prioritária e «longo caminho a empreender» em Portugal o da «profunda justiça fiscal que não existe».

Embora sem fazer qualquer referência à «Operação Furacão», relacionada nomeadamente com fraude fiscal, Fátima Mata-Mouros mostrou-se «preocupada» que o Direito Penal e o Ministério Público possam ser transformados num «instrumento de cobrança de dívidas».
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