Justiça: ouvir só os operadores é «problema muito grave»

O vencedor do Prémio Gulbenkian Ciência 2010, dedicado este ano às Ciências Sociais e Humanas, lamenta a falta de massa crítica na investigação do Direito em Portugal. Miguel Poiares Maduro, professor catedrático que a Fundação Calouste Gulbenkian anunciou esta sexta-feira ter distinguido, lastima que, quem se pronuncia no Direito, são «sempre as pessoas dentro do sistema» e não os que o estudam.

«O que me parece às vezes criticável é que, quando se discutem problemas de fundo do Direito em Portugal, são os próprios operadores jurídicos que são ouvidos e dão opinião», explicitou à Lusa Miguel Poiares Maduro, para quem a atribuição do galardão é «uma grande satisfação e uma enorme honra».

Especialista em Direito da União Europeia, Miguel Poiares Maduro é actualmente professor do Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália, e director do programa de «Global Governance».

Entre 2003 e 2009, foi advogado geral do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. É autor de vários trabalhos, alguns dos quais considerados obras de referência no campo dos estudos jurídicos.

Para o investigador, o «ouvir quase sempre as mesmas pessoas e quase sempre os operadores do sistema» é «um problema muito grave». Isto porque «quem se pronuncia são sempre as pessoas que estão dentro do sistema e não aqueles que têm como função estudar o sistema».

Para tal contribui o não existir em Portugal «massa crítica que seja criada de forma externa, de forma mais independente, que permita à própria opinião pública ter uma perspectiva mais correcta, mas informada dos problemas fundamentais do Direito». «Infelizmente», diz o investigador, em Portugal, muita da investigação jurídica, no campo científico, é «quase um subproduto da prática do Direito».

O júri do prémio, segundo a Gulbenkian, «foi unânime em reconhecer a excelência do trabalho de Miguel Poiares Maduro, em particular nos domínios do Direito da União Europeia e do estudo comparado do Direito Constitucional e do Direito do Comércio Internacional».

Os prémios Gulbenkian são entregues a 20 de Julho, data em que se assinala a morte de Calouste Gulbenkian.