Um ano de Governo não aliviou austeridade no superior e na ciência - TVI

Um ano de Governo não aliviou austeridade no superior e na ciência

Escola [Foto: Lusa]

Relatório anual do Observatório de Políticas de Educação e Formação conclui que as medidas do 1.º ano do Governo no setor são insuficientes, ainda que positivas

O primeiro ano de Governo socialista não melhorou as condições de trabalho dos professores, não aliviou a austeridade na ciência e ensino superior nem permitiu retomar um modelo de educação permanente para os adultos, segundo peritos de educação.

O relatório anual do Observatório de Políticas de Educação e Formação (OP.EDU) do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, divulgado esta quinta-feira e apresentado em Lisboa, assinala nesta edição o quarto ano de publicação consecutiva, sendo um estudo coordenado pela ex-secretária de Estado do Governo socialista de António Guterres, Ana Benavente, que se centra nas medidas adotadas na área da Educação em 2016,o primeiro ano do novo Governo.

No caso da ciência e ensino superior, os autores do estudo assinalam que, após um ano de Governo, "seria expectável (e desejável) novas estratégias de atuação para o desenvolvimento do sistema de educação superior e de investigação científica”, mas que até ao momento “apenas se sentiu algum vento de mudança”.

O estudo refere que o novo Governo trouxe ao ensino superior e ciência “uma maior aproximação e abertura de diálogo” por parte do ministério da área relativamente às instituições que tutela, que se traduziram numa “maior sensibilidade” aos seus problemas, mas não deixa de enumerar constrangimentos.

“O garrote financeiro imposto às instituições de ensino superior e investigação científica não foi aliviado e o Orçamento do Estado de 2017 para o setor constitui uma profunda desilusão. O emprego científico sofreu um revés com as novas medidas adotadas”, lê-se no relatório que o que foi feita na ciência até ao momento “é muito pouco e o pouco não é bom”.

Os autores questionam: “Atendendo às decisões políticas e à ausência delas, desde já, é legítimo perguntar se na ciência e no ensino superior estamos realmente a descomprimir da austeridade?”.

Na análise que faz à ação do Governo de Pedro Passos Coelho, o estudo critica o aumento da precariedade entre docentes e investigadores, afirmando que se inverteram tendências “que tinham demorado a consolidar-se e que aproximavam Portugal dos parceiros europeus”, criticando a saída de portugueses qualificados para o estrangeiro, tendo depois criado o “indescritível e patético Programa ”Vem” para promover o seu regresso”.

No que diz respeito à educação de adultos, o relatório do OP.EDU aponta uma substituição “sem mudança de lógica” dos anteriores Centros para a Qualificação e Ensino Profissional (CQEP) para a nova rede de centros Qualifica, que deverá arrancar no início deste ano.

A educação de adultos, apesar de discursos que contemplam a formação escolar dos jovens bem como as necessidades educativas e culturais dos mais velhos, aparece centrada na “competitividade” e no mercado de trabalho, longe de uma perspetiva, que se julgava consolidada, de educação permanente”, apontam os autores.

O estudo critica o desmantelamento da rede de Centros Novas Oportunidades (CNO) em 2011 com base no argumento de ausência de valor para a economia nacional, e a sua substituição pelos CQEP, que “perdeu relevância política e social e foi, manifestamente insuficiente para dar resposta às necessidades de formação e qualificação da população adulta menos escolarizada e menos qualificada”.

Sobre os professores e a sua valorização profissional, o estudo alerta para o desgaste desta classe profissional.

“Verificamos, no que se refere aos professores, uma descompressão, com a perspetiva de vinculação de milhares de docentes, mas as medidas já concretizadas estão longe de reverter as difíceis condições de trabalho que se foram acentuando na última década e, em particular, nos últimos quatro anos. O peso da burocracia compromete o quotidiano de uma profissão em que domina o “cansaço”. A confiança social na escola pública foi atingida e não há sinais positivos para a sua ‘reconstrução’”.

Medidas insuficientes

O Observatório de Políticas de Educação da Universidade de Coimbra avalia de forma positiva as medidas tomadas pelo Governo no primeiro ano de mandato, ainda que as políticas estruturais “fiquem aquém das necessidades” e não resolvam “os problemas herdados”.

Sendo o primeiro ano do atual Governo - ano de transição - o OP.EDU considera positivas as medidas até agora adotadas, assinalando o momento de abertura sociopolítica, apesar dos constrangimentos nacionais e europeus. No entanto, as políticas estruturais ficam aquém das necessidades vividas nas instituições, com muitos “efeitos de anúncio” e fracas intervenções para a resolução dos problemas herdados”, conclui-se no estudo.

O relatório, que se centra no primeiro ano do atual Governo, referido como ano de transição, e que o caracteriza, de forma genérica, como positivo, não deixa de apontar semelhanças “muito preocupantes” entre os programas de governação do executivo PSD-CDS-PP que liderou Portugal nos anos de intervenção da ‘troika’ e o do Governo de António Costa.

Entrámos, com o atual Governo, numa nova fase de políticas educativas em que as orientações e as medidas anunciadas são positivas. No entanto, não emerge, neste ano de transição, um modelo de escola renovada, quer no programa de Governo, quer nos acordos parlamentares celebrados”, afirma-se no estudo, ainda que se reconheçam “diferenças notórias” nas propostas dos dois Governos “numa perspetiva político-ideológica da educação”.

Alerta-se ainda para o “caráter avulso” da legislação produzida, que não permitem ver uma orientação para a atual legislatura: “mês após mês, vão surgindo iniciativas dos órgãos de soberania, do Parlamento ao Ministério da Educação, sem que se clarifiquem orientações para além da urgência e de algumas iniciativas político-mediáticas sem continuidade”.

O estudo é muito crítico da governação do executivo PSD-CDS-PP, apontando medidas tomadas, “de caráter gravoso”, que traduzem, segundo os autores, uma perspetiva da educação enquanto um custo e não um investimento.

Entre os exemplos apontados constam o aumento de alunos por turma, aumento do horário de trabalho de professores e funcionários, criação de mega-agrupamentos escolares, menorização de algumas componentes do currículo, como a educação artística, e a introdução de exames nacionais em todos os ciclos de ensino, incluindo o 1.º ciclo, “com o retorno à seleção precoce dos alunos, numa lógica de seleção social e de degradação do estatuto e da importância da formação profissional”.

“Tudo isto aconteceu numa sociedade em que aumentaram as desigualdades e a pobreza, tocando os grupos mais vulneráveis, nomeadamente as crianças e os jovens, com impacto na vida escolar e educativa e com riscos acrescidos de exclusão social”, refere ainda o documento.

Os autores afirmam que o país “herdou em 2015” um modelo de escola ao qual se opõem, marcado “pelas consequências da política neoliberal, uma escola expositiva e seletiva, a da educação instrumental, com menosprezo pelas dimensões humanas, cívicas e democráticas da Educação”.

O OP.EDU pede uma escola que forme “pessoas e não números”, com “saberes e competências para agir em todos os domínios da vida individual e social, de modo crítico e responsável”, acrescentando ser “urgente ultrapassar uma instituição escolar instrumental, baseada na passividade e na obediência de pessoas que, educadas na competição e no individualismo, são vistas como meros ‘recursos humanos’”.

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