Cai o pano no Teatro da Cornucópia ao fim de 43 anos - TVI

Cai o pano no Teatro da Cornucópia ao fim de 43 anos

Luís Miguel Cintra fundou o Teatro da Cornucópia, há 40 anos (JOSÉ SENA GOULÃO / LUSA)

Encenador Luis Miguel Cintra, fundador da companhia, anuncia que o teatro fecha portas no sábado "vencido" pela filosofia de apoio às artes. Ministério da Cultura lamenta decisão

O Teatro da Cornucópia, fundado em 1973 em Lisboa e dirigido por Luís Miguel Cintra, anunciou esta sexta-feira que fecha portas no sábado.

"Pensamos que ao longo destes anos fizemos muito e menos mal, mas também julgamos já ter idade para ousar dizer que não sabemos nem queremos adaptar-nos a modelos de gestão a que dificilmente nos habituaríamos a cumprir. Isso faríamos mal. Talvez seja tempo de parar a atividade", lê-se num comunicado divulgado pelo teatro.

Sem programação anunciada para os próximos meses, a companhia de teatro decidiu por fim à atividade com um recital, de entrada gratuita às 16:00, a partir de textos do poeta francês Guillaume Apollinaire, com a participação de atores e músicos que têm trabalhado com o teatro.

Num balanço do percurso da companhia, será ainda lançado o segundo volume do livro "Teatro da Cornucópia - Espectáculos de 2002 a 2016", que reúne informação sobre 52 criações, e o DVD do espetáculo "Fim de citação", de Joaquim Pinto e Nuno Leonel.

O Teatro da Cornucópia foi fundado em 1973 por Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo. A estreia deu-se com a peça "O Misantropo", de Molière, a 13 de outubro de 1973 no antigo Teatro Laura Alves, na Rua da Palma, em Lisboa, hoje transformado numa sapataria.

Em 1975 a companhia mudou-se para o Teatro do Bairro Alto (antigo Centro de Amadores de Ballet), onde permaneceu até à atualidade.

Em quatro décadas, centrou-se sobretudo na dramaturgia contemporânea "com a intenção de construir um teatro de reflexão com uma função ativa na realidade cultural portuguesa", como se lê no site do grupo de teatro.

Encenaram-se pelas de Shakespeare, Tchekov, Moliére, Genet, Pasolini, Strindberg, Holderlin, Brecht, Garcia Lorca, mas também Gil Vicente, Camões, Almeida Garrett e António José da Silva.

São "126 criações no histórico, três estreias mundiais, 25 textos dramáticos portugueses, dezenas e dezenas de atores de todas as gerações, encenadores convidados, espetáculos acolhidos e coproduzidos", elencou o teatro.

O Teatro da Cornucópia propôs uma atividade "sempre contra a corrente", sem "perder algum sentido de intervenção política, de missão pública", de fazer teatro "para o público e em função do público", como afirmou Luís Miguel Cintra à agência Lusa em 2013, por ocasião dos 40 anos da companhia.

Já nessa altura, o ator e encenador falava na possibilidade de o teatro encerrar por causa de constrangimentos financeiros, por via dos cortes no financiamento público pela Direção-Geral das Artes.

"Os subsídios estão a limitar a liberdade. [O sistema] é mais limitativo da liberdade do que existir uma censura. (...) Eu não ganho cada vez que duplico funções [ator e encenador], ganho sempre o mesmo e ganho uma miséria", disse na altura.

Luís Miguel Cintra, Prémio Pessoa 2005, dedicou grande parte da vida ao Teatro da Cornucópia retirou-se dos palcos em 2015 por razões de saúde.

Ministério da Cultura lamenta decisão 

O Ministério da Cultura lamentou esta sexta-feira a decisão de encerramento do Teatro da Cornucópia, "uma das estruturas de teatro mais importantes da história do teatro português", segundo um comunicado.

"O seu trabalho, as suas criações e os seus espetáculos foram, desde 1973 até hoje, uma referência, para atores, encenadores e profissionais na área do Teatro e, naturalmente, também para os públicos. Pelo seu peso e qualidade artística foi, e continua a ser, um teatro apoiado pelo Estado, através da Direção-Geral da Artes", sublinha a tutela.

CDS-PP e PCP questionam Ministro da Cultura sobre encerramento

Os grupos parlamentares de CDS-PP e PCP anunciaram que vão apresentar requerimentos questionando a tutela sobre o encerramento do Teatro da Cornucópia, que deve acontecer sábado, por dificuldades financeiras.

A deputada centrista Teresa Caeiro e a comunista Ana Mesquita prometeram insistir, "de forma empenhada", para saber se se trata de uma "situação irreversível" e se é "isolada", bem como que diligências pretende o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, tomar relativamente à matéria.

O CDS vai questionar, de imediato, o Ministério da Cultura sobre quais as medidas tomadas para impedir que isto acontecesse", disse Teresa Caeiro, lembrando que o ministro da tutela falara há uma semana de "mais verbas e condições para distribuir mais três milhões de euros para apoio à criação artística através da Direção-Geral das Artes".

A parlamentar do CDS-PP classificou a "Cornucópia" como "uma das estruturas de teatro mais relevantes de Portugal, um expoente máximo e referência para atores, encenadores, produtores e todo o público".

O PCP lamenta esta decisão anunciada pelos responsáveis de uma companhia icónica em Portugal com grande historial e relevância cultural, fruto de uma política seguida ao longo dos anos por diversos governos na área da cultura", afirmou Ana Mesquita.

A deputada comunista defendeu existir uma "desadequação do atual modelo de apoio às artes e a necessidade de reforço do financiamento da cultura".

"O PCP foi o único partido a apresentar uma proposta de reforço às verbas de concursos de apoio às artes na discussão do Orçamento do Estado para 2017", recordou.

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