Sida pode deixar de ser epidemia global até 2030 - TVI

Sida pode deixar de ser epidemia global até 2030

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Em véspera de se assinalar o Dia Mundial de Luta Contra a Sida, a associação Abraço lembra que há pessoas em Portugal a tomar medicamentos para prevenir o VIH/sida sem controlo médico

O VIH/sida, atualmente considerada como uma doença crónica, pode deixar de ser uma epidemia global dentro de pouco mais de uma década.

Os objetivos das Nações Unidas passam por chegar a 2030 com a epidemia do VIH/sida terminada, havendo apenas casos isolados, mas deixando de ser uma ameaça à saúde mundial.

Em vésperas do Dia Mundial de Luta Contra a Sida, que se assinala na quinta-feira, António Diniz, antigo coordenador do Programa Nacional para o VIH/sida, lembra que atualmente a infeção é já considerada uma doença crónica.

Uma pessoa que aos 20 anos é diagnosticada com VIH e que faça os tratamentos e controlos virológicos adequados tem uma expetativa média de vida de mais 45 anos”, exemplifica o especialista, em declarações à agência Lusa.

Também o presidente da associação Abraço recorda que, em 30 anos, o panorama da infeção mudou completamente.

Passámos de uma questão de mortalidade e de pouca esperança de vida, para outra questão, na qual estamos neste momento a trabalhar, que é como as pessoas envelhecem com o VIH e como podemos garantir melhor qualidade de vida numa idade mais avançada, tendo em conta que são doentes que fazem uma medicação crónica e que traz consigo algumas complicações inerentes ao funcionamento sistémico do organismo”, refere o presidente da Abraço, Gonçalo Lobo.

Antes de se atingir uma eliminação da epidemia em 2030, é preciso primeiro cumprir os três grandes objetivos da ONU para 2020: ter 90% das pessoas que vivem com VIH diagnosticadas, atingir 90% dos diagnosticados em tratamento e 90% dos que estão em tratamento atingirem carga viral indetetável (o que torna muito baixa a possibilidade de transmitir a infeção).

Depois de atingidos estes objetivos em 2020, a ONU sida traça para 2030 os mesmos três objetivos, mas cuja meta passa a ser de 95% na mesma tríade.

Portugal terá já cumprido o primeiro dos três objetivos traçados pelo Programa das Nações Unidas para o VIH, tendo 90% das pessoas com VIH diagnosticadas.

Um estudo recente, apresentado internacionalmente por António Diniz em setembro, concluiu que menos de cinco mil pessoas em Portugal estarão infetadas com VIH sem saberem, o que representa menos de 10% dos infetados.

Os novos dados apontam para menos de 45 mil pessoas infetadas com VIH em Portugal, um número que é menos elevado do que as 65 mil a 70 mil pessoas que a própria ONU/sida apontava para o país.

Assim, a fração de casos não diagnosticados em Portugal estará abaixo dos 10%, sendo bem menor do que os 25 a 30% que se julgava existirem.

Para António Diniz, estes dados vieram mostrar que pode ser possível chegar a 2030 apenas com casos isolados de VIH/sida, mas é imperioso que se atinjam as metas de 2020.

Falar em erradicação parece mais difícil, reconhece o especialista, para quem sem uma vacina será complicado atingir um completo desaparecimento da doença à escala mundial.

 

 

Há pessoas em Portugal a tomar medicamentos para prevenir o VIH/sida sem controlo médico, uma situação que preocupa a associação Abraço, que lamenta a falta de um plano para medicar preventivamente pessoas mais vulneráveis.

Gonçalo Lobo, presidente da associação Abraço, diz ter conhecimento de pessoas em Portugal que tomam um medicamento para prevenir o VIH/sida, recorrendo a conhecidos residentes no Reino Unido e que recebem encomendas feitas online através da Índia.

Embora defenda que não existe um mercado negro, Gonçalo Lobo reconhece que são casos de pessoas que recorrem a esse medicamento – usado para tratar o VIH e que funciona também como uma prevenção da infeção – sem qualquer acompanhamento médico.

A profilaxia pré-exposição (PREP) consiste na toma de um medicamento que é um antirretroviral usado para tratar pessoas que vivem com VIH e que tem demonstrado resultados como método de prevenção.

Há já países que estão a usar esta forma adicional de prevenção em grupos de maior risco, como os Estados Unidos ou França.

O que nos preocupa é pessoas estarem a recorrer sem acompanhamento médico. Porque as pessoas têm de ser previamente testadas, tem de ser analisada a sua função renal e precisam de ser monitorizados outros indicadores clínicos”, referiu Gonçalo Lobo à agência Lusa em vésperas do Dia Mundial de Luta Contra a Sida.

António Diniz, médico e antigo coordenador do Programa Nacional para a Infeção VIH/sida, afirma que os estudos têm demonstrado que o recurso à PREP diminui de forma substancial o risco de adquirir a infeção.

Mas o médico salienta que fazer a medicação profilática não significa abandonar as outras medidas preventivas, nomeadamente a utilização do preservativo.

O especialista admite que o facto de haver pessoas que acedem a medicação para prevenção sem acompanhamento médico lança pressão para que os países tomem uma decisão quanto à utilização da profilaxia para o VIH.

“Se não decidimos em tempo útil podemos estar a cometer dois pecados. O primeiro é não estar a disponibilizar uma coisa que se sabe que é eficaz. O outro é estar, eventualmente, por omissão, a deixar que as pessoas façam aquisição via Internet, que não é permitida em Portugal, podendo estar a adquirir medicação que sai fora do controlo de qualidade. E são pessoas que não estão a ser clinicamente avaliadas”, afirmou António Diniz à Lusa.

Os estudos que avaliam a eficácia da PREP têm sido feitos sobretudo em populações de homens que têm sexo com homens, o que não significa que toda aquela população deva ser abrangida pela profilaxia pré-exposição.

“Há uma percentagem de pessoas dentro desse grupo que beneficiaria da sua utilização e que são as pessoas que estão em maior risco. Também outras pessoas podiam beneficiar, como trabalhadores do sexo ou casais sero-discordantes (um seropositivo e outro negativo)”, exemplifica o antigo coordenador do Programa Nacional para o VIH/sida.

António Diniz lembra que a PREP requer que as pessoas sejam submetidas a um conjunto de exames laboratoriais, nomeadamente para verificar se têm alterações que as excluam da utilização da medicação, lembrando que há reações adversas a ter em conta.

Há várias questões que os países têm de definir para avançar com a profilaxia para o VIH/sida, nomeadamente quem prescreve a medicação, quem faz a monitorização das pessoas ou quem as segue e, no limite, quem paga.

Chegou a estar planeado um projeto piloto em Portugal para fazer a PREP, em conjunto com uma organização de base comunitária, mas por enquanto não avançou.

A associação Abraço lamenta que as autoridades portuguesas não reconheçam ainda a profilaxia pré-exposição como um dos métodos de prevenção, sublinhando que é preciso estudar a realidade portuguesa e definir estratégias.

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