Graffiti polémicos vencem censura na Análise Social - TVI

Graffiti polémicos vencem censura na Análise Social

Suspensa devido a um ensaio visual que mostrava seis graffiti em muros de Lisboa com palavras de ordem contra o Governo, empresários e banqueiros, o ensaio visual do sociólogo Ricardo Campos vai afinal fazer parte da revista, segundo deliberou o Conselho Científico do ICS, decisão contrária à que o diretor do instituto tomou há duas semanas. A revista suspensa vai ser publicada. Em reação a este volte-face, o autor do ensaio visual polémico disse à TVI24 que estava «mais do que provado que tinha sido um ato de censura óbvio»

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Notícia atualizada

O número 212 da revista Análise Social vai mesmo ser publicado. Assim deliberou, nesta sexta-feira, o Conselho Científico do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, que decidiu «por unanimidade, pôr em circulação a Análise Social 212, em versão impressa e digital», lê-se no comunicado que a TVI24 teve acesso.

Num gesto inédito, classificado por muitos como «censura», o diretor do ICS suspendeu no dia 27 de outubro aquela que é considerada a mais importante publicação científica portuguesa nesta área. Agora, os membros soberanos do Conselho Científico do ICS, numa reunião de longas horas, levantaram a ordem de suspensão e vão publicar a revista que o diretor José Luís Cardoso disse na altura, à TVI24, que os exemplares já feitos iriam ser destruídos. Ao fim de duas semanas, surge pela primeira vez a indicação de que a suspensão do número 212 foi «preventiva». Em causa estava o ensaio visual A Luta Voltou ao Muro , que o diretor considerou ter uma linguagem «ofensiva», de «mau gosto e uma ofensa a instituições e pessoas» que «não podia tolerar». O diretor do ICS justificou, na altura, a destruição dos exemplares: « São custos menores para a defesa da imagem do ICS». Isto porque a publicação já estava na tipografia e parcialmente impressa quando o diretor do instituto deu ordem para a suspensão da sua distribuição. À  TVI24, José Luís Cardoso disse que os exemplares desta revista, efectivamente, «serão destruídos», declaração que levou a muitas críticas no meio académico das Ciências Sociais. 

A TVI24 pretendeu um comentário do diretor do ICS a esta nova decisão de publicação da revista, mas este remeteu para o comunicado do Conselho Científico, onde vem referido que a «suspensão preventiva» foi levantada por sua proposta. 

Nesta reunião do Conselho Científico do ICS foi ouvido o diretor da publicação, João Pina-Cabral, bem como o diretor do instituto, José Luís Cardoso. Apesar de ter sido manifestada «confiança» neste, os académicos deste órgão científico entenderam sublinhar que «de acordo com os Estatutos em vigor, a Análise Social 212 é da exclusiva responsabilidade do então diretor da revista».



A suspensão da Análise Social por causa do ensaio visual do sociólogo Ricardo Campos - A Luta Voltou Ao Muro - tem recebido duras críticas de académicos de vários países e também de estudantes, que lamentam o que consideraram ser um ato de ingerência na direção da revista, bem como um ato de censura. Os graffiti criticam o Governo e empresários como o dono dos supermercados Pingo Doce, Alexandre Soares dos Santos, por seu turno também presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que tem uma parceria com o Instituto de Ciências Sociais.






A reação do sociólogo Ricardo Campos à decisão de publicação da revista

O autor do ensaio visual A Luta Voltou Ao Muro disse à TVI24 que, dada a dimensão que esta suspensão teve, quer a nível nacional como internacional, «era expectável» que o número 212 da Análise Social acabasse por ser publicado. 
 

«Tendo em conta o problema que criaram, com uma repercussão de que não estavam à espera, julgo que não haveria outra solução que não fosse a publicação da Análise Social ou a demissão do diretor do ICS. Está mais do que provado que tinha sido um ato de censura óbvio», considerou o sociólogo Ricardo Campos em declarações ao site da TVI24.


O ensaio visual acabou por ter uma repercussão muito maior do que estava à espera, com uma onda de solidariedade que sequer imaginou. Os seis graffiti de muros de Lisboa que Ricardo Campos fotografou acabaram por ser publicados em diversas línguas e meios de informação, blogs e partilhados nas redes sociais. O foto-ensaio foi traduzido para francês e inglês, chegando a muitas mais pessoas do que chegaria, caso não houvesse a suspensão da Análise Social.




Pressão: chuva de cartas com críticas ao diretor

Segundo apurou a TVI24, desde a suspensão da publicação, a 27 de outubro, cerca de 30 investigadores de topo de carreira do ICS escreveram uma carta ao diretor José Luís Cardoso pedindo a reposição da revista. A polémica – ou o «ato de censura», como classificam os críticos de José Luís Cardoso - ganhou dimensão internacional com num site dedicado ao malogrado número 212 da Análise Social. Centenas de académicos portugueses e estrangeiros - de universidades dos quatro cantos do mundo - subscreveram uma declaração contra a suspensão da revista.

Esta semana, dia 11, um grupo de 60 estudantes de doutoramento endereçaram uma carta aberta aos principais órgãos do ICS, manifestando «repúdio pela decisão tomada», que «fere os princípios democráticos». Os doutorandos pediam na missiva a reposição do número 212 da publicação científica.



Excerto da Carta Aberta dos doutorandos:

 

«Na sequência de duas reuniões informais, os doutorandos do ICS-UL abaixo-assinados vêm,
pela presente carta, manifestar o seu repúdio pela forma e conteúdo da decisão tomada, considerando que se trata de um acto injustificável de intromissão e limitação da liberdade editorial e científica, que fere os princípios democráticos e de autonomia pelos quais se pautam as actividades científicas e pedagógicas desta instituição.

O acto, tomado pelo próprio director do ICS-UL como sendo da sua inteira responsabilidade,
constitui uma grave ingerência nas competências quer da direcção da revista quer do Conselho
Científico—a quem compete, segundo a alínea q) do artigo 24.º dos Estatutos do Instituto de Ciências Sociais, «apreciar a orientação da revista Análise Social e de outras publicações periódicas que venham a ser editadas»—pondo em causa a autonomia editorial desta publicação e a separação de poderes dentro da instituição.

Este acto da direcção, a conservar o seu efeito, tem e terá, na nossa opinião, consequências seriamente perniciosas para a missão e a imagem pública do ICS-UL, assim como para a reputação científica da revista Análise Social. A manutenção desta decisão conduz também ao prejuízo dos autores. Não apenas aos que se encontram em vias de publicação no número visado, mas igualmente àqueles que serão publicados em futuros números da revista.

Consequentemente a esta posição, consideramos da mais elementar justiça a reparação do acto censório e requeremos à direcção do ICS-UL que restitua ao espaço público, pelas vias convencionais de distribuição, a edição original da revista apreendida. Desse modo poderá corrigir-se a situação de irregularidade criada, da qual sobressai uma inaceitável e preocupante falta de independência científica e académica da revista Análise Social.»






ERC investiga suspensão

A suspensão da Análise Social estava a ser investigada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Na passada semana, este organismo decidiu abrir um processo de averiguações ao veto do diretor José Luís Cardoso ao ensaio visual do sociólogo Ricardo Campos, onde constam seis grafitti de rua com palavras de ordem e críticas ao Governo e empresários de topo portugueses.

 

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