LGBT: a discriminação acrescida e o relato de quem foi “caçado” - TVI

LGBT: a discriminação acrescida e o relato de quem foi “caçado”

Milhares de pessoas na marcha pelo orgulho LGBT [LUSA]

Agora que a comunidade Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero vai passar a contar com apoio do Estado contra a violência, a TVI24 entrevistou a vice-presidente da ILGA Portugal e recolheu o depoimento de uma vítima de discriminação

A comunidade Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero (LGBT) tem assistido, nos últimos anos, a algumas conquistas, como a lei promulgada sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 2010. No entanto, casos de discriminação, de crimes de ódio, de violência doméstica, bem como de bullying, permanecem. 

A resposta a alguns destes problemas surge através do apoio prestado por instituições de intervenção social e solidária, como a ILGA Portugal e a Casa Qui, em Lisboa, ou a Associação Plano I, em Matosinhos. São instituições especializadas nas questões de orientação sexual ou identidade de género e cuja área de atuação tem a ver com o combate às situações de desigualdade, discriminação, violência ou exclusão.

Esta terça-feira, aquelas três organizações assinaram uma carta de compromisso com a Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade, cuja finalidade é a “atribuição de uma subvenção para a criação de um Serviço de Apoio a Vítimas LGBT”. O acordo entra em vigor em dezembro. Isto significa que, a partir dessa altura, existirá um novo apoio para todas as vítimas de violência doméstica, de crimes de ódio e de discriminação em função da orientação sexual e identidade de género.

Para compreender melhor os problemas associados a esta comunidade, e de que forma a população LGBT procura e recebe apoio, a TVI24 conversou com a vice-presidente da Associação ILGA Portugal, Ana Aresta, e recolheu o testemunho emocionado de um homossexual que sofreu na pele a discriminação.

“Fui vítima de um crime de ódio. Fui alvejado”

Pedro (nome fictício) partilhou com a TVI24 uma história de vida e um momento que, certamente, nunca esquecerá. Quando tinha 32 anos, foi vítima de um crime de ódio por ser homossexual e explica como é que foi ao encontro da ILGA e encontrou ajuda.

“Fui vítima de um crime de ódio. Fui alvejado. Eu sou um homem grande, alto, forte e espadaúdo: isto para desconstruir a imagem de ‘fragilzinho’ que acontece facilmente numa sociedade que ‘revitimiza’ as vítimas".

Pedro explicou que foi vítima de bullying na infância e, por isso, sente-se mais seguro “a andar na rua com uma imagem de assertividade e de poder pessoal.”

“O crime de ódio aconteceu num parque, conhecido como uma zona de encontros entre homens, onde estava um grupo de jovens com pistolas de pressão de ar e em formato de emboscada. Quando eles percebiam que havia uma noção de flirt, eles disparavam contra as costas das pessoas".

Pedro recorda que ficou "possesso" quando sentiu os chumbos e correu para uma loja porque se apercebeu da intenção, que era óbvia: “Uma caça”.

Pedro foi internado e, quando saiu do hospital, lembrou-se “de uns dísticos da marcha da linha LGBT”. Desamparado, resolveu ligar para a linha de apoio.

O voluntário ajudou-o no processo e tranquilizou-o: “Explicou-me o que devia esperar no dia seguinte e aconselhou-me a avançar com a queixa formal e, ainda me disse, que havia o SAP [Serviço de Atendimento Permanente]”.

Quando apresentou queixa, Pedro lembrou-se “da voz do voluntário”. Por fim, dirigiu-se à ILGA Portugal e explicou o que lhe tinha acontecido. Pedro encontrou na associação o apoio psicológico de que precisava, com o pouco rendimento que tinha, e hoje confessa que “ultrapassou o problema”.

“A psicoterapeuta tornou-me um homem muito mais sólido, muito mais confiante e ganhei uma noção de comunidade e de pessoas boas que não tinha”.

Pedro sentiu necessidade de retribuir à ILGA a ajuda que recebeu e, num gesto de gratidão, é atualmente um dos voluntários que presta apoio.

Um novo apoio

A ILGA Portugal surge como uma das associações mais antigas na defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e nasceu com o propósito de os integrar na sociedade e lhes garantir a melhoria da qualidade de vida.

“As pessoas LGBT são pessoas que sofrem de uma discriminação acrescida e sofrem também de um silêncio muito grande”, sublinha, em entrevista à TVI24, a presidente da ILGA, Ana Aresta.

Sendo os casos de violência doméstica, por si só, complicados, a responsável chamou a atenção para a associação destes últimos com “a discriminação e violência diretamente relacionadas com as pessoas LGBT”.

Por existir esta discriminação a dobrar, a ILGA recebe “muitas pessoas através do centro LGBT, da linha telefónica LGBT (que presta apoio e informação), do serviço de aconselhamento psicológico e do departamento jurídico”. Além disso, a ILGA oferece um serviço de apoio psicológico que “muitas vezes sofre uma primeira triagem para se perceber, efetivamente, qual é a questão da pessoa que está a ser atendida”.

A vice-presidente aponta para a “dificuldade em manter uma estrutura de apoio constante”, já que estamos a tratar de casos que “levam o seu tempo a ser resolvidos” e, por isso, defende ser “importante um apoio estruturado que se consiga manter e financiar”.  

Em resposta a esta necessidade, “alertada durante muitos anos”, sublinha Ana Aresta, surge agora uma Carta de Compromisso entre a Secretária de Estado e Cidadania, Catarina Marcelino, e a vice-presidente da associação.

Este acordo “surge para atribuir uma subvenção para a criação de um serviço de apoio a vítimas LGBT” e no seguimento “de um trabalho de apoio a vítimas de violência doméstica, de crimes de ódio e de discriminação - em função da orientação sexual e da identidade de género - que já temos vindo a prestar, mas nunca tivemos financiamento”.

Nas palavras da vice-presidente, desta forma, vai ser possível estruturar "um serviço com um técnico capaz de apoiar a vítima, que até à data não existia".

A novidade no apoio prestado pela associação vai permitir que o acompanhamento e a avaliação sejam mais qualificados e que as vítimas sejam “mais bem encaminhadas dentro ou fora da associação”, diz Ana Aresta.

Para a responsável, esta Carta vai permitir “criar um Fórum de técnicas e técnicos por todo o país e, também, ajudar outras entidades que trabalhem na área da violência para adquirir as competências específicas e formação necessária na área LGBT”.

Ana Aresta procura destacar que o importante, em matéria de Carta, é essencialmente por ser a primeira vez que “estamos a receber apoio estrutural enquanto ONG direcionada para a população LGBT”. Até agora, a instituição estava dependente de quadros de financiamento e nunca tinha surgido apoio monetário por parte do Governo.

Continue a ler esta notícia