Um estudo realizado por um investigador da Universidade de Coimbra conclui que 35,7% dos jornalistas inquiridos são alvo de pressões externas e cerca de um quarto afirma ser alvo de pressões da direção e da administração.
O inquérito, com uma amostra representativa composta por 806 jornalistas, nota que mais de um terço dos inquiridos refere que já foi alvo de pressões externas no decorrer do seu trabalho, disse à agência Lusa o investigador responsável pelo estudo, João Miranda, que realiza uma tese de doutoramento na Universidade de Coimbra (UC) sobre a autorregulação profissional do jornalismo.
Apesar de uma maior evidência das pressões externas nas redações, 26,2% dos jornalistas que participaram no inquérito referem também que já foram alvo de pressões da direção editorial e 23,8% de pressões da administração da empresa.
O investigador João Miranda fez um cruzamento de dados para perceber se havia alguma variação significativa em relação à idade, género ou vínculo laboral, concluindo que as pressões são "transversais aos diferentes setores do grupo profissional".
Apesar destes resultados, apenas cerca de 15% dos inquiridos discordam ou discordam totalmente com a ideia de "dispor de total liberdade na produção de conteúdos", nota o estudo a que a agência Lusa teve acesso.
Quase 90% dos jornalistas dizem cumprir os preceitos éticos e deontológicos inerentes ao exercício da profissão e a quase totalidade afirma que o seu trabalho nunca ou raramente é modificado sem a sua autorização.
O inquérito, que também aborda as rotinas dos jornalistas, conclui que 2,7% dos inquiridos nunca contacta com fontes na redação de notícias e 10,7% raramente.
As percentagens também são reduzidas quando é perguntado aos jornalistas se recorrem sempre ou muitas vezes apenas a notas de agência.
No entanto, cerca de 20,5% dos inquiridos raramente sai da redação e 3,7% nunca a abandona em reportagem.
Essa tendência é corroborada pela hierarquia feita pelos jornalistas relativamente às metodologias que utilizam para contactar com as fontes.
A principal metodologia é o contacto telefónico, seguido do contacto presencial, sendo que o contacto via ‘e-mail’ também se torna relevante, sobretudo quando os jornalistas elencam a sua segunda e terceira metodologia mais utilizada no contacto com as fontes.
João Miranda salienta ainda o facto de as redes sociais já serem a principal metodologia utilizada por 1,7% dos jornalistas inquiridos.
Na componente da autorregulação, a maioria dos jornalistas (76,4%) consideram fraco o grau de participação da profissão na Entidade Reguladora para a Comunicação Social e mais de metade considera igualmente fraco o grau de participação na Comissão da Carteira Profissional.
Cerca de 70% dos inquiridos considera importante a criação de uma Ordem dos Jornalistas.
Metade dos jornalistas tem contratos de trabalho precário
Metade dos jornalistas em Portugal tem um contrato de trabalho precário e 72% acredita que dificilmente encontraria novo emprego no setor, conclui o mesmo inquérito, que faz um retrato de uma profissão "sujeita a condições bastante precárias" e com "baixas expetativas em relação ao seu trabalho", afirmou João Miranda.
Metade dos jornalistas tem um contrato de trabalho "próximo de lógicas de precariedade", sendo que 25% dos inquiridos trabalha em regime de prestação de serviços com recibo verde, 12% apresenta contrato a termo certo e 9,2% a termo incerto, havendo ainda uma percentagem residual de jornalistas em estágio profissional ou curricular, referiu o investigador.
Mais de metade (55%) afirma que a sua situação laboral afeta o desempenho do seu trabalho, sendo "sobretudo entre prestadores de serviços que estão a recibo verde que mais existe concordância" com esta ideia, sublinhou João Miranda.
De acordo com o estudo, 72,8% dos inquiridos acha que dificilmente encontraria um novo emprego na área, sendo que quase um terço já esteve numa situação de despedimento num órgão de comunicação social.
Mais de 40% dos jornalistas auferem um vencimento bruto entre 506 e 1.000 euros, 7,3% referiu receber abaixo do salário mínimo nacional e apenas um quarto diz receber mais de 1.500 euros brutos por mês.
Quase um quarto dos inquiridos diz desenvolver outra atividade profissional que não o jornalismo e 23,5% afirma desenvolver "atividade jornalística noutro órgão de comunicação exterior à empresa com quem detém o vínculo principal".
O inquérito constata que dos jornalistas que dizem ver os seus trabalhos publicados ou difundidos noutros órgãos da empresa onde trabalha (cerca de metade), quase a totalidade (90,8%) afirma não receber mais por isso.
Também quando se trata de desempenhar outras tarefas, nomeadamente fazer fotografias ou artigos para a edição digital do órgão de comunicação, 86% dos inquiridos não recebe qualquer suplemento por essa atividade adicional.
Cerca de 40% já realizou um estágio profissional ou extracurricular não remunerado, apontando como principais razões para o fazer a "expetativa de integrar os quadros do órgão de comunicação" ou a possibilidade de "adquirir experiência profissional".
A esmagadora maioria concorda quer com a obrigatoriedade de detenção de um título profissional (90%) quer com a exigência de um estágio obrigatório (84%).
O inquérito, com 90 perguntas, foi realizado no âmbito da tese de doutoramento de João Miranda, na Universidade de Coimbra, onde o investigador analisa o contexto da autorregulação profissional do jornalismo em Portugal.
Os resultados do inquérito são apresentados esta quinta-feira, na Faculdade de Letras, às 16:00, num debate intitulado "Relatos de uma profissão indefinida. Resultados de um inquérito aos jornalistas".
O inquérito foi aplicado via online entre os contactos detidos pela Comissão da Carteira, a titulares de carteira profissional de jornalista, título provisório ou cartão de equiparado.