«A Justiça não chega à grande corrupção» - TVI

«A Justiça não chega à grande corrupção»

Corrupção

Estudo revela que maioria dos casos são arquivados e que estes são apenas «pequena corrupção»

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Quase dois terços dos processos de corrupção foram arquivados em Portugal, refere um estudo relativo a 2002-2003 divulgado esta terça-feira, que revela ainda que a carta anónima é método usado para denunciar a maioria dos casos. O autor do estudo concluiu ainda que «a Justiça não chega à grande corrupção», noticia a Lusa.

Segundo o estudo sobre corrupção participada às autoridades em Portugal, que analisou 449 processos fornecidos pelos serviços do Ministério Público, em termos globais a maioria dos processos de corrupção (55,5 por cento) terminaram com arquivamento. Uma percentagem que sobe para os 64,6 por centro quando se analisa o estado dos processos dos vários tipos de corrupção participada e se separam os crimes de corrupção dos de peculato (apropriação indevida de dinheiros públicos).

Em termos de corrupção participada, os processos por corrupção representavam 60 por cento do total, enquanto os de peculato atingiam os 26 por cento. A análise, feita em parceria pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, dá ainda conta que apenas 7,3 por cento dos processos foram julgados, estando 23,2 em investigação.

Dever profissional leva à denúncia

Quanto à autoria da denúncia, o estudo revela que em 32 por cento dos casos é feita por terceiros identificados, em 26 por cento por anónimos e em 20 por cento pelos próprios intervenientes no acto de corrupção. A carta anónima foi o método escolhido para denunciar a maioria dos casos (82 por cento).

Segundo Luís de Sousa, responsável pelo estudo do ISCTE, «existe uma tendência forte para que a denúncia seja feita por escrito». Considerou que é o próprio sistema que incentiva a que a denuncia seja feita por escrito e de forma anónima, apontando como exemplo casos em que a Polícia Judiciária e a Inspecção-Geral do Trabalho aconselharam o uso deste tipo de participação para «evitar represálias».

Entre as principais razões da denúncia, surge o cumprimento do dever profissional em 67 por cento dos 217 casos analisados pelos investigadores neste ponto. Segue-se a revolta com a injustiça (13 por cento), o cumprimento do dever de cidadania (10 por cento) e a vontade de colaborar com a Justiça e acabar com a situação de ilegalidade (9 por cento).

Valores baixos



A análise dos processos concluiu ainda que a corrupção participada é pontual e envolve valores financeiros baixos. Em 30 por cento dos casos, as vantagens financeiras situam-se entre os 100 e os 500 euros e em 26 por cento dos casos são menores que 100 euros.

O estudo identificou ainda as câmaras municipais e os órgãos do poder autárquico (50 por cento dos casos) e o Ministério da Administração Interna (forças de segurança) como as principais áreas de risco em matéria de corrupção passiva.

Quanto à corrupção activa, o sector da construção civil e obras públicas (29,8 por cento) é apontado como o de maior risco, seguindo-se o dos serviços funerários (19,4 por cento). Relativamente a este sector, o responsável do estudo afirmou tratar-se de uma situação conjuntural.

Durante a apresentação do estudo, Luís de Sousa reconheceu dificuldades em caracterizar a corrupção participada e considerou que a informação disponível «é insuficiente para espelhar o fenómeno» em Portugal.

«A Justiça não chega à grande corrupção»

Explicou que a análise recaiu sobre a corrupção que a Justiça consegue «averiguar e por vezes confirmar», considerando que esta é sobretudo pequena corrupção. «A Justiça não chega à grande corrupção», disse, adiantando que essa passa por transacções sofisticadas de branqueamento de capitais e criminalidade económica e financeira com intervenientes directos e indirectos a nível internacional.
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