Covid-19: confinamento já faz efeito, mas pico de internamentos ainda não ocorreu - TVI

Covid-19: confinamento já faz efeito, mas pico de internamentos ainda não ocorreu

O médico José Artur Paiva, do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos, e Henrique Oliveira, professor do Instituto Superior Técnico, estiveram na TVI24 para um debate sobre o impacto do confinamento na pandemia

Portugal registou um total de 755.774 casos de covid-19, desde o dia 2 de março de 2020, data do primeiro contágio internacional. Apenas este ano, o número novas infeções contabilizadas já ascendeu às 342.096.

O cenário é semelhante na mortalidade. Das 13.740 mortes, já registadas em território nacional, relacionados com o SARS-CoV-2, 6.465 óbitos ocorreram em 2021. Quase metade dos óbitos derivados da pandemia ocorreram nos últimos 36 dias.

Apesar das ajudas internacionais e do confinamento geral começar a mostrar resultados, os especialistas apontam para que o pico de internamentos ainda não tenha sido atingido.

O médico intensivista José Artur Paiva, do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos, acredita que o pico de pacientes nos hospitais só deverá ocorrer no final da próxima semana.

Pensamos que o pico em medicina intensiva ainda não foi de facto atingido. Creio que durante a próxima semana, talvez no final, atingiremos o pico. Há algum tempo que pensamos que o número de camas covid que precisaremos está à volta das mil camas à escala nacional. Acreditamos que o atendimento de patologia crítica não covid exigirá, no mínimo, entre 380 e 400 camas. O que quer dizer que a soma dá 1.400 e nós precisamos de trabalhar com taxas de ocupação inferiores a 100% para a acessibilidade dos doentes ser menos complicada. Nós gostamos que as taxas de ocupação sejam de 80% a 85%, mas se aceitarmos uma taxa de 90%, precisaremos de cerca de 1.540 camas no total dos serviços de medicina intensiva à escala nacional”, refere Artur Paiva.

No entanto, o médico intensivista acredita que a transferências de doentes para o estrangeiro deve sempre ser a última opção. Artur Paiva alerta que afastar os pacientes para um ambiente estranho com uma língua diferente pode representar grandes dificuldades quer para o doente como para a família do mesmo.

Acho que a transferência de doentes para o estrangeiro deve ser mesmo só em último recurso. O último dos últimos. Pelo que isso representa de dificuldades para as famílias e para as próprias pessoas doentes”, explica o especialista.

 

José Artur Paiva reforçou a confiança que tem, e que todos os portugueses devem ter, no Serviço Nacional de Saúde e nos profissionais que nele estão inseridos.

A mensagem central que devemos passar é de confiança no SNS. É de confiança nos profissionais de saúde que têm tido uma resposta extraordinária ao longo destes 10 meses. Estamos preparados para perceber que neste momento de pandemia, neste de pico do desafio, vamos necessariamente perder um pouco de qualidade, mas de forma a não deixar ninguém para trás. De forma a que todos os doentes críticos agudos possam ter resposta”, disse José Artur Paiva.

Já o professor Henrique Oliveira, do departamento de matemática do Instituto Superior Técnico, considera que o confinamento geral, que tem vigorado nos últimos dias, já está a ter um impacto notório quer no número de óbitos por covid-19 quer novas infeções.

Também há alguma razão para se sentir um alívio na curva pandémica. Não podemos ser absolutamente pessimistas ou catastrofistas. O confinamento tem feito efeito, sobretudo, a partir do momento do fecho das escolas”, esclarece Henrique Oliveira.

O matemático acrescenta que já não há dúvidas que o Natal foi o grande impulsionador do pico de contágios em Portugal e também ele alerta que o pico no número de internados ainda não foi alcançado.

Penso que ainda não passou o pico mais grave [de internamentos]. Embora já se note nos óbitos um alívio, as pessoas levam algum tempo a desenvolver sintomas mais graves que levam ao internamento e nós ainda estamos a ver chegarem aos hospitais agora aqueles 16 mil casos que havia há 10 ou 12 dias. É previsível que ainda exista algum esforço nos cuidados intensivos”, evidencia o catedrático.

 

Henrique Oliveira acredita que o Dia de Reis foi a data da alteração do paradigma pandémico lusitano. O catedrático identificou uma relação de multiplicidade entre o número de doentes internados em enfermaria e em unidades de cuidados intensivos.

Na primeira e na segunda vaga, por cada sete doentes hospitalizados existia um em cuidados intensivos. Contudo, no Dia de Reis, o princípio do aumento exponencial do número de óbitos, passou a haver mais doentes internados em enfermarias por cada que estava nas UCI, algo que espelha a pressão que começou a recair sobre o SNS.

O médico intensivista José Artur Paiva reiterou que "ninguém vai ficar para trás", mas lembrou que Portugal não tem apenas 906 doentes covid em medicina intensiva. O especialista alertou que existem outros cerca de 400 paciente não covid que também estão internados.

Nós não temos 906 em medicina intensiva, nós temos 906 doentes covid-19 em medicina intensiva, depois temos outros 400 doentes não covid. Não há duas éticas. Nós temos de tratar todo o doente crítico e não deixar ninguém para trás”, reitera Artur Paiva.

O intensivista revela ainda que a maior parte dos óbitos em ambiente hospitalar não está a ocorrer nas unidades de cuidados intensivos. Artur Paiva explica que a covid-19 por si só não é a única responsável pelo aumento das mortes nos hospitais e que muitas vezes patologias prévias dos pacientes impossibilitam que estes cheguem às UCI.

Muitos dos óbitos ocorrem fora da medicina intensiva. Há bastante letalidade fora da medicina intensiva. Como em todas as doenças infeciosas, muitas vezes a infeção é apenas a estocada final de um processo de morte. Existem várias pessoas com uma fragilidade tal, com múltiplas doenças prévias, com situações em que a longevidade está claramente limitada e a qualidade de vida também. William Osler, uma grande figura da medicina, no início deste século, definiu a pneumonia como o “Capitão do Barco da Morte”. Muitas vezes morre-se com uma doença, mas não por causa da doença. Temos muitas pessoas para quem a covid-19 é um epifenómeno que acelera o processo da morte”, disse o médico especialista em medicina intensiva.

 

O especialista em medicina intensiva culminou com uma mensagem dirigida a todos os portugueses, lembrando que a "solução está fora dos hospitais".

A solução está fora do hospital. Quem realmente salva vidas é o cidadão. Somos todos nós, através do nosso comportamento”, salienta José Artur Paiva.

 

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