Poeta absolvido por relato em verso de homicídio em Vila Verde - TVI

Poeta absolvido por relato em verso de homicídio em Vila Verde

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  • 6 nov 2020, 13:23
Justiça (iStockphoto)

O processo foi movido por uma filha do homicida, que pedia uma indemnização não inferior a 30 mil euros, por alegada violação do direito à honra do pai e de toda a família

O Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a absolvição de um poeta de Parada de Gatim, Vila Verde, que tinha sido processado pela forma como relatou, em livro, um homicídio ocorrido em 1984 naquela freguesia.

Por acórdão de 22 de outubro, esta sexta-feira consultado pela Lusa, a Relação considera que a forma do texto, os recursos estilísticos utilizados e a própria linguagem “não se apresentam excessivas, no sentido de poderem denegrir a imagem das personagens”.

O processo foi movido por uma filha do homicida, que pedia uma indemnização não inferior a 30 mil euros, por alegada violação do direito à honra do pai e de toda a família.

Em causa está o livro de poemas “Histórias de Vida – Parada de Gatim”, de António da Silva Correia, lançado em 2017 e com alusões, em verso, a episódios marcantes daquela freguesia.

Um dos episódios foi um homicídio registado em 1984, em que um homem matou um cunhado.

O homicida, que entretanto já morreu, foi condenado a 19 anos de prisão.

Numa linguagem “ligeira”, o poeta diz que o homicida “perdeu a tola” e as crianças ficaram com tanto medo que “não queriam ir à escola”.

Refere ainda que o homicida e o cunhado “estavam muito zangados” e que o primeiro foi para a cadeia e o segundo para o cemitério.

Não menciona os nomes os intervenientes, mas apenas as alcunhas por que eram conhecidos.

Uma filha do homicida processou o poeta, considerando que a forma como relatou o crime, alegadamente sem enquadrar o contexto em que os factos ocorreram, com discussão familiar com agressões físicas de ambas as partes, dava a entender que o pai matou o cunhado “porque lhe apeteceu, tal e qual um monstro assassino”.

Alegou ainda que o poeta foi sarcástico, “chegando ao ponto de ludibriar e desrespeitando seriamente” a honra do pai e de toda a sua família.

Diz que o episódio não foi relatado de forma adequada e moderada, tendo extrapolado o necessário à divulgação do homicídio sem que se vislumbre qualquer intenção pedagógica na divulgação deste texto.

Por seu lado, o tribunal considerou que o texto alude a um “acontecimento real”, quer quanto às personagens, ao tempo e ao local.

Acrescenta que não são referidos os nomes de família dos intervenientes, mas antes as suas alcunhas, e sublinha o tom de “tristeza e lamento” do autor.

Diz também que “não é notório qualquer ataque à pessoa ou ao caráter” do homicida e da sua família, mas sim a intenção de recordar a memória dos intervenientes e retirar uma conclusão em jeito de “moral da história”, sublinhando que ambos os intervenientes perderam com a zanga: um a vida, o outro a liberdade.

A intenção pedagógica dirigida ao leitor afigura-se evidente”, refere o acórdão.

Para o tribunal, o texto “integra-se perfeitamente na coletânea de histórias mais ou menos rocambolescas que constituem o livro”.

É possível afirmar o seu interesse público em termos culturais para a história da freguesia de Parada de Gatim, localidade eminentemente rural, onde acontecimentos deste tipo perduram na memória dos vivos, até pelo conhecimento e grande ligação entre os habitantes destes meios pequenos - contrariamente ao que sucede nas grandes cidades”, diz ainda o tribunal.

O acórdão refere ainda que quando há um confronto do direito à honra com o direito de liberdade de expressão, “se há um qualquer interesse público a prosseguir, haverá eventualmente que privilegiar o direito à informação e a liberdade de expressão em detrimento de outros direitos individuais”.

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