Agustina, a enigmática escritora de "A Sibila" - TVI

Agustina, a enigmática escritora de "A Sibila"

Com uma obra literária invejável, Agustina Bessa-Luís é autora de mais de meia centena de títulos, entre romances, biografias e peças de teatro. Várias das suas obras foram levadas ao cinema pelo amigo Manoel de Oliveira, com quem trabalhou de perto. Agustina Bessa-Luís morreu esta segunda-feira, aos 96 anos

Agustina Bessa-Luís nasceu Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa a 15 de outubro de 1922, em Vila Meã, Amarante, região onde passou a infância e a adolescência e que marcou a sua obra.

Em 1945, casou com Alberto de Oliveira Luís, de quem herdou o sobrenome pelo qual ficou conhecida no mundo das letras. 

Estreou-se no romance em 1948, com a obra “Mundo Fechado”. Conta com mais de meia centena de obras publicadas.

Foi o romance “A Sibila”, publicado em 1954, que trouxe a Agustina Bessa-Luís a notoriedade no mundo literário.

Seguiram-se obras populares como “A Muralha” (1957), “O Manto” (1961), “O Sermão do Fogo” (1962), “As Pessoas Felizes” (1975), “As Fúrias” (1977), “Os Menino de Ouro” (1983), “Prazer e Glória” (1988), “Vale Abrãao” (1991), a triologia “O Princípio da Incerteza” (2001, 2002 e 2003) ou “A Ronda da Noite” (2006). Em 2018, foi editado um romance inédito, escrito em 1942, “Deuses de Barro”.

Disse, depois de um episódio no Porto, em que uma senhora na rua de Cedofeita a interpelou e lhe disse: “Sabe gosto muito de si, até estou a pensar um dia destes comprar um livro seu”, ser mais conhecida do que lida. 

“Poucos são os que me leem, mas muitíssimo mais os que me conhecem."  

Agustina teve uma produção invejável, à razão de um livro por ano. Dona de um estilo único e por muitos apelidado de paradoxal e enigmático, Agustina Bessa-Luís bebeu influências em autores como Raul Brandão ou os franceses Marcel Proust e Henri Bergson.

Apaixonada confessa por Kafka, em 2012, publicou o título inédito, “Kafkiana”, que reúne quatro textos com reflexões de natureza literária sobre a situação do homem kafkiano face ao mundo e a ele próprio.

“Quem, como eu, por razões de estudo, se interessou vivamente por um autor (trata-se de Franz Kafka, em que não pretendo doutorar-me, mas de que tirei a licenciatura) durante muito tempo, não pude evitar a sua sombra. Pelo que os meus artigos muitas vezes rodeiam os seus pensamentos, confiam nas suas palavras com esse abandono carinhoso que dedicamos a quem nos deu o pão do ensino”, escreveu Agustina

Além da literatura, tem também uma carreira ligada ao jornalismo e ao Teatro. Entre 1986 e 1987 foi diretora do diário O Primeiro de Janeiro. Entre 1990 e 1993, assumiu a direção do Teatro Nacional de D. Maria II, em Lisboa, e foi membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social. 

Ainda na comunicação social, Agustina Bessa-Luís, de 1978 a 1979, fez crónicas matinais na RDP/Antena 1, que foram reunidas no volume "Crónica da Manhã" (2015), e colaborou também na RTP, nomeadamente no programa, por si idealizado, "Ela por Ela" (2005), em que conversava com a jornalista Maria João Seixas.

Agustina Bessa-Luís representou a literatura portuguesa além-fronteiras, em numerosos colóquios, conferências e encontros internacionais. Foi membro do conselho diretivo da Comunitá Europea degli Scrittori, em Roma, entre 1961-1962. 

Foi também membro da Academie Européenne des Sciences, des Arts et des Lettres, em Paris, da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa.

Os prémios e as condecorações

Em vida, Agustina Bessa-Luís, foi distinguida com vários prémios e condecorações. O Presidente da República, António Ramalho Eanes, atribuiu-lhe, em 1980, o grau de Grande Oficial da Ordem de Sant'Iago da Espada. Em 1988, o então presidente da Câmara do Porto, Fernando Cabral, atribuiu-lhe a Medalha de Honra da Cidade do Porto. Um ano mais tarde, o Governo francês distinguiu-a com grau de "Officier de l'Ordre des Arts et des Lettres".

Em maio de 2002, Agustina Bessa-Luís é pela segunda vez contemplada com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE), relativo a 2001, com a obra "O Princípio da Incerteza - Jóia de Família", obra que Manoel de Oliveira adaptou ao cinema com o título "O Princípio da Incerteza", e que foi exibido dias antes da atribuição deste prémio, no Festival de Cannes.

Agustina Bessa-Luís foi também distinguida com os prémios Vergílio Ferreira 2004, atribuído pela Universidade de Évora, pela sua carreira como ficcionista. Também em 2004, recebeu o Prémio Camões, o mais alto galardão das letras em português.

Em 2006, volta a ser distinguida pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, desta vez com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.

No ano passado, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) concluiu um ano de homenagem a Agustina Bessa-Luís, com a atribuição do doutoramento Honoris Causa à escritora, em Vila Real, a primeira mulher a ser distinguida com este título honorífico pela UTAD.

Agustina no cinema

Além de "O Princípio da Incerteza - Jóia de Família", vários dos seus romances foram adaptados ao cinema pelo realizador Manoel de Oliveira, de quem foi amiga e com quem trabalhou de perto. Exemplo disso são o romance “Fanny Owen”, que o realizador levou para a grande tela em 1981 com o nome de “Francisca”, e “As Terras do Risco”, que Manoel de Oliveira realizou com o título de “O Convento”, protagonizado por Catherine Deneuve e John Malkovich.

Outra obra bem conhecida da escritora adaptada ao cinema pelo realizador Manoel de Oliveira foi “Vale Abrãao”. A história de Emma e Carlo foi publicada em 1991 e chegou à grande tela dois anos depois, protagonizada por Leonor Silveira.

Filipe La Féria adaptou para o Teatro o romance “As Fúrias”, peça levada à cena no Teatro Nacional D. Maria II, em 1995.

No início deste ano, foi publicada uma biografia da escritora, não autorizada pela família, "O Poço e a Estrada - Biografia de Agustina Bessa-Luís", da autoria Isabel Rio Novo.

Em 2013, em declarações à Lusa, a filha da escritora, Mónica Baldaque, afirmou que estava a ser organizado o arquivo de Agustina Bessa-Luís, referindo que havia "centenas de papelinhos escritos por si, notas que registava em faturas, em agendas, aforismos, pensamentos que, de alguma forma, iria utilizar na obra".

Questionada sobre o que escrevia, a autora disse, num encontro na Póvoa do Varzim: “É uma confissão espontânea que coloco no papel”.

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