Uma casa para palheiro e reprimendas dos deputados. A audição de Vieira em 10 momentos - TVI

Uma casa para palheiro e reprimendas dos deputados. A audição de Vieira em 10 momentos

Presidente da comissão de inquérito teve de interromper o diálogo para repreender o presidente do Benfica

Luís Filipe Vieira, presidente do Conselho de Administração da Promovalor, está esta segunda-feira a ser ouvido na comissão de inquérito ao Novo Banco no âmbito das audições que os deputados estão a fazer aos grandes devedores do banco.

Mortágua vs Vieira, com um palheiro à mistura

Inquirido pelos deputados, o também presidente do Benfica travou um duelo particularmente aceso com Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, que começou por lhe perguntar qual o património real de Luís Filipe Vieira, sendo que o aval dos negócios com o BES foi dado com base num património de uma casa com cerca de 162 metros quadrados, que era destinada para um palheiro com logradouro.

Começando por dizer que não tinha necessidade de revelar o seu património, o presidente da Promovalor acabou por negar que aquele seja o seu único património. Depois de muita insistência da deputada, o presidente da Promovalor lá negou que tivesse apenas um palheiro, explicando que possui mais casas.

Ainda durante a intervenção de Mariana Mortágua, e depois de Luís Filipe Vieira ter relegado várias respostas para uma data posterior, pedindo para as enviar por escrito, o presidente da comissão de inquérito, Fernando Negrão, acabou por interromper a deputada para repreender o inquirido.

Sr. Luís Filipe Vieira, estamos cá todos à vontade mas eu peço para não estarmos demasiado à vontade”, disse o presidente da comissão, já depois de ter pedido uma outra vez para que Vieira fosse mais objetivo nas respostas, nas primeiras de inúmeras vezes em que Luís Filipe Vieira foi repreendido.

Por entre as respostas dadas aos deputados, Luís Filipe Vieira ia consultando de quando em vez o seu advogado, Luciano Marques, que muitas vezes ajudou o inquirido a dar respostas mais exatas.

Uma boa reforma

Ainda no bate boca com Mariana Mortágua, a deputada bloquista questionou o presidente do Benfica sobre os seus rendimentos, perguntando-lhe diretamente "do que é que vive".

“Tenho outros negócios, tenho uma boa reforma. Vivo bem”, disse Vieira, explicando que “ainda agora” arrecadou “dois milhões e tal euros do fisco”, para depois referir mais dois milhões de euros que recebeu pela venda de uma sociedade.

Seguiu-se o deputado Duarte Alves, do PCP, chamado ao inquérito pelo presidente da comissão da seguinte forma: "Deputado Duarte Alves, com a paciência que é necessária", evidenciando assim alguma falta de paciência para o desenrolar da sesão.

Em muitas das questões dos deputados, Luís Filipe Vieira pareceu não perceber ou tentar fugir à resposta, sendo que, em muitas delas, foi o advogado que o auxiliou, num gesto que começa a ficar conhecido das comissões de inquérito, quase parecendo que os advogados sabem mais que os seus clientes.

Imparidades, uma questão difícil

Precisamente num desses momentos de questões dos deputados, o presidente do Benfica disse não saber o que são imparidades (diferença entre o valor real ativo de uma empresa e o valor registado na contabilidade, sendo o valor real inferior). Na prática o determinado bem perde o valor que lhe tinha sido atribuído. Este é um mecanismo muitas vezes usado na alta finança, sobretudo quando se lidam com dívidas elevadas, como é o caso da que a Promovalor tem ao Novo Banco.

Isso imparidades não fale comigo que eu não sei o que é isso das imparidades", disse.

Mais tarde, e em resposta ao deputado João Paulo Correia, do PS, Luís Filipe Vieira mostrou ter pelo menos um mínimo de noção do que são imparidades.

A minha experiência diz-me, que quando se começa a desenvolver um projeto, as imparidades desaparecem logo. Isso das imparidades... Qualquer terreno desenvolvido pelo fundo, se existir uma imparidade sobre esse terreno, desaparece logo", disse de forma taxativa, depois de ter referido não saber o que eram imparidades.

Perguntas técnicas... pode ser por escrito

Ao longo de toda a audição houve um claro clima de crispação entre Luís Filipe Vieira e os deputados que o inquiriam. A voz de comando dos deputados foi Fernando Negrão, presidente da comissão de inquérito, que não se coibiu de interromper as vezes necessárias as perguntas dos deputados e as respostas dos inquiridos.

Como razão para esta tensão esteve a constante recusa do presidente da Promovalor em responder a algumas questões, nomeadamente às técnicas, que disse que iria responder por escrito.

Mas as repreensões de Fernando Negrão continuaram, até quando os microfones não serviam para responder às perguntas. Durante uma curta pausa de cinco minutos, o presidente da comissão de inquérito acusou Luís Filipe Vieira de "passear-se pela sala", voltando aí a pedir "disciplina" ao inquirido.

O "trauma" de Vieira e um erro de gestão

Questionado sobre a questão da ligação entre a Promovalor e a Odebrecht (empresa investigada no caso Lava Jato), Luís Filipe Vieira remeteu o assunto para o sócio, dizendo que o mesmo é um "trauma".

Como deve calcular isto é um trauma para mim. Evito falar com o Nuno Gaioso sobre isto. É o meu filho que fala. Para quem levou a notícia que levei em 2015. É a mesma coisa que entrarmos um elevador e cair”, disse.

Sobre a resolução de conflitos com a empresa brasileira, que Vieira garante terem ficado resolvidos, o presidente da Promovalor diz que essa resolução passou pela entrega de bens no Brasil.

Entre os projetos das duas sociedades estava o hotel de luxo na reserva do Paiva.

A venda de um fundo imobiliário à seguradora BES Vida foi "o pior erro de gestão" que fez na vida. Foi assim que Vieira falou sobre a venda da Matinha.

Isso tem a ver com a dificuldade com a Troika, ou o que era, nós fizemos esse empréstimo obrigacionista de 160 milhões de euros em 2011, e passado um ano chamaram-me do banco que gostariam de adquirir determinados ativos que nós tínhamos. Se me pergunta hoje se fiz mal, fiz mal. Mas também por respeito, que o dinheiro era deles e não podia dizer que não", disse.

O também presidente do Benfica falava na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, respondendo ao deputado Hugo Carneiro (PSD).

Um dos ativos, hoje, se calhar só a Matinha [em Lisboa] pagaria todo o meu endividamento e sobrava dinheiro. Foi o pior erro de gestão que fiz. Mas quando temos uma relação comercial com o banco, não vale a pena criarmos um contravapor, quando eles dizem que há uma necessidade deles próprios fazerem a operação", referiu.

Luís Filipe Vieira disse que a operação teve "uma pequena rentabilidade" para o seu grupo, dizendo que antes da venda tinha "o melhor património imobiliário de Lisboa", ainda que "com o dinheiro do banco".

O empresário detalhou que o fundo era detido em 55% do capital pelo Grupo Espírito Santo e em 45% pela Promovalor, tendo Luís Filipe Vieira dito que o seu grupo não apresentava dificuldades nessa data.

Acerca dos VMOCs (Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis), Vieira disse que "foi uma maneira de contornar uma situação de determinados empreendimentos que tinha de lançar mais rápido".

Os VMOCs "devem estar a vencer, se não for este ano é para o próximo", segundo Luís Filipe Vieira, acrescentando que "está feito um acordo de reestruturação" no fundo que adquiriu os seus créditos junto do Novo Banco.

É em 2022 e acho que vai ser prolongado por causa da pandemia", referiu.

Passeios de iate e pessoas "fáceis de identificar"

Sobre as questões das dívidas de Luís Filipe Vieira, o inquirido diz que há muita gente (outros grandes devedores) que "anda a passear", de iates, o que motivou nova interrupção por parte o presidente da comissão de inquérito.

“Há gente que anda a passear, têm iates, têm aviões, pediram insolvência… Aos milhões… Quem tentou fazer contas para aquilo que deve e deu a cara tem de vir para interrogatório”, referiu Luís Filipe Vieira.

 

Se tiver a identificação dessas pessoas e factos, agradecia que nos fizesse chegar", disse Fernando Negrão.

Luís Filipe Vieira diz que não lhe cabe a ele identificar essas pessoas, mas diz que "é tão fácil" fazê-lo, sem no entanto concretizar, como foi pedido pelos deputados.

“Sr. Presidente, é tão fácil. Olhe que não me cabe identificar, mas é revoltante”, insistiu, sem nunca mencionar nomes.

Audição do Novo Banco sobre... o Benfica?

Volta e meia foi tema recorrente a ligação de Luís Filipe Vieira ao Benfica, sendo que essa mesma conotação começou pelo próprio presidente do clube.

A dada altura, o inquirido foi taxativo: "Tenho a noção exata de que estou aqui por ser presidente do Benfica", defendendo-se com o "aparato" em torno desta comissão.

Pedindo respeito a Luís Filipe Vieira, Fernando Negrão diz que não é essa a razão, algo que foi depois corroborado pela deputada do CDS, Cecília Meireles.

Um susto para Vieira

Foi precisamente esta a deputada que referiu o presidente da Promovalor como o segundo maior devedor do Novo Banco, elencando créditos que ainda estarão por pagar.

Luís Filipe Vieira negou esta versão, mas Cecília Meireles voltou ao ataque: "Sugiro que reveja o que disse. Temo aqui prova de incumprimento".

Sobre alguns desses créditos, o empresário nega a informação, dizendo que não é possível que isso seja assim.

Tantos não pagaram nada e ninguém fala. Há dias veio aqui um que até me custou a vê-lo. Como é que possível ser o segundo, até me está a assustar. Foi o Luís Filipe Vieira que deitou o banco abaixo”, ironizou.

A relação com Ricardo Salgado

O presidente da Promovalor disse que a relação que tinha com o BES e Ricardo Salgado era "completamente transparente", tendo sido fomentada aquando da construção do novo estádio da Luz.

A relação especial que eu tinha com o grupo BES era uma relação completamente transparente, já vinha do passado, de perto deles, mas curiosamente não era com ele [Ricardo Salgado] que eu lidava", disse o presidente do Benfica no parlamento.

Luís Filipe Vieira está a ser ouvido pelos deputados na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, e respondia a Hugo Carneiro (PSD).

Houve uma aproximação mais de perto quando foi o financiamento do estádio da Luz. Por isso, os financiamentos que poderiam passar pelo Banco Espírito Santo eram os nossos operacionais, era o nosso diretor financeiro ou era com o Bernardo Espírito Santo ou com o António Souto que eram discutidos, e com o doutor Vítor Madureira, e depois era aprovado em conselho", respondeu ao parlamentar do PSD.

Questionado se se tinha reunido com o antigo líder do BES, Ricardo Salgado, "para discutir os seus negócios particulares e o financiamento às suas empresas", o empresário admitiu que sim.

Se me perguntar se eu, por vezes, num jantar ou num almoço em que fosse convidado para estar, se falava como é que estavam os negócios, como é que iam ou não iam, logicamente que falava com ele", reconheceu.

"Mas isso não tem nada a ver com a parte da empresa e como é que ela funcionava", referiu o também presidente do Benfica.

A influência dos bancos e um empresário de "renome"

Alegando ser um empresário de renome, o também presidente do Sport Lisboa e Benfica diz que tinha relações privilegiadas com vários bancos, em particular com o Banco Espírito Santo (BES).

Falando sobre o seu ingresso no Benfica, Luís Filipe Vieira diz que tomou as rédeas do clube com o apoio de muitas instituições bancárias. O presidente do clube diz que foi vontade de muitas instituições financeiras que ele ficasse à frente do Benfica.

A minha ida para o Sport Lisboa e Benfica não é apenas uma vontade e um orgulho da minha parte, foi também um pedido de várias instituições financeiras interessadas na viabilização do Sport Lisboa e Benfica", referiu.

Vieira entrou no clube "primeiro, em maio de 2001, como gestor do futebol", e "depois, em outubro de 2001, como presidente do Conselho de Administração da Benfica Estádio SA", disse aos deputados.

Posteriormente, em 2002 passou a presidente da SAD [Sociedade Anónima Desportiva] do Benfica e, "finalmente, a partir de outubro de 2003, como presidente" do clube da Luz.

Nessa altura, os fornecedores e os bancos – todos os bancos com quem trabalhava – conheciam-me e apoiavam-me", disse o empresário, referindo-se, em particular, ao BES e ao BCP.

O dirigente desportivo recordou que no início do século XXI o Benfica "encontrava-se numa situação financeira muito delicada, como nunca antes tinha vivido na sua história", classificando de "tristes acontecimentos" as "dificuldades" e "fragilidades" atravessadas pelo clube.

O também presidente da Promovalor disse no parlamento que "já era um empresário de renome" antes do seu relacionamento com o BES e a ida para o clube da Luz

Eu, Luís Filipe Vieira, já era um empresário de renome e relevância na área do imobiliário em Portugal", disse aos deputados durante a sua intervenção inicial na audição na comissão de inquérito ao Novo Banco.

Sobre o grupo Promovalor, diz que foi fundado com capital próprio no valor de 35 milhões de euros: "Dinheiro meu, não da banca", vincou, voltando a referir a "confiança do setor bancário" na sua atividade.

O presidente da Promovalor afirmou que "é cómodo" mas falso que o "colem" às perdas do Novo Banco imputadas aos contribuintes, afirmando que nunca teve nenhum perdão de capital ou juros.

Por muito que seja cómodo publicamente colarem-me às perdas do Novo Banco e às perdas dos contribuintes portugueses, tudo isso não passa de uma tentativa de alterar a realidade: não tive nenhum perdão de capital, nem nenhum perdão de juros. Nem eu, Luís Filipe Vieira, nem o grupo Promovalor", disse na Assembleia da República.

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