O racismo deixará de existir em Portugal "quando quem o sente disser que não há" - TVI

O racismo deixará de existir em Portugal "quando quem o sente disser que não há"

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  • 26 jun 2020, 13:40
Manifestação em Lisboa contra o racismo

Pedro Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal, criticou a manifestação organizada pelo partido Chega, dizendo que "não tem sentido"

O racismo deixará de existir em Portugal quando quem o sente disser que já não existe, defendeu em entrevista à Lusa o diretor executivo da Amnistia Internacional (AI) Portugal, para quem a manifestação do partido Chega não faz sentido.

Fazer uma manifestação para provar que não há racismo não tem sentido. O racismo não se sente numa manifestação. Quer dizer, sente-se se for uma manifestação de ódio e espero que não seja o caso”, disse Pedro Neto.

À pergunta se vê a manifestação marcada para sábado em Lisboa pelo partido Chega como uma provocação, o responsável da AI respondeu: “Não queria dizer isso, dar-me-ia protagonismo, mas não ajudaria muito ao debate”.

Considerou, no entanto, que não é com uma manifestação que se prova que não há racismo, mas sim com políticas públicas de inclusão, que não permitam discriminação.

Não haver racismo é também não haver discursos xenófobos no parlamento que instiguem ao ódio contra a comunidade cigana”, defendeu, numa alusão às posições do líder do Chega, André Ventura, que tenciona reunir 1.500 participantes numa manifestação destinada a afirmar que “Portugal não é racista”.

 

Quando quem o sente disser que não há racismo, então podemos afirmar que não existe racismo”, frisou Pedro Neto, convidando a sociedade para “um debate salutar”, em que sejam ouvidas as comunidades, “a mulher negra dos subúrbios que deixa os filhos em casa às 05:00 da manhã para ir trabalhar, os migrantes, as pessoas mais vulneráveis a essas situações”.

Para Pedro Neto, as pessoas estão muito viradas para si próprias e a pandemia de Covid-19 veio agravar a situação dos direitos humanos a nível global, com alguns governos a usarem os poderes reforçados pelo estado de emergência para fazerem aprovar leis abusivas. Hungria, Polónia, Filipinas, Venezuela, Estados Unidos e Brasil foram os casos citados.

Sobre as questões do racismo, o diretor executivo da Amnistia defendeu que devem ser criadas condições para um diálogo construtivo: “Tentarmos colocar-nos nos sapatos dos outros, tentarmos perceber a vida dos outros. Não tem havido um debate salutar”.

Pedro Neto teme que o efeito mediático das manifestações desencadeadas nos EUA, e depois na Europa, com a morte do norte-americano George Floyd às mãos de um agente da polícia, possa desaparecer da mesma forma que surgiu.

Já vi isso acontecer noutras situações, não quero dizer que desapareça nos EUA, mas receio que nos possamos esquecer e infelizmente não foi um caso único”, lamentou.

Portugal, referiu, “não é exceção”. Pedro Neto recordou que se completaram recentemente 25 anos sobre a morte de Alcindo Monteiro às mãos de neonazis “em plena Lisboa” e que já este ano um cidadão ucraniano foi “assassinado” no Aeroporto de Lisboa, em circunstâncias que envolvem agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). “Poderá não ter sido um caso de racismo, mas foi discriminação”, disse.

Na página eletrónica da AI Portugal estão disponíveis as iniciativas mais recentes da organização, nomeadamente uma petição para apelar às autoridades norte-americanas que a justiça responsabilize os responsáveis pela morte de George Floyd, um homem negro desarmado, mas também outra para exigir que os direitos humanos sejam respeitados no Brasil, no meio da pandemia de Covid-19.

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