Marcelo esteve presente, cantou os parabéns a Manuela Azevedo e até desculpou a ausência de António Costa, "porque o Presidente acaba por ter menos trabalho que o primeiro-ministro e o primeiro-ministro estava ocupado hoje de manhã".
Num bolo com a forma de uma máquina de escrever, a jornalista e escritora Manuela Azevedo apagou as velas dos seus 105 anos. Na festa organizada pelo Museu da Imprensa e Sindicato dos Jornalistas, o coro contou com o Presidente da República, que recordou viagens feitas por ambos, quando Marcelo exerceu o ofício do jornalismo.
Fizemos algumas viagens juntos. Sempre nos demos muito bem e há uma ‘gaffe’ que eu cometi, numa viagem de avião para o Norte da Europa. Ele ia com o Adelino [Cardoso do Diário Popular] e eu que não sabia do passado de ambos [tinham trabalhado juntos em Moçambique] e disse que os extremos tocam-se, porque o Adelino era da extrema-esquerda e o outro da direita e eles não gostaram”, contou o Presidente da República.
Mais uma condecoração
Falando na festa, Marcelo fez questão de salientar estar ali com a jornalista "não por fazer 105 anos, mas por ser a Manuela Azevedo”, sendo então interrompido pela aniversariante que lhe disse ser “ muito ano para uma pessoa só”.
Não é não. É uma idade rara, mas muito boa”, foi a resposta do presidente da República, que condecorou Manuela Azevedo com a Ordem da Instrução Pública. Mais uma distinção, a juntar às de Mérito, Liberdade e Luta pela Liberdade, que a centenária jornalista já recebeu.
A condecoração foi acordada com o primeiro-ministro, António Costa, cuja mãe, Maria Antónia Palla, trabalhou com Manuela de Azevedo.
Chamaram-lhe "lagartixa"
Desfiando memórias, a jornalista que atravessou duas guerras mundiais e todo o período do Estado Novo fez questão de relembrar uma sua reportagem sobre barracas, “antes do 25 de Abril [de 1974]”, nas chamadas furnas de Monsanto, na zona de Lisboa".
E o que eram as furnas de Monsanto? Eram buracos nas rochas, com o chão cheio de poças de água e lama. E criancinhas, seminuas, descalças brincavam ali enquanto um velho tuberculoso, que tinha acabado uma espécie de cama ou beliche na própria rocha, ia cuspindo a sua miséria para o chão”, relatou Manuela Azevedo.
Manuela de Azevedo congratulou-se pelo alojamento posterior dessas 40 pessoas e aproveitou para dar a sua definição de jornalismo.
O jornalismo não é só aquele que diz que morreram tantas pessoas num desastre. O jornalismo é o defensor da objetividade, de focos, de problemas sociais", salientou.
A carreira de Manuela Azevedo começou em 1935 com artigos censurados, quando a partir de Viseu escreveu sobre a eutanásia.
Onze anos depois assinava a manchete do Diário de Lisboa, com a reportagem “Fui criada de Sua Majestade”. Manuela Azevedo disfarçara-se de aspirante de criada e entrou na Quinta da Piedade, em Sintra, onde a família do exilado rei Humberto II, de Itália, residia. Os textos foram vendidos à imprensa estrangeira o que valeu “umas tantas libras” e o espanto de leitores por um insólito pormenor:
Era não terem água corrente, com a água para os banhos a ir numa chaleira. E foi sensação em todo o mundo”, contou.
Ser mulher numa profissão de homens até foi “muito fácil”, garantiu Manuela Azevedo. E lembrou que o “decano Norberto de Araújo no Diário de Lisboa” a apelidou de “lagartixa. Por "mexer em toda a parte à procura de assuntos".
Revelando que “a vista lhe falhou”, Manuela de Azevedo diz que só lê atualmente os títulos, mas ainda prepara um livro porque as letras sempre foram a sua vida.