Ruas de reis num bairro de pobres - TVI

Ruas de reis num bairro de pobres

Risco de queda de edifícios em Odivelas (MÁRIO CRUZ / LUSA)

Dois edifícios onde viviam 17 pessoas no bairro da Serra da Luz, na Pontinha, vão ser demolidos. As chuvas fizeram deslizar as terras. Agora, as habitações ilegais estão em perigo de desabar pela encosta abaixo. O PDiário foi lá Moradores acreditam que «nada vai acontecer»

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A chuva do início da semana colocou a nu fragilidades no bairro da Serra da Luz, em Odivelas. Esta quinta-feira, seis famílias, 17 pessoas ao todo, tiveram de abandonar definitivamente as suas casas, em perigo de derrocada. Estão agora instaladas de forma provisória numa pensão em Lisboa, à espera de serem realojadas.

O aglomerado habitacional distribui-se de forma errática por uma encosta situada numa das franjas da Pontinha. Ruas estreitas e lamacentas, ao perto. Ao longe, um emaranhado de casas ilegais, suspensa num estranho equilíbrio, evocativo dos morros das favelas brasileiras.

O mau tempo de segunda-feira não poupou várias zonas da grande Lisboa. Aqui a água agitou o morro e soltou as terras. Na rua D. Afonso Henriques, as marcas da rudeza da intempérie são visíveis ao lado dos dois prédios em risco. Uma fita da protecção civil e grades da Câmara Municipal de Odivelas limitam a zona mais sensível.

«Habituados a estar aqui»

Sentado na soleira de uma porta, Fausto Gomes, de 43 anos, olha para a sua casa do outro lado da rua e para a carga depositada numa carrinha. São os seus haveres. Expostos após nove anos de intimidade doméstica, que foi o tempo que Fausto ali viveu.

Pedreiro de profissão, diz ao PortugalDiário que já sabia que «os pilares da casa não estavam bons». Da parte de trás da habitação, onde a encosta se acentua, é possível vê-los descarnados.

Apesar da consciência do risco e de saber que a casa era ilegal, explica: «Vivia aqui, porque a vida é muito complicada. Tenho quatro filhos, e o mais velho, de 17 anos, tem leucemia e está em tratamento».

Lá dentro, divisões exíguas. «Mas os filhos já estavam habituados a estar aqui», lamenta, enquanto se prepara para ver partir os seus haveres para a pensão Barca do Tejo, em Lisboa.

Perto dali, Paulo Conceição, de 27 anos, compreende as razões da partida e dos riscos: «Disseram-nos há dois dias para irmos para a pensão, quem não quisesse tinha de assinar um termo de responsabilidade. Ontem à noite voltaram. Tínhamos mesmo que ir». «Vivi aqui desde que nasci. Os meus pais estavam aqui há quase 30 anos», adianta.

Ao seu lado, o primo Rui Aguiar, de 21, explica que também foi criado entre aquelas paredes e que, apesar de ter saído de casa dos pais há um ano, estes passaram ali os últimos 35. «Estamos apegados a isto».

«Estamos a prevenir um risco»

A presidente da Câmara de Odivelas, Susana Amador, explica que fez um périplo pelo concelho no dia 18 para se inteirar dos estragos provocados pelas chuvas. «Aqui foi a situação que mais me preocupou», disse ao PortugalDiário. «Estes prédios estão na chamada zona não apta à construção e portanto correm perigo. Estamos a prevenir um risco».

Susana Amador explica que a autarquia está a tentar resolver o problema de uma extensa zona de habitação ilegal, mas é complicado. «Preocupamo-nos em pedir ao Governo que declarasse esta zona como crítica, o que aconteceu em Janeiro de 2008. A partir deste momento, a Câmara Municipal tem condições para iniciar um projecto de conversão sócio-urbana», sublinha.

Apesar de na área de maior risco viverem 24 pessoas, para já vão ser levadas 17. «Veremos no decurso da semana se a casa de baixo também se justifica evacuar», aponta, garantindo que as crianças têm assegurado o transporte para a escola e o filho mais velho de Fausto para os tratamentos do IPO.

Na rua que dá para a parte de baixo dos prédios em risco é ainda visível, na parte de uma outra casa, o sítio onde a terra chegou. «Caiu tudo aqui», diz João Leão, morador do bairro há 20 anos. «Se houver uma derrocada fica tudo atulhado».

Um bombeiro da Pontinha ali perto aponta para uma rua mais abaixo, onde «há três anos uns pedregulhos caíram em cima de uns carros». «Como é que se chama esta»? pergunta-lhe o PortugalDiário. «Esta é a D. Fernando. Aqui as ruas têm todas nomes de reis».
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