"Crowdfunding" para defender português investigado por auxílio à imigração já duplicou o objetivo - TVI

"Crowdfunding" para defender português investigado por auxílio à imigração já duplicou o objetivo

  • SL
  • 17 jun 2019, 16:07

Miguel Duarte participou em várias missões de socorro com uma ONG alemã e ajudou a resgatar 14 mil migrantes que tentavam chegar à Europa. Uma ação que é penalizada pela lei em Itália

Miguel Duarte pode vir a ser acusado pela justiça italiana de ter dado auxílio ilegal à imigração, por ter ajudado a salvar milhares de migrantes que tentavam atravessar o mar Mediterrâneo em direção à Europa. O estudante português participou em missões de socorro com uma ONG alemã e as suas ações podem condená-lo a 20 anos de prisão.

Desde 2014 que quase 2 milhões de migrantes chegaram à Europa. A maioria veio por mar. Depois de ver o sofrimento destas pessoas, Miguel Duarte decidiu que não podia ficar de braços cruzados enquanto milhares perdiam a vida no Mediterrâneo. Juntou-se então a uma organização não-governamental alemã para ajudar no resgate.

Encontrámos cinco barcos de madeira, que tinham todos entre 200 e 700 pessoas, e encontrámos vários barcos de borracha, cada um com 150 pessoas”, explicou o estudante, em entrevista à TVI.

Rapidamente apercebeu, no entanto, que “a parte mais complicada” é mesmo a impossibilidade de salvar todas as pessoas que lutam para chegar à Europa. “Houve pessoas para as quais, simplesmente, não houve meios suficientes. Nem tempo. Chegámos tarde”, contou.

Ainda assim, conseguiu ajudar a salvar cerca de 14 mil pessoas. Algo que, em Itália, é considerado crime. Para o governo italiano, as pessoas que ajudam a resgatar migrantes são acusadas de conluio com os traficantes humanos.

A nossa motivação era salvar pessoas e isso era feito de forma perfeitamente legal”.

Miguel e os nove colegas foram constituídos arguidos pela justiça italiana, mas ainda não sabem se o caso chega aos tribunais. Contudo, sabem que no pior dos cenários podem ser condenados a 20 anos de prisão e ao pagamento de multas pesadas.

Uma possibilidade que não se figura como improvável, uma vez que, nos últimos meses, se têm registado vários julgamentos deste tipo. Um presidente da Câmara de uma cidade italiana foi sentenciado recentemente por ter ajudado, supostamente de forma ilegal, migrantes a chegarem à Itália.

Há cerca de uma semana foi aprovada, inclusive, uma lei que penaliza ainda mais o auxílio de migrantes que tentem passar o Mediterrâneo.

Não tenho a mais pequena dúvida de que tirar estas pessoas da água é o que está certo. Não tenho a mais pequena dúvida de que qualquer outra pessoa tinha feito o mesmo”.

Como pode ajudar Miguel e outros voluntários

"É preciso a ajuda de todos, para que a solidariedade não se torne num crime. Este o mote lançado por Miguel e pela associação Humans Before Borders numa campanha de recolha de fundos, que visa ajudar a causa.

A campanha de ‘crowdfunding’ para apoiar a defesa de Miguel Duarte conseguiu já duplicar o objetivo inicial.

A 26 dias do prazo final, a campanha lançada pela plataforma HuBB – Humans Before Borders que pretendia angariar 10 mil euros para apoiar a defesa do estudante português, tinha angariado até às 15:30 desta segunda-feira 25.240 euros doados por 1.389 apoiantes, através da página de financiamento colaborativo PPL.

Surpreendeu-me muitíssimo”, disse à Lusa Miguel Duarte, a propósito da adesão à campanha lançada no dia 7 de junho e que termina às 18:00 do dia 12 de julho.

O jovem de 26 anos adiantou que a expetativa que considerou inicialmente realista era de 5.000 euros, mas o objetivo foi alcançado em apenas quatro dias, duplicou em sete e 11 dias depois, já é cinco vezes mais. “Honestamente, não esperávamos tanta solidariedade e tanta ajuda por parte de tanta gente pelo país fora. É uma coisa que nos aquece o coração”, comentou.

Para o voluntário do Iuventa, o envolvimento de tantos apoiantes nesta campanha “é um sinal claríssimo de que há muita gente atenta a este tema” e que “as pessoas se apercebem de que [a criminalização da ajuda humanitária] é uma questão absurda e política”.

O que está em causa “é mais uma arma política do que uma questão legal”, criticou.

Segundo os promotores da campanha, “a equipa de advogados que está a apoiar o Miguel e a tripulação do Iuventa estimou em cerca de 500 mil euros os custos legais para o processo” aos quais acrescem despesas com deslocações para reuniões entre tripulantes, com a equipa legal e para as audiências judiciais.

Pode fazer a sua contribuição em ppl.pt ou saber mais sobre os objetivos do projeto nas páginas do Facebook e do Instagram da organização.

Ministro dos Negócios Estrangeiros garante apoio

O ministro dos Negócios Estrangeiros português garantiu, esta segunda-feira, todo o apoio ao jovem português acusado, em Itália, de ajuda à imigração ilegal, sublinhando que é preciso ter noção de que as suas ações “são inspiradas por razões humanitárias”.

Augusto Santos Silva comentava, à saída de uma reunião de chefes de diplomacia da União Europeia, no Luxemburgo, o caso que o novo Governo ‘antissistema’ italiano considera um crime.

Recordando que “já aqui há uns meses” aconteceu um episódio semelhante na Grécia, “com uma jovem portuguesa que tinha também participado em operações humanitárias de resgate de migrantes em risco de vida no Mediterrâneo” e que foi “objeto de acusação num tribunal grego”, Santos Silva disse esperar que, tal como nesse processo – que “correu bem, a jovem foi ilibada” – também neste impere o bom senso.

O ministro disse que o processo está a ser acompanhado porque é direito de qualquer cidadão português beneficiar de apoio consular, “mas neste caso há outra razão: é preciso olhar com cuidado para tentativas de tratar como crimes ações que foram e são inspiradas por razões humanitárias”.

Portanto, as pessoas que salvam no Mediterrâneo da morte dezenas e dezenas de pessoas devem ser respeitadas por isso, mesmo que, involuntariamente, estejam a ser, na prática, cúmplices de imigração ilegal ou tráfico de pessoas. É preciso termos a noção suficiente das coisas e o respeito suficiente pelas ações humanitárias das pessoas para que possamos chegar a decisões que sejam justas”, disse.

Portanto, acompanharemos com cuidado esse processo e outros semelhantes”, garantiu.

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