E-Toupeira: acusação diz que Vieira autorizou entrega de benefícios a funcionários judiciais - TVI

E-Toupeira: acusação diz que Vieira autorizou entrega de benefícios a funcionários judiciais

  • Atualizada às 19:07
  • 5 set 2018, 17:26

Ministério Público acusa arguidos de vários crimes, incluindo o de corrupção ativa

A acusação no processo 'e-toupeira' considera que o presidente da Benfica SAD, Luís Filipe Vieira, teve conhecimento e autorizou a entrega de benefícios a dois funcionários judiciais, por parte do assessor jurídico do clube, Paulo Gonçalves.

As entregas aos arguidos José Silva e Júlio Loureiro eram do conhecimento do presidente da Sociedade Anónima Desportiva (SAD), que as autorizava ou delas tomava conhecimento por correio eletrónico, ou rubricando folha de autorização, sem nunca as impedir, pois tal era para beneficio da arguida [Benfica SAD], assim querendo e aceitando todas as condutas”, refere a acusação do Ministério Público (MP), a que a agência Lusa teve acesso.

Segundo o despacho do procurador adjunto Valter Alves, do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, “todos os benefícios entregues aos funcionários judiciais e observador de arbitragem foram-no a custo da Benfica SAD, que os suportou, fazendo uso da sua própria estrutura e colaboradores”.

A acusação do processo 'e-toupeira' diz que Paulo Gonçalves, enquanto assessor da administração da Benfica SAD, e no interesse da SAD, solicitou a estes dois funcionários judiciais que lhe transmitissem informações sobre inquéritos, a troco de bilhetes, convites e merchandising do clube.

Tais condutas ilícitas foram, de acordo com o MP, sendo feitas “sem controlo, sem instituição de regras próprias, impeditivas de tal comportamento de Paulo Gonçalves, não cuidando a sociedade [Benfica SAD], de criar mecanismos reais exequíveis para evitar os factos” que contam da acusação do DIAP de Lisboa.

Os dois funcionários judiciais terão agido “em concertação com Paulo Gonçalves, o qual bem conhecia as funções públicas exercidas por José Silva e Júlio Loureiro".

José Silva (oficial de justiça) e Júlio Loureiro (escrivão e também observador de árbitros), com a promessa de tratamento privilegiado junto do Benfica, designadamente para assistência a jogos em condições favoráveis, aceitaram proceder como solicitado [por Paulo Gonçalves]”, que lhes pedia informações acerca de inquéritos, sustenta a acusação do MP.

Segundo o despacho do procurador do MP Valter Alves, tais processos “incidiam sobre investigações na área do futebol ou a pessoas relacionadas com este desporto, designadamente inquéritos em curso e em segredo de justiça, em que era visada, ou denunciante, a Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD, ou os seus elementos”.

Mais de 100 crimes

A SAD do Benfica está acusada de 30 crimes no processo 'e-toupeira' e o seu assessor jurídico Paulo Gonçalves de 79 crimes, segundo a acusação do Ministério Público (MP) a que a agência Lusa teve acesso.

O MP acusou a SAD [Sociedade Anónima Desportiva] do Benfica de um crime de corrupção ativa, de um crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem e de 29 crimes de falsidade informática.

A acusação do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa pede ainda que seja aplicada à SAD as penas acessórias previstas no artigo 4º do Regime de Responsabilidade Penal por Comportamentos Antidesportivos (Lei nº 50/2007) - regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva.

Aos agentes dos crimes previstos nesta lei podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias: a) Suspensão de participação em competição desportiva por um período de 6 meses a 3 anos; b) Privação do direito a subsídios, subvenções ou incentivos outorgados pelo Estado, regiões autónomas, autarquias locais e demais pessoas coletivas públicas por um período de 1 a 5 anos; c) Proibição do exercício de profissão, função ou atividade, pública ou privada, por um período de 1 a 5 anos, tratando-se de agente desportivo.

Gonçalves e funcionários judiciais 

Paulo Gonçalves, assessor jurídico do Benfica, foi acusado de 79 crimes: um de corrupção ativa, um de oferta ou recebimento indevido de vantagem, seis de violação de segredo de justiça e de 21 crimes de violação de segredo por funcionário, em coautoria com os arguidos Júlio Loureiro e José Silva (ambos funcionários judiciais).

Paulo Gonçalves está ainda acusado de 11 crimes de acesso indevido (em coautoria), de 11 crimes de violação do dever de sigilo (em coautoria) e 28 crimes de falsidade informática.

O MP acusou o oficial de justiça José Silva – o único dos arguidos em prisão preventiva - de 76 crimes: um de corrupção passiva (em coautoria), um de favorecimento pessoal, seis de violação de segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo, 28 de falsidade informática e de um crime de peculato (apropriação indevida de dinheiro público).

O arguido Júlio Loureiro, escrivão e observador de árbitros, foi também acusado de 76 crimes: um de corrupção passiva, um de recebimento indevido de vantagem, um de favorecimento pessoal, seis de violação de segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo e de 28 crimes de falsidade informática.

Devido à “gravidade dos factos imputados” aos dois funcionários judiciais e “ao modo como foram cometidos no exercício das funções publicas”, o MP pede como pena acessória que estes arguidos “não voltem a exercer funções de interesse público” por “não serem detentores da necessária confiança e probidade para tal desempenho”.

"Informações relevantes ao arguido"

Segundo o MP, “ficou suficientemente indiciado que os arguidos com a qualidade de funcionários de justiça, pelo menos desde março de 2017, acederam a processos-crime pendentes no DIAP [Departamento de Investigação e Ação Penal] de Lisboa e do Porto e em outros tribunais, transmitindo as informações relevantes ao arguido colaborador da SAD, fazendo-o de acordo com a solicitação do mesmo e em benefício da mesma sociedade”.

Tais processos tinham por objeto investigações da área do futebol ou de pessoas relacionadas com este meio, ou de clubes adversários, seus administradores ou colaboradores”, acrescenta a PGDL, salientando que as “pesquisas foram efetuadas fraudulentamente com a utilização de credenciais de terceiros, sem o seu conhecimento ou consentimento, por forma a obterem acessos encobertos, não detetáveis”.

Acresce que “tais informações foram obtidas ilicitamente tendo como contrapartida benefícios indevidos para os funcionários e vantagens ilícitas no interesse da respetiva SAD”.

Tais condutas ocorreram, designadamente, durante as épocas desportivas 2016/2017 e 2017/2018”, lê-se na mesma nota, sustentando que, “com estes comportamentos, os arguidos puseram em risco a integridade do sistema informático da justiça, a probidade das funções públicas, os interesses da verdade e da lealdade desportiva e a integridade das investigações criminais”.

Bilhetes, convites e merchandising

A acusação do processo 'e-toupeira' diz ainda que Paulo Gonçalves, enquanto assessor da administração da Benfica SAD, e no interesse da SAD, solicitou a funcionários judiciais que lhe transmitissem informações sobre inquéritos, a troco de bilhetes, convites e merchandising.

José Silva (oficial de justiça) e Júlio Loureiro (escrivão e observador de árbitros), com a promessa de tratamento privilegiado junto do Benfica, designadamente para assistência a jogos em condições favoráveis, aceitaram proceder como solicitado [por Paulo Gonçalves”, sustenta a acusação do Ministério Público (MP), a que a agência Lusa teve acesso.

Segundo o despacho do procurador do MP Valter Alves, do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, tais processos “incidiam sobre investigações na área do futebol ou a pessoas relacionadas com este desporto, designadamente inquéritos em curso e em segredo de justiça, em que era visada, ou denunciante, a Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD, ou os seus elementos”.

Os processos pesquisados pelos dois funcionários judiciais, através da plataforma informática Citius, abrangiam também casos “relativos a clubes adversários e seus administradores ou colaboradores”.

O procurador do MP sustenta que os dois funcionários judiciais “tudo fizeram para favorecerem o Benfica e seus elementos nas investigações em curso, permitindo, se necessário, a dissipação antecipada de elementos de prova”.

Agiram com o propósito de evitar que o clube (Benfica) e Paulo Gonçalves fossem acusados, julgados e condenados numa pena, permitindo a destruição ou ocultação de prova”, refere a acusação.

No inquérito, o MP concluiu que, uma vez na posse de tais informações, pretendiam Paulo Gonçalves e a Benfica SAD, presidida por Luís Filipe Vieira, antecipar diligências processuais em que seria visada a Benfica SAD e seus membros, ou obter informações sobre adversários, ou ainda informações antecipadas de decisões judiciais “tudo em benefício da SL Benfica – Futebol SAD”.

Também em benefício e no interesse da SL Benfica -Futebol SAD, Paulo Gonçalves e a Benfica SAD, foram oferecendo, pelo menos, nas épocas desportivas 2016/2017 e 2017/2018, e até 03 de março de 2018, convites e produtos de merchandising a Júlio Loureiro, de forma a criar condições de permeabilidade por parte deste observador de arbitragem, tendo em vista decisões favoráveis, conhecimento privilegiado de informações desportivas e de pessoas e contactos ligados à arbitragem”, descreve a acusação do DIAP de Lisboa.

Como recompensa, adianta o MP, os dois funcionários judiciais receberam da Benfica SAD, através de Paulo Gonçalves, ou algum intermediário deste, “convites e bilhetes para assistirem gratuitamente a jogos de futebol no Estádio da Luz, em Lisboa, designadamente no 'Anel VIP', incluindo acesso a lounge com comida e bebida e parqueamento automóvel”.

Estes dois arguidos terão ainda recebido indevidamente, segundo a acusação, produtos de merchandising, “como camisolas e casacos da equipa de futebol, e ainda promessa de contrato de trabalho no Museu Cosme Damião, pertencente ao Benfica, para um sobrinho de José Silva, assim como tratamento privilegiado no Estádio da Luz, designadamente acesso a espaços reservados para contacto com os jogadores da equipa principal de futebol”.

O MP concluiu que os arguidos José Silva e Júlio Loureiro fizeram uso das suas funções nos tribunais “para obter recompensas que lhes não eram devidas, sabendo assim que violavam os seus deveres legais e funcionais”.

Júlio Loureiro, acrescenta a acusação, pretendeu ainda utilizar as suas funções de observador de arbitragem, que exercia junto da Federação e da Liga Portuguesa de Futebol, “para obter proveitos para si, que sabia que não podia receber e a que não tinha direito”.

Paulo Gonçalves e a Benfica SAD bem conheciam as funções públicas exercidas pelos funcionários e bem sabiam que estes, com as condutas descritas, que, os beneficiaram, violavam os seus deveres funcionais e legais”, sublinha a acusação do DIAP de Lisboa.

O DIAP de Lisboa entende ainda que bem sabiam, Paulo Gonçalves e a Benfica SAD, “que não podiam atuar daquela forma e que as ofertas que entregavam aos funcionários [judiciais] e observador de arbitragem (…) eram contrárias às regras do funcionamento transparente dos serviços e aos deveres funcionais inerentes aos cargos” que aqueles desempenhavam.

Fizeram-no de forma a condicioná-los e, assim, a obterem informações reservadas a que não tinham direito, não se coibindo de atuar daquela forma, o que quiseram e conseguiram para benefício dos próprios”, salienta o despacho de acusação.

O Benfica reagiu em comunicado à acusação, prometendo “desmontar” as “absurdas e injustificadas imputações”.

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