Luís Filipe foi outro menino que desapareceu do lar Universal. Foi levado para Londres pela filha mais velha do líder da IURD, Cristiane Cardoso.
Outras crianças do lar recordam-se bem do menino “loirinho, de olho azul, bem comportado...”
Filipe era o mais novo de dois irmãos. Ele e o irmão mais velho foram vítimas de violência doméstica. O pai, toxicodependente, tinha a mãe sequestrada em casa. Prendia-a com cordas para a obrigar a drogar-se e, depois de viciada, a prostituir-se para conseguir dinheiro.
Foi o filho mais velho que a ajudou a soltar-se das cordas. Os três fugiram pela janela.
“Se eu consegui escapar, sair daquilo tudo, devo-o ao meu filho mais velho. Apanhei um táxi e fugi", conta agora à TVI.
Com medo do marido, refugia-se em casa do seu pai e pede ajuda. Esconderam-se no fosso do elevador, no 5º andar, até ficarem em segurança.
Na altura, “Clara” (nome fictício) decide avançar para uma desintoxicação e pede à avô das crianças para cuidar delas. Só que, em vez disso, a avó, crente da IURD, entrega-as no lar, sem consentimento da filha.
“A minha mãe é doente por essa igreja. Tiraram-lhe o cérebro… Até garrafas de água para serem abençoadas põe ao lado do rádio. Acorda às 6h da manhã para ouvir um pastor na televisão…”
Na televisão é onde trabalha Cristiane Cardoso, a filha mais velha do bispo Edir Macedo, que, à semelhança da sua irmã, também quis ter filhos.
A vida de Cristiane cruza-se com a de “Clara”, quando Cristiane decide adotar uma criança e vê uma foto de Filipe no lar.
Enquanto à mãe nas visitas lhe garantiram que assim que estivesse melhor voltaria a recuperar os filhos, começa a ser construída a tese de abandono. O mesmo esquema: “Clara” não assinou o livro de visitas uma única só vez.
Cristiane, no seu blogue, recorda o momento em que viu a fotografia de Filipe.
“No final do ano anterior (1996), conheci uma jovem que trabalhava num orfanato em Portugal e, um dia, mostrou-me uma foto de um menininho que sonhava ter um pai”.
Cristine relata que Renato queria ser pai. Mas logo em janeiro, Edir Macedo, o seu pai, fala-lhe da mesma criança e Renato cede à adoção de Filipe.
“Em janeiro, meus pais me ligaram para falar de um meninho sério que não falava com ninguém. Em março, conseguimos a guarda do Filipe que, na época, tinha quase 4 aninhos. Acredite se quiser, era o menininho (da foto) que eu havia mostrado para o Renato meses antes!”
Uma guarda relâmpago, escolhendo uma criança através de um catálogo e em seis meses estava desvinculada a mãe que apenas viu o filho três vezes. E sem registo sequer dessas visitas.
Depois da escolha da criança através de uma fotografia, bastaram apenas três meses para a filha do bispo Macedo ter Filipe nos braços e levá-lo para Londres, onde vivia à época.
A dúvida é clara: como é possível que um tribunal de família decida dar uma guarda de uma criança a alguém que lhe é completamente estranha em apenas três meses?
Num fax confidencial, a que a TVI teve acesso, datado de 3 de dezembro de 1998, trocado entre a advogada do lar, Nídia Martins, e a diretora da instituição, a filha do bispo aguarda apenas a avaliação psicológica obrigatória da Santa Casa para avançar para a adoção de Filipe, quando a criança já estava com ela há um ano.
Um esquema irregular que permitiu à filha do bispo Macedo escolher a criança que queria adotar: o menino de olhos azuis, o bebé cerelac, pelo qual esperam anos centenas de casais portugueses nas longas listas de espera para adoção.
Depois da última visita, “Clara” vai ter com a mãe, que lhe diz que os meninos já estavam com “famílias de bispos e pastores”.
No fax do lar, pode ler-se que “foi prestada pela progenitora o consentimento prévio para adoção plena dos dois menores”. Mas não é verdade: “Clara” lembra-se bem que nunca foi chamada a tribunal, nunca esteve perante um juiz, e que o bilhete de identidade desapareceu da casa da mãe.
Se “Clara” nunca foi a tribunal, nem deu o consentimento para a adoção dos seus filhos, quem esteve no tribunal do Família de Lisboa, quem foi a mulher que se terá feito passar pela mãe biológica destas crianças?
Ainda hoje “Clara” continua à procura dos filhos nas redes sociais. Confirmou agora, pela TVI, 20 anos depois, que uma das crianças foi adoptada pela filha do bispo em 1999.
A escolha de Cristiane levou ainda à separação forçada dos dois irmãos: a filha do bispo Macedo não quis ficar com o mais velho.
"Rita", na altura uma criança que vivia no lar, recorda-se que Pedro era “mais problemático, tinha um sinal feio no braço e não era tão apelativo como Filipe".
Mas por pouco tempo. Edir Macedo ordenou a Jaqueline, uma antiga diretora do lar, que adotasse o mais velho.
É uma simples fotografia que muda o rumo da vida destas crianças, um fotografia que, no final de 1996, chega às mãos da filha mais velha do bispo Macedo.