Morreu o poeta português Ernesto Manuel de Melo e Castro - TVI

Morreu o poeta português Ernesto Manuel de Melo e Castro

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  • 30 ago 2020, 12:57
Ernesto Manuel de Melo e Castro

Poeta morreu aos 88 anos

O poeta, ensaísta e artista plástico português Ernesto Manuel de Melo e Castro, que vivia no Brasil, morreu no sábado à noite em São Paulo, aos 88 anos, anunciou a sua filha, Eugénia Melo e Castro.

Numa publicação na rede social Facebook, a artista e cantora Eugénia Melo e Castro anunciou a morte do pai e poeta português E. M. de Melo e Castro, aos 88 anos.

“Um dos mais importantes Poetas e Homem de Artes e Cultura do Mundo”, escreveu na rede social.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já reagiu à morte do poeta e recordou o poeta Ernesto Melo e Castro como “a personalidade mais destacada”, da poesia experimental portuguesa, na mensagem de condolências, publicada no 'site' da Presidência da República.

“Ernesto de Melo e Castro foi a personalidade mais destacada de um movimento marcante da cultura portuguesa contemporânea”, estabelecendo-se como “sinónimo de poesia experimental portuguesa”, e “um escritor e artista que muito contribuiu para o diálogo cultural luso-brasileiro”, escreve Marcelo Rebelo de Sousa, na mensagem enviada à família do escritor e artista plástico.

“Durante décadas, o nome E. M. de Melo e Castro foi sinónimo de poesia experimental portuguesa, tendência que cultivou como poeta, teórico, crítico, conferencista, editor, dinamizador, logo nos anos 1960, com a revista ‘Poesia Experimental’”, lê-se na mensagem de Marcelo Rebelo de Sousa, publicada ao início da tarde de hoje.

O Presidente da República recorda ainda “o volume ‘PO.Ex’”, de Melo e Castro, publicado com a escritora e artista Ana Hatherly (1929-2015), e as muitas intervenções do criador multidisciplinar, em diversos “encontros e performances”, sem esquecer, a edição da “Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa”, em 1959, que coorganizou com sua mulher, na altura, a escritora, poeta, programadora e pedagoga Maria Alberta Menéres (1930-2019).

"Da poesia visual e gráfica ao uso de tecnologias e à videoarte, Melo e Castro juntou o conhecimento e o gosto dos clássicos (como Camões) com as vanguardas modernas, dando uma feição cosmopolita e avançada à poesia portuguesa, e fazendo pontes com o Concretismo brasileiro, que teve grande repercussão além-Atlântico. Foi aliás no Brasil que o escritor viveu muitos anos, doutorando-se em Letras (na Universidade de São Paulo) e dando aulas (na PUC, na mesma cidade). Mas se no Brasil encontrou interlocutores mais atentos e com mais afinidades estéticas, diversas instituições portuguesas também foram mostrando e reconhecendo o seu trabalho ousado e vanguardista", conclui Marcelo Rebelo de Sousa, na sua mensagem.

E.M. de Melo e Castro, o autor que fez emergir a poesia experimental portuguesa

O poeta Ernesto Manuel de Melo e Castro marcou, com uma obra definida pela construção de experiências com diversos materiais, a emergência a poesia experimental em Portugal.

Poeta e escritor, E.M. de Melo e Castro, como assinava, nasceu a 19 de abril de 1932, na Covilhã, e foi particularmente marcante na emergência da poesia concreta experimental e visual em Portugal.

Autor de uma obra demarcada pela construção de experiências com diferentes materiais, o seu livro "Ideogramas", que reúne 29 poemas concretos sem qualquer introdução ou nota explicativa, foi um “marco fundador” do experimentalismo, na literatura e na arte portuguesas.

Filho de Ernesto de Campos Melo e Castro, neto materno do 1.º Visconde da Coriscada e comendador da Ordem da Instrução Pública, E. M. de Melo e Castro licenciou-se em engenharia têxtil pela Universidade de Bradford, em Inglaterra, em 1956.

Desde sempre reconhecido como “figura multifacetada”, na literatura e na arte, pela crítica e pela investigação, E.M. de Melo e Castro participou no primeiro número da revista Poesia Experimental ("Po.Ex"), em 1964, tendo sido, dois anos mais tarde, um dos organizadores do segundo número desta publicação, pioneira na exploração de ‘transtextualidades’.

Entre as diversas antologias e suplementos em que colaborou, assinala-se a organização de "Hidra e Operação", tendo também colaborado com a revista Arte Opinião.

A publicação da extensa "Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa", em 1959, pela Moraes, em colaboração com Maria Alberta Menéres (1930-2019), sua companheira, constituiu um momento decisivo na afirmação e divulgação da literatura portuguesa e dos autores emergentes, que vieram a definir a sua modernidade, de Alberto de Lacerda, Ana Hatherly, António José Forte e António Maria Lisboa, a Couto Viana, Gedeão, Daniel Filipe, Fernando Lemos, Leonor de Almeida, Mourão-Ferreira, Pedro Tamen, Ruy Belo, Vitor Matos e Sá, entre muitos mais.

A prática poética de Melo e Castro, pai da cantora Eugénia Melo e Castro, foi sempre acompanhada por uma “teorização sistemática sobre a linguagem e as tecnologias de comunicação”, cruzando-se, na sua extensa obra, múltiplas práticas e formas experimentais.

A explosão grafémica, o poema-objeto tridimensional, a recombinação intermédia de escrita, a performance que inscreve presença corporal e a teorização do poema como meio de crítica do discurso no universo dos meios de comunicação, constituem exemplos de algumas dessas práticas experimentais, pioneiras na arte portuguesa.

Figura marcante no meio artístico dos anos 1960 e 1970, E. M. de Melo e Castro dedicou-se, nas décadas seguintes, a investigar e espelhar no seu trabalho as relações entre a arte e o desenvolvimento tecnológico, tendo sido autor de um conjunto de obras pioneiras que recorreram ao vídeo e computador para produção literária.

E. M. de Melo e Castro chegou mesmo a desenvolver, entre 1985 e 1989, um projeto de criação de ‘videopoesia’, designado "Signagens", na Universidade Aberta.

Em 1998, o poeta terminava o seu doutoramento em Letras pela Universidade de São Paulo, no Brasil, tendo sido professor no Instituto Superior de Arte, Design e Marketing (IADE) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

A sua atividade artística foi apresentada em várias exposições coletivas, tanto em Portugal, como no estrangeiro, mas também em exposições individuais, espetáculos e 'happenings'.

Fez parte da histórica Alternativa Zero (1977), expôs na Galeria 111, na Galeria Buchholz, na Quadrum, na Galeria Divulgação, 1975; Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, entre outros locais, no país e no estrangeiro.

Em 2006, o Museu de Arte Contemporânea de Serralves apresentou "O Caminho do Leve", uma exposição retrospetiva (retroativa) da sua grande obra, viajando da poesia concreta e experimental à ‘infopoesia’, passando pela ‘videopoesia’ e pela criação de imagens fractais, com uma seleção de obras representativas de quase cinco décadas de trabalho.

Em 2018, Brasília recebeu, nos meses de outubro a dezembro, a exposição "Poesia Experimental Portuguesa", que reúne obras datadas de 1960 até à atualidade e inéditos de E.M. Melo e Castro.

O poeta e artista foi também evocado na mostra dedicada à primeira geração de autores de poesia experimental portuguesa, da qual fizeram parte igualmente Ana Hatherly e Herberto Helder, montada pela Galeria Zé dos Bois (ZDB), em Lisboa, no início de 2017.

A obra de Melo e Castro faz parte de coleções como as de arte contemporânea da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação de Serralves.

A viver há mais de 20 anos no Brasil, E. M. de Melo e Castro, considerado um dos artistas portugueses mais acarinhados pelo público do país de acolhimento, foi feito, a 10 de junho de 2017, comendador da Ordem do Infante D. Henrique.

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