Operação Fizz "toca diretamente" em Cândida Almeida - TVI

Operação Fizz "toca diretamente" em Cândida Almeida

  • CM
  • 25 jan 2018, 18:54

Ex-procurador Orlando Figueira, arguido no processo, disse em tribunal que a operação visou "tocar" a antiga diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, que estava na calha para ser Procuradora-Geral da República

O ex-procurador Orlando Figueira alegou, nesta quinta-feira, que o processo Operação Fizz, em que está acusado, "toca diretamente no coração" da antiga diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) Cândida Almeida.

Acusado de se ter deixado subornar pelo ex-vice-presidente de Angola e antigo presidente da Sonangol, Manuel Vicente, Orlando Figueira admitiu que a intenção da Operação Fizz visou "tocar" Cândida Almeida, que "criou o DCIAP" e esteva na calha para ser Procuradora-Geral da República (PGR) antes de ser "ultrapassada pela direita" por Joana Marques Vidal.

Respondendo a perguntas de João Correia, advogado do arguido Paulo Blanco, Orlando Figueira argumentou que após a saída de Cândida Almeida e de outros magistrados do DCIAP, entraram outras pessoas, houve uma auditoria, detetaram-se falhas (desaparecimento de escutas e documentos) e depois houve "a noite das facas longas", com o jantar de despedida de Cândida Almeida pelo meio.

Cândida Almeida sempre vestiu a camisola do Ministério Público a 100%. Sempre pôs a mão por baixo de todos os magistrados, mesmo em despachos que terminavam em perguntas [numa eventual alusão ao Freeport]", disse o arguido, que considerou ter havido um ajuste de contas, pois Cândida Almeida e Joana Marques Vidal são de "áreas políticas diferentes".

Ainda em resposta a questões de João Correia, o arguido concordou com a imagem sugerida pelo advogado de que o DCIAP terá sido o "cordeiro de Deus" e que Orlando Figueira "estava a jeito", por estar fora da magistratura.

Teoria da conspiração ou não, Orlando Figueira transmitiu assim a ideia que terá sido vítima de lutas internas no Ministério Público, insistindo que está inocente e que não conhece, nem nunca esteve pessoalmente com Manuel Vicente, o suposto corruptor ativo.

Quanto à sua saída do DCIAP para ir trabalhar para o setor privado, Orlando Figueira revelou que partilhou essa intenção, desde o início, não com os colegas do DCIAP, mas com o seu amigo de há 30 anos, o juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa.

Carlos Alexandre terá dito a Orlando Figueira que este "estava doido", pois estava "há 20 anos" na magistratura.

O ex-procurador garantiu que não revelou a Cândida Almeida para onde ia trabalhar, tendo a então diretora do DCIAP perguntado se Orlando Figueira ia trabalhar para o Estado angolano ou para Álvaro Sobrinho, porque era isso que diziam as notícias nos jornais.

No depoimento em julgamento, Orlando Figueira declarou que respondeu que não a Cândida Almeida, mas sem precisar que ia trabalhar a convite do presidente do Banco Privado Atlântico, Carlos Silva, cujo advogado, disse, é Daniel Proença de Carvalho.

Na sessão da tarde, Orlando Figueira prestou ainda esclarecimentos sobre os contratos-promessas de trabalho, o desejo de ir trabalhar para Angola e as conversas que manteve com o alto quadro do BCP José Iglésias Soares, que tinha sido administrador em várias empresas de Carlos Silva.

O processo Operação Fizz, que tem ainda como arguidos o engenheiro Armindo Pires e o advogado Paulo Blanco, assenta na acusação de que Manuel Vicente corrompeu Orlando Figueira, com o pagamento de 760 mil euros, para que este arquivasse dois inquéritos, um deles o caso Portmill, relacionado com a aquisição de um imóvel de luxo no Estoril.

Manuel Vicente foi acusado de corrupção ativa, mas o seu processo foi separado da Operação Fizz no início do julgamento, na passada segunda-feira, numa altura de grande tensão nas relações diplomáticas entre Angola e Portugal e vários apelos públicos ao desanuviamento das mesmas.

Cândida Almeida decidia arquivamentos

Orlando Figueira disse hoje que quando arquivava um inquérito no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) era "obrigado a levar" essa decisão à consideração da diretora Cândida Almeida.

Respondendo a perguntas de Rui Patrício, mandatário de Manuel Vicente e advogado de defesa de Armindo Pires neste julgamento, o ex-procurador explicou que quando um procurador arquivava uma investigação/inquérito no DCIAP, essa decisão era necessariamente levada à apreciação de Cândida Almeida, então diretora do DCIAP.

Com isto, Orlando Figueira pretendeu demonstrar perante o coletivo presidido por Alfredo Costa que a sua decisão de arquivar o inquérito relativo ao caso ‘Portmill’, relacionado com a aquisição de um imóvel de luxo no Estoril e alegadamente envolvendo Manuel Vicente, teve intervenção hierárquica, não só de Cândida Almeida, mas também, e porque a diretora do DCIAP assim o entendeu, do então Procurador-Geral da república, Pinto Monteiro.

Prosseguindo nas respostas a Rui Patrício, o mesmo arguido lembrou ainda que, a partir de maio de 2011, passou a ser coadjuvado pela procuradora-geral-adjunta Teresa Sanchez, que "participou em todos os seus despachos", concordando com as decisões e fazendo rasgados elogios ao seu colega, agora no banco dos réus.

Em sua defesa, e ainda em resposta a questões de Rui Patrício, Orlando Figueira referiu que arquivou o processo relacionado com o caso ‘Portmill’ em 15 de fevereiro de 2012, já depois de Manuel Vicente ter sido nomeado ministro da Coordenação Económica de Angola, em 30 de janeiro de 2012.

Com este confronto de datas, quis o arguido provar ser falsa a ideia de que o antigo presidente da Sonagol necessitava antecipadamente de ser ilibado no inquérito ‘Portmill’ para poder assumir um cargo no Governo de Angola.

Indicou ainda que a decisão de arquivamento do inquérito ‘Portmill’ estava para apreciação no gabinete de Pinto Monteiro quando o advogado (e ora arguido) Paulo Blanco entrou com um requerimento a pedir "celeridade", tendo o então PGR não obstaculizado o arquivamento do caso.

Durante a sessão da manhã, a procuradora Leonor Machado confrontou Orlando Figueira com despachos, documentos, atos e notas de agenda que, segundo o MP, indicam que o ex-procurador manipulou e arquivou inquéritos em que recaiam suspeitas sobre Manuel Vicente.

No bloco de notas constavam diversas indicações difíceis de decifrar, incluindo uma referência a um "Ricky Martin", que Orlando Figueira, apesar de todos lhe reconhecerem ter `memória de elefante´ para factos e datas, não soube identificar.

Contudo, fontes ligadas ao processo avançaram aos jornalistas que se trata de outro procurador do DCIAP, com as mesmas iniciais, que ficou com outros inquéritos relativos a Angola.

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