O presidente do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) alertou que o número de processos de "exagerada dimensão, que entravam a ação dos tribunais", tem vindo a aumentar, sem qualquer eficácia na administração da justiça.
Alguns processos, "mais do que megaprocessos melhor poderiam apelidar-se processos megalómanos", disse Orlando Santos Nascimento num discurso durante a tomada de posse, na quarta-feira, de novos juízes desembargadores do TRL, a que agência Lusa teve acesso.
Orlando Santos Nascimento sublinhou que alguns destes mega processos, em especial na área criminal, são "infindáveis" e advertiu que "o tempo que levarão a decidir nada tem a ver com os fins das penas, nem sequer com a esperança média de vida".
Para um cidadão envolvido num tal processo a sua vida termina com ele, o que constitui uma pena em si, ainda que venha a ser absolvido", disse o presidente do TRL, argumentando que nos processos conhecidos que envolvem o setor financeiro, caso terminem em condenação há que ponderar "coletivamente se os arguidos devem seguir para a prisão ou se devem seguir para um lar, não descurando a hipótese de prisão/lar ou lar/prisão".
Julgamento: solução "onerosa, ineficaz e ineficiente"
Admitiu que outras soluções haverá, nomeadamente a via legislativa, com amnistia condicionada à perda dos produtos do crime, mas o certo - em sua opinião - é que "a solução tradicional do julgamento se afigura demasiado onerosa, ineficaz e ineficiente".
O simples depósito destes processos exige áreas de instalação que os tribunais não têm e que o TRL só a muito custo consegue. O seu manuseamento gasta recursos infindáveis. Tratar-se-á de um fenómeno espontâneo, inerente ao modo de funcionamento da justiça, mas poderá haver algum aproveitamento desviante no arrastamento destes litígios", considerou ainda Orlando Santos Nascimento.
Segundo o presidente do TRL, com a longa permanência destes processos nos tribunais corre-se o risco de que a culpa da inação recaía sobre o sistema judicial, "retirando-a do mercado que os gerou e que se revelou incapaz de os solucionar".
Mais do que gerar processos intermináveis, importante seria prevenir o crime, não baixar o nível do crime para contraordenação", criticou, notando que, "com tanto crime do setor financeiro, afinal continuam todos em liberdade, confraternizando os arguidos com os reguladores, os investigadores e os opinadores e todos vivendo a expensas dos dinheiros públicos".
Para Orlando Santos Nascimento, esses processos "terão ganho tal dimensão pela extensão e complexidade das matérias e pelo poder dos arguidos, mas também pela falta de preparação das entidades que os geram, incapazes de racionalizar a sua ação, afastando o supérfluo e debruçando-se sobre o essencial".
"Regresso dos juízes ao processo penal"
O presidente do TRL defendeu "o regresso dos juízes ao processo penal, quer seja dirigindo a instrução criminal, quer fiscalizando a acusação e o arquivamento" e apelou para que "haja vontade política para atacar de frente o fenómeno da corrupção, que está na base de quase todos estes grandes processos".
O Ministério Público deveria adotar uma postura ativa, de natureza preventiva, nesta área de confluência, em especial em setores tão sensíveis à corrupção como são o urbanismo e outros licenciamentos, a fiscalidade, as áreas de regulação", afirmou.
Orlando Santos Nascimento defendeu que, sem esta frontalidade, na corrupção continuar-se-á a "jogar ao gato e ao rato, em que às vezes o gato apanha o rato e o rato quase sempre escapa".
Orlando Santos Nascimento apelou ainda para a necessidade de uniformização de prazos processuais e da incipiente utilização dos meios técnicos ao dispor da justiça.