Ribeira de Viana do Castelo uniu-se num só tapete para agradecer à Senhora d’Agonia - TVI

Ribeira de Viana do Castelo uniu-se num só tapete para agradecer à Senhora d’Agonia

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  • 20 ago 2020, 11:57

Pandemia de covid-19 não deixou que a manifestação de "fé" atingisse a dimensão de outros anos, mas não travou a "devoção" à padroeira dos pescadores

Dos sete tapetes de sal que a ribeira de Viana do Castelo costumava exibir no dia dedicado à Senhora d'Agonia, apenas um homenageia a padroeira dos pescadores, que se uniram numa manifestação de "agradecimento e bênção".

Desde 1968 que a confeção dos tapetes de sal se cumpre, sempre na noite de 19 para de 20 de agosto, feriado municipal, em cinco ruas e uma alameda da ribeira, mobilizando centenas de pessoas daquela zona da cidade e atraindo milhares de visitantes.

Este ano, a pandemia de covid-19 não deixou que a manifestação de "fé" atingisse a dimensão de outros anos, mas não travou a "devoção" à padroeira dos pescadores.

"Não fazer o tapete na nossa rua para a Senhora passar é um desgosto muito grande. Este deu para aliviar a dor. Ela está ali e vê", desabafa Juliana Pires.

A enfermeira de 24 anos participou na confeção do único tapete de sal que foi feito este ano, em apenas quatro horas, durante a madrugada, por cerca de 60 pessoas.

Os quatro metros do peixe que dá forma ao tapete pintam-se de azul, amarelo, verde e branco e, no meio, está a imagem da santa. O desenho estende-se pelo corredor central do templo no Campo d'Agonia, onde deverá ficar exposto até domingo, com percurso sinalizado para evitar cruzamentos de visitantes em tempos de pandemia.

Anualmente, a construção dos tapetes atrai milhares de forasteiros que se perdem pelas tasquinhas da ribeira, animadas durante toda a madrugada com concertinas e cantares ao desafio.

Ao ambiente "único" que se vive naquela noite, acresce a "chieira" (significa orgulho e vaidade) "em ser da ribeira e fazer parte de uma tradição tão importante da cidade".

Este ano, a falta dos "beijos" e "abraços" de uma noite "especial" entristeceu Luciano Amorim.

"Esta separação não dá para dar um beijo e um abraço, custa mais. Nas festas revemos sempre familiares e amigos, matamos saudades que ficam adiadas", explicou o militar da GNR, “adotado” pela ribeira pelo casamento.

Participa na confeção do tapete da rua dos Poveiros desde que conheceu a mulher, já lá vão 27 anos. Hoje, largou a sua rua e juntou-se ao grupo, no corredor central que dá acesso à igreja da Senhora d’Agonia, para lhe prestar homenagem e desenhou o único peixe ali presente.

"Para nós, a noite dos tapetes é como se fosse a noite de Natal. Estamos sempre à espera que chegue para ter esta envolvência com os nossos familiares e amigos", referiu.

O mesmo sentimento invade Sónia Novo. Há 16 anos que também o casamento lhe trouxe a "paixão" dos tapetes floridos. Eram 04:00 quando se juntou à "família" da sua rua, a Góis Pinto.

"Estamos a tentar sentir como nos outros anos, mas está a ser difícil. É uma dor muito grande no coração por não conseguirmos expressão a nossa devoção à Nossa Senhora", afirmou.

João Chavarria, representante da rua Monsenhor Daniel Machado, admite não ser fácil lidar com os constrangimentos causados pela pandemia, mas sublinhou a "união" que a covid-19 veio reforçar neste dia.

"Olhando para o negativismo que envolve toda esta situação da pandemia, o lado positivo foi o de reunir as ruas todas, em torno da fé. Abdicámos da rivalidade entre ruas para termos o melhor desenho e o melhor tapete, e unimo-nos com a única finalidade de homenagear a Senhora d'Agonia", frisou o ex-trabalhador dos extintos estaleiros navais da cidade.

No último fim de semana, foram preparadas as 2,5 toneladas de sal para o tapete que ficou pronto cerca das 08:00, quantidade que fica muito aquém das mais de 30 toneladas utilizadas em anos anteriores.

"Este ano aproveitámos tudo o que sobrou dos anos anteriores. As cores do sal foram avivadas, os moldes reaproveitados e o desenho do tapete é o mesmo do confecionado há dois anos na rua dos Poveiros. Só foi acrescentada, a meio, a imagem da Senhora d' Agonia", especificou.

Até aqui a tradição mandava que o andor da Senhora d' Agonia passasse por cima dos tapetes da ribeira, no regresso da procissão ao mar e ao rio, a caminho do templo. Este ano, não há procissão e a Santa não irá passar por cima do único tapete que lhe foi dedicado.

"Estou feliz por lhe darmos um tapete, mas triste porque não irá vai pisar. Mas ela sabe porquê", rematou Sónia Novo.

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