GNR e bombeiros passaram na "estrada da morte" sem "qualquer alerta de perigo" - TVI

GNR e bombeiros passaram na "estrada da morte" sem "qualquer alerta de perigo"

Constança Urbano de Sousa revelou que a EN236-1 "esteve sempre aberta ao trânsito até haver notícia dos trágicos e imprevisíveis acontecimentos acontecidos na mesma"

A Ministra da Administração Interna comunicou, esta quarta-feira, o resultado da auditoria do IGAI à tragédia de Pedrógão Grande, revelando que, cerca das 20:00 do dia em que deflagrou o incêndio, a GNR e os bombeiros passaram na Estrada da Morte sem "qualquer alerta de perigo".

Constança Urbano de Sousa revelou que as mortes foram causadas por um "fenómeno extremo" que surgiu "de forma repentina" e que ainda está a ser estudado pelos cientistas, acrescentando que a EN236-1 só foi cortada depois das 22:00 quando foram encontradas as vítimas.

Não foi sequer recebida qualquer informação que apontasse para uma situação de risco potencial ou efetiva em circular pela via em causa e por essa razão não foi ordenado o encerramento dessa via, seja no sentido do nó do IC8 seja no sentido contrário a partir de Castanheira de Pera. Por isso, esteve sempre aberta ao trânsito até haver notícia dos trágicos e imprevisíveis acontecimentos acontecidos na mesma. O acesso a esta estrada foi apenas encerrado às 22:15 após a localização das vítimas mortais. Em qualquer caso, do inquérito da GNR não resulta que qualquer elemento desta força de segurança tenha encaminhado qualquer viatura para esta via", revelou a ministra.

Quanto ao Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), a ministra afirma que esta rede se revelou "pouco resiliente em virtude da interligação das estações base e as restantes redes SIRESP ser feita através de cabos de fibra ótica maioritariamente suportados por traçado aéreo e deste ser particularmente vulnerável a situações de incêndio florestal".

Acresce que, nesta operação, esteve envolvido um número excessivo de grupos de conversação o que causou o constrangimentos no nível de capacidade disponível de rede, potenciando situações de saturação. As falhas registadas nas comunicações dificultaram as operações de controlo e comando, pese embora, várias áreas so incêndio - em particular a EN236-1 e áreas envolventes - estarem servidas por estações base em funcionamento normal", acrescentou, revelando ainda que a estação móvel colocada naquela área não se revelou "adequada às exigências".

Perante estes factos, Constança Urbano de Sousa anunciou ter determinado à Secretaria-Geral da Administração Interna, entidade gestora do SIRESP, que inicie os procedimentos para a aplicação de penalidades ao consórcio. A governante quer também o apuramento de responsabilidades da Secretaria Geral da Administração Interna sobre o que aconteceu em Pedrógão Grande.

Já sobre a Proteção Civil, a ministra da Administração Interna assumiu que existiu "descoordenação" e, por isso, vai pedir "penalizações" a este sistema de comunicações de emergência e será aberto um inquérito para apurar "eventuais responsabilidades disciplinares".

O facto de ter existir uma causa de força maior, neste caso um incêndio, não isenta a operadora das suas responsabilidades. O sistema tem de funcionar [...] tem de ser dotado de automatismos na sua redundância".

A ministra determinou também que, no prazo de 15 dias, seja apresentado um plano de articulação da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) com todos os oficiais de ligação e todos os agentes de proteção civil, "de forma a melhorar a coordenação e a resposta operacional aos cidadãos" e que a Direção Nacional de Auditoria e Fiscalização (DNAF) da ANPC envie à IGAI o relatório de inspeção - que se encontra em curso - para "apuramento de eventuais responsabilidades disciplinares".

Constança Urbano de Sousa decidiu ainda dar continuidade às ações de reparação das torres físicas de suporte à Rede SIRESP, bem como às ações de reforço de cobertura em instalações criticas e em locais com fraca cobertura.

Foi ainda determinado pelo MAI que a entidade gestora do SIRESP (SGAI) cumpra a recomendações da Inspeção-geral, incluindo reuniões do Conselho de Utilizadores do sistema de comunicação de emergência.

O despacho refere também que será elaborado um plano de formação dos utilizadores da rede SIRESP e estabelecidos, com caracter urgente, planos de comunicações para que fique limitado o número máximo de grupos de conversação nos Teatros de Operações (TO).

O grupo de trabalho responsável pelo plano de formação e para a definição de "políticas eficientes no uso de conversação" será coordenado pelo secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, que tem um prazo de dois meses para apresentar resultados.

A ministra exigiu à ANPC a presença de um técnico de comunicações nos Postos de Comando e Controlo nas "ocorrências com importância elevada".

A SGAI tem a seu cargo a elaboração, no prazo de 60 dias, de uma proposta de enquadramento orgânico do SIRESP com competências de "fiscalização e supervisão da Operadora e de interface com os utilizadores".

Entre outras medidas, a ministra anunciou que vão ser pré-posicionadas quatro estações móveis: uma no Porto, gerida pela PSP, outra em Lisboa, sob alçada da GNR, e duas geridas pela Proteção Civil, mediante o risco.

Ordem para cortar EN 236 só foi dada pelas 22:00

Só pelas 22:00 foram dadas ordens à GNR, a partir do Posto de Comando da Autoridade Nacional de Proteção Civil, para cortar a circulação na estrada nacional 236, concluiu o inquérito interno desta polícia aos acontecimentos de Pedrógão Grande.

Segundo o relatório do inquérito interno da Guarda Nacional Republicana (GNR) à atuação dos militares envolvidos nas operações no incêndio de Pedrógão Grande, “as primeiras instruções de coordenação recebidas pela Guarda” do Posto de Comando (PC) da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) “para a regularização e corte de trânsito no teatro de operações, designadamente na EN 236-1, foram emitidas pelas 22:00”.

O número de vítimas mortais na EN 236-1 foi de 33 (30 num pequeno troço da via e três alguns quilómetros adiante), tendo os restantes 14 morrido “em estradas e caminhos de acesso à EN 236-1, para a qual se dirigiriam em fuga do incêndio”, de acordo com documento do Governo.

O comandante da ANPC que comandou as operações de combate aos incêndios entre as 19:55 e as 22:00 afirmou, segundo o relatório, “nunca ter tido conhecimento de que o incêndio estava perto da EN-236, pelo que não deu instruções para o corte de trânsito naquela via”.

Disse ainda ser da opinião que o corte desta estrada “seria difícil e perigoso, dada a forma como o incêndio evoluiu e devido ao número de pequenas localidades que a utilizam como único acesso”.

De acordo com o documento, até às 21:44 de 17 de junho “não foram tomadas medidas de interrupção do trânsito na EN 236-1, no nó do IC 8, em direção a Castanheira de Pêra, dado que a patrulha de trânsito que ali permaneceu entre as 19:50 e as 20:10 e as patrulhas que por ali circularam não observaram perigo para a circulação rodoviária, nem receberam instruções para o efeito”.

A GNR concluiu ainda que entre as 19:34 e as 21:12 de 17 de junho (sábado) e as 22:30 de sábado e as 02:00 de domingo foram os períodos em que o sistema de comunicações de rádio SIRESP “registaram maiores dificuldades de funcionamento”, acrescentando que o sistema alternativo experimentou as mesmas dificuldades desde as 19:00 de sábado até ao final da tarde de domingo.

Tendo em conta as conclusões do inquérito interno, o oficial instrutor propôs o arquivamento do processo pela “inexistência de elementos de facto que permitam imputar responsabilidade disciplinar a qualquer militar empenhado em apoio ao combate aos incêndios na região de Pedrógão Grande”.

Propôs ainda que o Comando Territorial de Leiria da GNR proceda ao apuramento das causas do acidente entre um autotanque dos Bombeiros Voluntários de Castanheira de Pêra e um veículo civil, um acidente que provocou cinco feridos, um dos quais veio a morrer mais tarde, no hospital.

Existiram "faltas graves na rede SIRESP"

O Instituto de Telecomunicações considera que existiram “faltas graves” na rede SIRESP (comunicações de emergência), com cortes prolongados no funcionamento normal do sistema, quando do incêndio de junho.

A propósito do incêndio o Ministério da Administração Interna pediu ao Instituto de Telecomunicações (que junta nove instituições com experiência em investigação e desenvolvimento no domínio das telecomunicações) um estudo sobre o funcionamento do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) em situações de acidente grave ou catástrofe.

No relatório, com data de 31 de julho mas só hoje tornado público, afirma-se que existiram faltas graves na rede, com cortes prolongados no funcionamento normal do sistema nas áreas cobertas pelas estações base de Pedrógão Grande (39 horas de corte), Figueiró dos Vinhos (41 horas), Serra da Lousã (67 horas), Malhadas (66 horas) e Pampilhosa da Serra (70 horas).

“Durante estes períodos estas estações base funcionaram em modo local, o que restringiu as comunicações a terminais da mesma estação base, ou a comunicações diretas (de curto alcance) entre terminais”, sendo que as falhas se deveram à destruição, pelo incêndio, das ligações por cabo de fibra ótica das estações base referidas ao comutador de Coimbra.

O Instituto nota que a solução cabo de fibra ótica “não cumpre as exigências do Caderno de Encargos nem se configura como uma solução técnica adequada para usar numa floresta numa rede de segurança e emergência”.

Depois, mesmo após as ligações terem sido restabelecidas, houve situações em que não foi possível dar vazão às chamadas em espera, superior ao estabelecido em contrato, nota também o Instituto.

Que também chama a atenção para que nem todos os utilizadores da rede SIRESP têm conhecimento e prática suficiente da mesma.

No documento recomenda-se formação para esses utilizadores e a implementação “o mais rapidamente possível” de uma solução de redundância para as ligações entre as estações base e o comutador.

“Deve ser também analisada a possibilidade de aumentar o número de estações base móveis, para reforçar pontualmente tanto a cobertura como a capacidade de tráfego, em situações graves”, que devem ser colocadas no país de acordo com o risco de incêndio.

Ainda assim o Instituto salienta que não existem razões técnicas para abandonar a rede SIRESP, existindo antes “recomendações que devem ser seguidas urgentemente para que esta rede cumpra os objetivos para que foi concebida”.

O Instituto diz no relatório que “a análise foi condicionada pela dificuldade em obter das entidades externas relacionadas com o SIRESP toda a informação necessária para emitir conclusões fundamentadas dentro do prazo”.

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