Incêndios 2017: Tribunal de Contas arrasa fundo Revita e confirma denúncias da TVI - TVI

Incêndios 2017: Tribunal de Contas arrasa fundo Revita e confirma denúncias da TVI

  • Luís Varela de Almeida
  • 19 jul 2019, 00:00

Fundo foi criado pelo Governo com o objetivo de gerir os donativos de apoio às populações e de revitalização das áreas afetadas pelos incêndios de junho de 2017. Mas ao longo dos últimos dois anos têm havido irregularidades na reconstrução das casas e na administração do dinheiro doado. Algumas das falhas foram denunciadas, em primeira mão, por reportagens de investigação da TVI

O Tribunal de Contas aponta falta de transparência na gestão dos donativos para a reconstrução das casas afetadas pelos incêndios de Pedrógão Grande em 2017, num relatório que foi remetido ao Ministério Público.

A definição dos critérios e requisitos para o acesso ao Fundo Revita e para a concessão dos apoios não foi suficientemente participada e transparente, foi imprecisa e não se focou integralmente nas necessidades sociais e foi objeto de alteração durante o processo", refere o relatório do TdC.

O fundo Revita, criado pelo Governo com o objetivo de gerir os donativos entregues pelos portugueses, associações e empresas para apoiar as populações e revitalizar as áreas afetadas pelos incêndios de junho de 2017, nos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos.

No total, o fundo arrecadou mais de 7 milhões e 300 mil euros em dinheiro e 600 mil euros em bens.

Algumas das falhas foram denunciadas, em primeira mão, por reportagens de investigação da TVI, no programa da jornalista Ana Leal. Agora, é o próprio Tribunal de Contas que não só confirma as denúncias, como arrasa por completo a forma como o fundo foi gerido.

Intervencionadas 90 casas a mais como primeira habitação

Segundo a auditoria judicial, foram identificadas 491 habitações afetadas pelos incêndios, das quais 169 são de primeira habitação, 205 de segunda habitação e 117 devolutas. O problema é que acabaram por ser intervencionadas 259 casas ditas de primeira habitação, ou seja, mais 90 do que aquelas que tinham sido identificadas. Isto significa que houve casas de segunda habitação e devolutas, não urgentes, a serem intervencionadas antes das casas de habitação permanente. 

Os juízes do Tribunal de Contas acusam os responsáveis pela gestão de não terem criado critérios de prioridade para aferir quais as reconstruções mais urgentes e dão um exemplo grave sobre a forma como algumas casas foram reconstruídas:

Nas situações em que foram apresentadas faturas de eltricidade, verificou-se que, nalguns casos o local de consumo indicado não coincide com a localização do imóvel objeto de apoio, que os consumos são estimados e/ou baixos ou que dizem respeito a períodos anteriores, não comprovando assim a utilização permanente da habitação", lê-se no documento. 

A prioridade na reconstrução das casas seria a existência de agregados em situação de carência económica, mas quanto a este critério o Tribunal de Contas é claro. 

Não há qualquer evidência da verificação deste critério. Não há registo de entradas nas câmaras municipais da quase totalidade dos requerimentos para obter ajuda. Há requerimentos sem data e análise dos requerimentos, emissão de parecer e proposta de decisão numa só pessoa".

Os juízes vão mais longe e acusam os responsáveis de terem violado um princípio da Constituição da República Portuguesa. 

Todos os pedidos foram considerados como referindo-se a habitações permanentes. Nunca foi elaborada uma lista priorizada das habitações a apoiar. Os casos de habitação não permanentes que acabaram incluídos no grupo de pedidos de apoio aceites, violam o princípio da igualdade". 

Donativos para vítimas de Pedrógão empilhados e escondidos em armazéns da Câmara

Armazéns cheios com material para apetrechar casas, doado pelos portugueses, foi outro facto que chocou a opinião pública, e denunciado pela TVI em primeira mão. Os juízes comprovam o que a investigação TVI demonstrou e afirmam que deveria ter sido feito um inventário.

Na visita aos armazéns de Pedrógão Grande, constatou-se a subsistência de muitos bens, da mais variada natureza e em vários estados de conservação que não foram iventariados para efeitos de inclusão no fundo".

E quanto ao facto de ser o filho do presidente da Câmara de Pedrógão a gerir os bens doados, os juízes comprovam, mais uma vez, o que a TVI revelou:

A designação de membros da família para a coordenação do Gabinete Operacional de Reconstrução e Recuperação não é eticamente adequada".

Falta de controlo no apoio aos agricultores

Na área dos apoios à agricultura não foi definido sequer o fim a que se destinava o apoio. Não é claro que os apoios tenham sido adequados às necessidades, objetivos e prioridades. Os apoios foram realizados sem qualquer controlo sobre a sua utilização". 

Uma falta de controlo que permitiu a ida de mais de metade do valor doado para a agricultura, com 1131 agricultores apoiados em mais de 3 milhões e 400 mil euros.

Ao passo que apenas 41% do dinheiro, 2 milhões e meio de euros, foi aplicado na reconstrução de habitações. E apenas 1% na compra de eletrodomésticos e outros bens para as casas.

Quanto a eventuais factos suscetíveis de incorrerem em crimes de corrupção, o Tribunal de Contas é taxativo: não foram antecipados os riscos de fraude e de corrupção nos processos de concessão de ajuda, não houve controlo sobre eventuais conflitos de interesses e a transparência não foi suficiente.

Os juízes já enviaram o relatório ao Governo e ao Parlamento e sugerem que se façam leis para enquadrar a ajuda humanitária. Também enviaram a auditoria ao Ministério Público para eventuais investigações.

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Observações do Tribunal de Contas imprecisas

O Conselho de Gestão do Fundo Revita classificou de “imprecisas” e “incorretas” algumas observações e avaliações que constam da auditoria do Tribunal de Contas a este Fundo.

Numa reação ao relatório do TdC divulgado, o Conselho de Gestão do Fundo Revita refere que a auditoria “não valoriza devidamente as circunstâncias de emergência que determinaram a urgente montagem - num curto espaço tempo e a partir da estaca zero - de um aparelho de resposta à crise social gerada pelos incêndios”.

O Conselho de Gestão do Revita considera “desproporcionadas as exigências colocadas face às diferentes intervenções que o TdC entende que o Fundo poderia ter desenvolvido, caso fosse outro o seu enquadramento”.

O grau de transparência exigido pelo TdC não valoriza devidamente as circunstâncias de emergência social em que se processaram os apoios. Para além da delicada salvaguarda de dados pessoais, é muito duvidoso que a divulgação pública nominal de apoios, num contexto marcado pela intranquilidade social e uma escalada mediática sensacionalista, não provocasse consideráveis efeitos adversos”, adianta o Conselho de Gestão do Fundo, em comunicado.

Revita deverá reanalisar suspensão de apoios a casas no final do mês

O Conselho de Gestão do Fundo Revita deverá debater no dia 29 o levantamento da suspensão de apoios das habitações afetadas pelo incêndio de Pedrógão Grande, disse hoje o representante das autarquias.

O Conselho de Gestão do Fundo Revita vai reunir-se no dia 29 e deverá debater nesse momento o levantamento da suspensão de apoios das habitações afetadas pelo incêndio de Pedrógão Grande que não foram visadas pelo Ministério Público ou que viram o seu processo arquivado, na sequência da investigação de suspeitas de fraude na reconstrução das casas ardidas pelo grande incêndio de junho de 2017, disse à agência Lusa António Mendes Lopes, representante das câmaras municipais no Fundo Revita, organismo criado pelo Governo para gerir donativos de apoio às populações afetadas.

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