Pela primeira vez, abranda o número de pedidos de ajuda à Cáritas - TVI

Pela primeira vez, abranda o número de pedidos de ajuda à Cáritas

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  • 12 mar 2017, 09:54
Cáritas

Presidente da instituição, Eugénio Fonseca, revelou que as pessoas continuam a pedir ajuda, mas não de forma tão intensa

O presidente da Cáritas Portuguesa, afirmou que já não estão a aparecer “fluxos muito grandes” de pessoas que pedem ajuda à instituição pela primeira vez, mas alertou que quem caiu na pobreza está “cada vez mais pobre”.

Nos últimos anos, a organização da Igreja Católica registou um aumento no número de pedidos de famílias que pediram ajuda pela primeira vez à instituição, devido à crise económica que as empurrou para uma situação de pobreza.

Em à entrevista à agência Lusa, a propósito da Semana Nacional da Cáritas, que se inicia este domingo, o presidente da instituição, Eugénio Fonseca, afirmou que as pessoas continuam a pedir ajuda, mas não de forma tão intensa.

É verdade que já não estão a aparecer aqueles fluxos muito grandes de pessoas que vêm pela primeira vez à Cáritas”, disse Eugénio Fonseca.

Questionado se esta situação se deve ao crescimento económico do país, o responsável disse que se nota “alguma melhoria”, refletida na criação de emprego, mas que “não tem resolvido o problema da pobreza”.

O que nós sabemos é que as pessoas que caíram na pobreza estão cada vez mais pobres, porque a pobreza quando se torna estrutural agrava as condições de vida das pessoas”, disse Eugénio Fonseca.

Só em 2016, as vinte Cáritas Diocesanas do país apoiaram mais de cem mil pessoas no pagamento de rendas de casa, dívidas de eletricidade, gás, água, medicamentos e propinas.

Os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística indicam que, em 2015, quase dois milhões de portugueses (19,5%) estavam em risco de pobreza.

Para Eugénio Fonseca, este número fica aquém da realidade, considerando que será “muito mais de 20%”.

Cada vez estou mais renitente em lidar com estes assuntos a partir de estatísticas”, que “dependem muito das fontes onde vão buscar os dados”, da altura em que os elementos são recolhidos e da leitura que se faz dos dados, explicou.

Na sua opinião, a “melhor estatística” é o “testemunho de vida” que as pessoas transmitem.

Segundo o presidente da Cáritas, uma “boa parte” dos portugueses em situação de pobreza são trabalhadores por conta de outrem, o que demonstra que “o trabalho só por trabalho não liberta ninguém da pobreza”.

Os trabalhos que estão a aparecer estão vergonhosamente a ser mal pagos” e as pessoas continuam a ter os mesmos encargos, disse, adiantando que a precariedade laboral também se observa “quando se paga a licenciados o ordenado mínimo” e nas condições, “muitas vezes escravizantes”, em que trabalham muito jovens.

Alertou também para situações vividas por muitos idosos que ficaram mais pobres durante a crise, porque tiveram que dar aos filhos que ficaram desempregado as poupanças que juntaram ao longo da vida”.

Alguns pais até estão a ver penhoradas as suas magras reformas porque foram fiadores dos filhos”, uma questão que “o Governo devia ver”, porque não de deve “penalizar pessoas que só quiseram ajudar”.

Por outro lado, está a aumentar a pobreza infantil, o que “é escandaloso”, e das famílias monoparentais.

Muitas ameaças têm sido dirigidas à família, ameaças no sentido (…) de não se dar condições para que tenham uma coesão em termos da sua estabilidade financeira”, situação que pode levar a situações de violência doméstica e a “desagregações familiares”, advertiu.

Para Eugénio Fonseca, o que se está a notar e que “é muito bom” é que está a haver “uma esperança renovada”, para a qual o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “tem contribuído com muita assertividade”.

As pessoas têm que acreditar que isto não é uma fatalidade que podemos dar a volta à situação em que estamos, mas esta esperança tem de ser acompanhada de medidas realistas porque as pessoas acreditam até determinada altura”, defendeu.

"Pobreza existe não por falta de meios"

O presidente da Cáritas Portuguesa, Eugénio Fonseca, defende que “não é por falta de meios” que a pobreza existe, mas porque estes estão a “ser mal” e “dolosamente distribuídos”, apelando para uma maior responsabilidade de todos.

É pena que a justiça não seja mais eficaz nestas situações como muitas vezes é forte com os fracos e tem-se revelado muito fraca com os fortes”, disse Eugénio Fonseca.

Isto “quando nós sabemos que milhões e milhões de euros desaparecem deste país para os chamados – que o nome até é uma ofensa - paraísos fiscais”, mas “sim são paraísos para aqueles que escondem esse dinheiro em proveito próprio, sublinhou.

Na entrevista concedida antes do jornal Público noticiar que a Cáritas Diocesana de Lisboa tem, pelo menos há 10 anos, mais de dois milhões de euros em depósitos bancários, Eugénio Fonseca disse que a Semana Nacional da Cáritas visa “chamar a atenção para estes problemas” e para dizer que “outro mundo é possível”.

Nós sabemos o estado em que se encontra o mundo, os desafios que temos pela frente com alterações de ordem política e de ordem económica e financeira e, portanto, é urgente mudarmos este estado de coisas”, advertiu.

Mas para isso acontecer – defendeu – “os governantes têm que ter um maior sentido de serviço para o bem comum e não apenas interesses pessoais, de poder, interesses ideológicos, que muitas vezes visam apenas a defesa do corporativismo”.

Também têm de ter um “maior sentido ético no exercício da sua missão, que é uma missão e não nenhuma carreira pessoal ou profissional”, sustentou.

Eugénio Fonseca ressalvou que não são apenas os políticos que devem ter este sentido de missão, mas todos os que têm “responsabilidades mais estruturantes para a sociedade”, a nível económico, social e educativo.

Para o presidente da organização católica, o combate à pobreza é uma responsabilidade de todos e não apenas do Governo.

Se estamos à espera que o Governo faça tudo nunca mais a gente resolverá este problema, sendo certo que todos os governos têm que ter um sentido maior da distribuição da riqueza que é produzida”, vincou.

Sobre a forma como os portugueses podem ajudar para combater este flagelo que atinge quase dois milhões de pessoas em Portugal, Eugénio Fonseca disse que bastaria cada um contribuir com um euro.

Nós somos dez milhões de habitantes (…) dez milhões de euros dariam para libertar da pobreza muitos dos nossos concidadãos”, elucidou.

Por outro lado, se fossem também proporcionadas oportunidades às famílias elas seriam “mais consistentes”.

Contudo, lamentou, em Portugal nem sequer existe uma secretaria de estado para a família ou uma direção-geral que trate só dos assuntos da família.

Isto revela muito dos interesses que os políticos têm pela família enquanto célula fundamental da construção de qualquer sociedade”, disse, sublinhando que qualquer política e modelo económico que se adote vai influenciar em “primeiro lugar as famílias”.

“Família como construtora da paz” é o tema da Semana Nacional da Cáritas, durante a qual decorrerá o peditório público, entre quinta-feira e domingo.

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