Covid-19: são artistas portugueses, trabalhavam em cruzeiros e foram todos despedidos - TVI

Covid-19: são artistas portugueses, trabalhavam em cruzeiros e foram todos despedidos

Estavam numa profissão de sonho, mas de um dia para outro o novo coronavírus roubou-lhes a carreira que construíram nos palcos do mar alto, ainda assim o talento e a persistência não lhes fugiram na viagem de regresso, por isso prometem continuar a fazer aquilo que os apaixona

O navio tinha acabado de desancorar do porto da ilha de Cozumel, no México. Cantores, bailarinos e atores a bordo preparavam-se para mais um espetáculo, naquela noite do dia 13 de março. Entre eles, João Carvalho, português de Santarém, muito longe, quase tanto como a sua terra natal, de imaginar o que aí vinha.

Foi convocada uma reunião geral com toda a tripulação, cerca de 1.300 pessoas, em que nos foi dito que, após desembarcarmos os últimos passageiros, iríamos ficar parados sem hóspedes durante um mês"

Tudo, para proteger funcionários e clientes do novo coronavírus. O objetivo da companhia de cruzeiros norte-americana Carnival seria deixar a tripulação em quarentena, em cada um dos 27 navios. Depois, a normalidade seria retomada. 

Achei logo impossível, porque sabia do que se passava na Europa", a certeza era de Ana Luísa Castro, mais uma portuguesa que trabalhava a bordo de outro cruzeiro da companhia.

Ainda assim, a jovem de 29 anos, de Santa Maria da Feira, que era cantora numa das bandas que dão concertos diariamente a bordo, teve alguma dificuldade em aceitar que o sonho profissional, e pessoal, poderia estar a desmoronar.

recebi a notícia com um misto de alívio e medo: alívio porque já tinha receio de ter contacto com os hóspedes, medo porque não fazia ideia do que iria acontecer a seguir."

Tal como previsto, os cruzeiros foram parando, apenas com as tripulações no interior. O barco onde seguia João Carvalho, de 35 anos, ficou ancorado em Tampa, na Flórida. Porém, a situação era muito mais grave do que aqueles 1.300 tripulantes poderiam imaginar.

A 21 de março foi-nos comunicado, pelo diretor de entretenimento, que todo o departamento iria começar a ser dispensado na semana seguinte, dependendo das restrições dos países."

Em terra, na Florida, também nos Estados Unidos, nos estúdios que dão formação aos artistas da companhia, estavam Inês Alves, de Vila Nova de Gaia, e Catarina Leão, de Lisboa, as duas cantoras, a ensaiar para começar a dar espetáculos em alto mar por estes dias.

Recebemos um comunicado da companhia a dizer que todos os que estávamos nos estúdios iríamos embora no dia seguinte", relembra Inês em entrevista à TVI.

Foi como uma facada no estômago: de um momento para o outro, perceberam que tinham sido despedidos, sem outra alternativa que não regressar a Portugal. Certezas, trouxeram apenas uma: para já, o trabalho de sonho chegou ao fim. Todos, mas cada um sozinho, viveram uma autêntica odisseia até chegar a casa, é que Donald Trump já tinha limitado as ligações aéreas com a Europa há cerca de uma semana.

Entre aeroportos vazios, e escalas intermináveis, andava também Miguel Graça, de 29 anos, que assim que soube que tinha a hipótese de voltar ao país de onde saiu há dois anos, não hesitou.

Felizmente, encontram-se todos em segurança, junto da família que, apesar da mágoa, os viu chegar com um sorriso no rosto, mesmo não podendo dar-lhes um abraço. 

Sem grande coisa para fazer, mas recusando desistir perante um mundo que, a cada dia, vai dando sinais de maior cansaço, criaram um grupo privado no Facebook chamado "Portugueses sem Covid", para fazerem, mesmo que à distância e sem serem pagos, aquilo que melhor sabem e gostam: cantar, dançar e entreter quem os vê.

Começámos a gravar naquela de ‘estamos nisto para estar entretidos’, só que os vídeos ficaram bons. Decidi publicar alguns no Facebook", conta a portuguesa que teve a iniciativa de mostrar aos amigos e seguidores das redes sociais o talento do grupo.

 

Quando tu tens amigos LOUCOS que alinham nas tuas loucuras.

Pessoas como vocês é que mantêm a minha loucura mental. Não...

Publicado por Ana Luísa Castro em Quinta-feira, 2 de abril de 2020

No repertório, a este tema do musical "Os Miseráveis", juntam-se outros, por exemplo "Seasons of Love", do filme "Rent". As partilhas, os gostos e os comentários têm-se multiplicado e a brincadeira tornou-se cada vez mais séria.

Quando um Grupo de Tugas sem Covid da Carnival decide brincar aos musicais.

Desculpem os desafinanços.

Os fora de tempo...

Publicado por Ana Luísa Castro em  Quarta-feira, 1 de abril de 2020  

sabíamos lá nós que íamos ter milhares de visualizações, ou pessoas a dizer que as tínhamos feito chorar", conta Ana Luísa Castro.

Talvez não seja para menos: Miguel, João, Ana Luísa, Catarina e Inês tornaram-se, desta forma, um símbolo de resistência para os milhares de artistas que estão, por estes dias, impedidos de trabalhar em todo o país.

Resta-nos aguardar e ocupar o tempo de forma criativa, acaba por ser uma forma de exorcizar essa ansiedade, fazendo aquilo que sabemos e que mais nos faz felizes", finaliza João Carvalho.

Com fé nessa alegria, os cinco portugueses têm, ainda, a esperança de virem a ser recolocados nos grande barcos que dão a volta ao mundo, só não sabem quando e se, de facto, algum dia, o sonho voltará a ser real. Até lá, aconteça o que acontecer, está visto que não vão deixar, nem de acreditar, nem de cantar, até porque quem canta... bom, o resto já se sabe.

Continue a ler esta notícia

EM DESTAQUE