Pedrógão Grande: relatório da Proteção Civil divulgado - TVI

Pedrógão Grande: relatório da Proteção Civil divulgado

PGR levantou segredo de justiça à auditoria depois do Governo ter dito que não se opunha à divulgação e depois do jornal Público ter revelato as conclusões do documento

O Ministério Público levantou o segredo de justiça à auditora da Proteção Civil sobre os incêndios de Pedrógão Grande. Numa nota publicada no seu site, a PGR esclarece que documento foi junto ao processo, como tinha sido referido pelo Governo, e que como tal estava em segredo de justiça. No entanto, e dada a importância para o "esclarecimento público", foi decidido divulgar o documento. 

Como foi oportunamente divulgado, o Ministério Público recebeu, em novembro de 2017, da Autoridade Nacional de Proteção Civil, o relatório final de uma auditoria realizada por aquela entidade na sequência dos incêndios de Pedrógão Grande. Este documento foi junto aos autos onde se investigam as circunstâncias que rodearam os referidos incêndios, sendo considerado no âmbito das investigações em curso. Este inquérito encontra-se em segredo de justiça, entendendo-se que, quando um documento é incorporado num processo em segredo de justiça, passa a ficar sujeito a esse regime. Contudo, face à relevância do respetivo conteúdo para o esclarecimento público e por se considerar que não existe prejuízo para a investigação, procede-se à divulgação do referido relatório, do qual foram retiradas as identidades das pessoas nele mencionadas.

O documento pde ser consultado aqui e confirma “limitações na obtenção de provas”, com documentos apagados.

“Importa referir que ao longo do presente inquérito sempre nos deparámos com limitações na obtenção de elementos de prova não consentâneas com as possibilidades que fornecem as tecnologias atuais”, indica o documento, colocado na página da Procuradoria-Geral da República (PGR) na Internet.

O relatório precisa que “não foi possível aceder a um único SITAC [quadro de situação tática], a um único quadro de informação das células ou a um PEA [plano estratégico de ação]”, já que “todos esses documentos haviam sido ou apagados dos quadros da VCOC [viatura de comando e comunicações] e VPCC [veículo de planeamento, comando e comunicações] ou destruídos os documentos em papel que os suportavam”.

A notícia com as conclusões deste relatório, nomeadamente quanto à existência de documentos apagados ou destruídos, foi avançada pelo jornal Público na quarta-feira.

Na sequência disso, o Ministério da Administração Interna disse, também na quarta-feira, que “não vê inconveniente" que o relatório sobre Pedrógão seja conhecido, adiantando que o Governo aceita a divulgação e já tinha dado tal indicação ao Ministério Público.

“Funcionamento deficiente”

A Autoridade Nacional de Proteção Civil considera que, nos incêndios de Pedrógão Grande de junho passado, registaram-se situações de “funcionamento deficiente” e de desorganização que levaram a “atrasos irrecuperáveis” e a “consequências irreversíveis”, com dezenas de mortos.

Num documento detalhado com 133 páginas, agora divulgado pelo Ministério Público após autorização do Governo devido à polémica gerada, a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) aponta 55 conclusões pormenorizadas, desde o momento em que chegou o alerta, até 72 horas depois.

Aquela entidade começa por apontar que o 'Aviso Laranja' do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para o tempo quente na zona de Leiria, distrito onde se localiza Pedrógão Grande, “deveria ter sido objeto de melhor análise” por parte das autoridades.

Já quanto ao fogo, hora e meia depois de ter deflagrado, o incêndio “não cedia e impunha o empenhamento de mais meios e, muito provavelmente, um rápido desenvolvimento da organização operacional”, situação que só aconteceu minutos mais tarde, numa “implementação [que se verificou] incipiente”, de acordo com o relatório da ANPC.

Três horas depois do primeiro alerta, ainda não existia “uma organização bem definida”, acrescenta aquela estrutura, destacando a “falta de recursos técnicos e materiais”.

Entretanto, o Posto de Comando Operacional foi relocalizado para os estaleiros da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, situação que a ANPC viu como “duvidosa em termos técnicos” desde a primeira hora, verificando-se depois que este “local, afinal, não era apropriado”.

Passadas quatro horas desde o primeiro alerta, o funcionamento da operação de combate mostrou-se “deficiente”, sendo necessário um “posto de comando organizado, fluente nos seus trabalhos e com as células a funcionar em pleno”, assinala o relatório.

Além destas dificuldades, que eram do conhecimento do comando nacional da Proteção Civil, também não existia informação meteorológica atualizada, segundo o mesmo documento.

Só após cinco horas após o primeiro alerta é que “as células são claramente atribuídas e (...) abandonam a insipiência embrionária”, descreve a ANPC, referindo, contudo, que nesta altura o plano estratégico de ação "já estava desatualizado” e não tinha em conta a “dimensão que o incêndio já possuía”.

Aí, questões como “a deficiente e tardia consolidação das fases SGO [Sistema de Gestão de Operações] e o tempo gasto na relocalização do Posto de Comando Operacional começam a ter consequências notórias”, com o fogo já a chegar às povoações, indica o relatório.

O combate passou, assim, a ser “puramente reativo, deixando de existir qualquer antecipação nas operações”, elenca a ANPC, referindo que se segue um “aumento considerável dos pedidos de socorro” e “problemas de comunicações”.

Acode-se onde pedem e onde os meios chegam. O incêndio deixa de ser combatido”, sinaliza aquela entidade, falando nas primeiras notícias da existência de mortes.

Mais de 67 horas após o alerta, “os danos provocados pela deficiente e tardia evolução e consolidação das fases do SGO são já gigantescos e irreparáveis”, aponta a ANPC.

Entretanto, são ainda visíveis problemas de articulação entre o posto de comando e o Comando Distrital de Operações de Socorro de Leiria, segundo a Proteção Civil, que diz também “estranhar” o facto de o plano municipal de emergência não ter sido acionado nas primeiras horas.

Sistema informático

No relatório, a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) recomendaainda  a criação de um sistema informático para armazenar documentos usados durante as operações de combate aos fogos, após ter confirmado a destruição de informações que poderiam servir de prova.

Face à necessidade de guardar imagens e informação que, posteriormente, se pode tornar vital, torna-se necessário idealizar, num plano informático, o registo e guarda de informações sobre os quadros de informação das células, o PEA [plano estratégico de ação], bem como imagens dos diferentes SITAC [quadros de situação tática] que vão sendo desenhados”, propõe a ANPC num relatório sobre o incêndio de Pedrógão Grande de junho passado hoje divulgado na página da Procuradoria-Geral da República (PGR) na Internet.

Outra das recomendações feitas pela ANPC deve-se às “deficiências e falhas existentes no SADO [Sistema de Apoio à Decisão Operacional]”, uma “ferramenta essencial” que, contudo, “carece de melhoramentos porquanto indicia necessidades de atualização e introdução de um maior número de possibilidades e valências”.

Por essa razão, frisa a “necessidade de existir uma vertente totalmente direcionada à gestão das operações que facilite o funcionamento dos postos de comando operacionais” e que “certas informações se operem automaticamente, sendo inseridas na fita do tempo”.

Muitos outros aspetos desta ferramenta [do SADO] têm de ser burilados, como é caso da necessidade de separar e identificar o número de operacionais acionados do número de operacionais presentes nos teatros de operações”, acrescenta a ANPC.

Continue a ler esta notícia