Ordenados e excesso de trabalho levam médicos a sair para o privado - TVI

Ordenados e excesso de trabalho levam médicos a sair para o privado

  • AM
  • 11 dez 2017, 09:04
Saúde

Estudo “A carreira médica e os fatores determinantes da saída do Serviço Nacional de Saúde" mostra ainda que 7% dos médicos decidiu emigrar por insatisfação no SNS

Mais de um terço dos médicos da região Norte que saiu do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi trabalhar para o setor privado e quase metade dos internos pondera emigrar após concluir o internato de especialidade.

Estas são algumas das conclusões do estudo “A carreira médica e os fatores determinantes da saída do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, realizado na região Norte de Portugal em colaboração com a Ordem dos Médicos.

Na fase do estudo em que se avaliaram os clínicos que saíram do SNS, foram obtidas 812 respostas e concluiu-se que 36,1% dos médicos que abandonaram o sistema público optaram por trabalhar em exclusivo no setor privado.

Cerca de 43% saíram do SNS por reforma e sete por cento para a emigração, mostra o estudo efetuado por Marianela Ferreira, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, com a colaboração da Ordem dos Médicos.

A média de idades dos médicos que optaram por trabalhar apenas no setor privado foi de 50 anos, os que saíram por reforma apresentavam uma média de 68 anos e os que decidiram emigrar apresentavam uma média de 40 anos.

Dos 253 médicos que saíram do SNS para o privado, a esmagadora maioria (mais de 80%) já acumulava funções quando estava no SNS.

A remuneração, as condições físicas e de equipamentos, o número de horas de trabalho e a progressão na carreira foram os aspetos em que mais médicos que saíram do SNS para o privado mostraram a sua insatisfação em relação ao setor público.

Dos cerca de 100 internos que participaram no estudo, quase 20% diz que não ficará no SNS após terminar o internato de especialidade e mais de 40% manifesta completa incerteza. Pouco mais de um terço afiram que “provavelmente” ou “definitivamente” permanecerá no setor público em Portugal.

Aliás, quase metade dos internos afirmou equacionar a possibilidade de exercer medicina no estrangeiro após o internato em Portugal e apenas 11% dizem que nenhum valor remuneratório o faria sair do país.

Três em cada quatro médicos do Norte insatisfeitos

Três em cada quatro médicos da região Norte estão insatisfeitos com as condições de trabalho no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente com os rendimentos, com cerca de metade dos especialistas a receber menos de 3.000 euros brutos mensais.

O estudo mostra globalmente que os médicos estão descontentes com as condições de trabalho e que os que saem do SNS o fazem para procurar condições mais compensatórias.

Apesar do descontentamento com os rendimentos, esta não é uma das causas referidas pelos médicos que optam por sair do SNS, para emigração, reforma antecipada ou para o privado.

A insatisfação com o trabalho no SNS prende-se sobretudo com o número de horas efetivamente exercidas, “muito frequentemente acima das horas contratualizadas”, e com a falta de oportunidades de progressão.

“Destaca-se a significativa insatisfação com o rendimento auferido do trabalho realizado no SNS (…). Apesar desta insatisfação generalizada com a remuneração, não se revelou um aspeto impulsionador da saída do SNS ou, em caso de aumento, de incentivo à permanência”, refere o estudo conduzido por Marianela Ferreira, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, com a colaboração da Ordem dos Médicos, a que a agência Lusa teve acesso.

O universo potencial do estudo era de mais de 13 mil médicos inscritos na Secção Regional Norte da Ordem em 2016, tendo respondido mais de dois mil médicos, sendo que a análise foi realizada em duas fases distintas: um grupo que integrou os médicos especialistas ativos a exercer no SNS e um outro em que estão incluídos médicos que já saíram do sistema público e os que estavam a realizar o internato da especialidade.

Em declarações à agência Lusa, Marianela Ferreira, autora do estudo, considera que do ponto de vista científico “a amostra é robusta” e “dá uma perceção de consistência relativamente aos resultados obtidos”, lembrando que as respostas e adesão dos médicos ao estudo eram voluntárias.

Na primeira parte do estudo, numa análise a cerca de 1.400 rendimentos de especialistas no SNS, mostra-se que quase 47% recebem menos de 3.000 euros mensais brutos, 20% auferem entre 3.000 e 3.500 euros mensais, 10% recebem entre 3.500, a 4.000, 7,8% ganham acima de 4.000 e menos de 4.500 euros mensais, há 8% a ganhar perto de 5.000 euros e 7,3% conseguem num mês mais de 5.000 euros brutos.

Mais de 60% dos médicos especialistas inquiridos na primeira etapa do trabalho admitiram estar insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o número de horas de trabalho, considerando-o excessivo, sendo que a percentagem de descontentamento sobre para os 74% quando está em causa o tempo disponível para a família, amigos ou lazer.

Também cerca de seis em cada dez médicos do Norte inquiridos se mostraram insatisfeitos ou muito insatisfeitos com a progressão na carreira.

O relacionamento com os colegas de profissão surge como o indicador que mais médicos satisfaz, com cerca de 80% a mostrarem-se satisfeitos ou muito satisfeitos.

Ordem pede ao Ministério para rever carreira 

O bastonário da Ordem dos Médicos afirma que recebe diariamente chamadas de clínicos que vão abandonar o Serviço Nacional de Saúde e apela ao ministro da Saúde para rever a carreira médica, melhorando as condições de trabalho.

“Todos os dias recebo chamadas de médicos que já emigraram, pretendem emigrar ou daqueles que vão trabalhar no setor privado. E o motivo tem a ver com uma questão central que são as condições de trabalho, que envolvem vários fatores que podem determinar a continuidade ou não das pessoas no Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, afirmou Miguel Guimarães à agência Lusa.

Um dos principais fatores, segundo o bastonário, é a carreira médica, que implica uma progressão e também um correspondente aumento remuneratório, que tem estado “praticamente congelado”.

“Nos últimos anos a carreira médica não te tido aplicação prática”, declarou o representante dos médicos, apelando ao ministro da Saúde para fazer uma reforma, um reforço e uma aplicação prática da carreira médica.

Miguel Guimarães entende que a carreira médica é essencial, nomeadamente para que os jovens especialistas possam ficar no SNS.

Como exemplo da falta de aplicação da carreira médica, o bastonário apontou o caso do concurso hospitalar para médicos que terminaram a especialidade em março e que, em meados de dezembro, não arrancou ainda.

O resultado é haver médicos especialistas e a cumprir essas funções ganhando como internos, sendo que alguns destes clínicos já optaram por emigrar ou foram exercer funções no privado, acrescenta Miguel Guimarães.

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